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Arquitetura

Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono

Primeira escola rural de Campo Grande é esquecida e vira cenário triste em Anhanduí

Por Natália Olliver | 28/05/2025 08:47
Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Irene Lescano voltou à escola onde estudou para ver a destruição do prédio (Foto: Henrique Kawaminami)

Em meio ao mato alto, avista-se de longe uma casa antiga que desmorona há anos no distrito de Anhanduí. Ali, de nada adiantou o título de primeira escola rural de Campo Grande, tampouco a história presente desde 1955. Nem mesmo o tombamento do pequeno prédio, que ostenta precariamente o status de patrimônio cultural, parece ter serventia.

O que se vê no local, largado às teias de aranha, é o abandono e a natureza, que já ocupou seu lugar na construção. O clima é tão “desértico” que até um cacto brotou do telhado. Se até para chegar à Escola Izauro Bento Nogueira é difícil, devido ao mato, imagine ser vista pelos olhos públicos.

Irene Lescano, de 61 anos, resolveu voltar à sala de aula que fez parte da vida dela durante alguns anos. Assim como a reportagem, ela também precisa se embrenhar no matagal para alcançar a porta, que resiste por um fio. Sem visitar o local há anos, o choque e a tristeza ao ver a escola que marcou seus dias felizes são nítidos, mesmo sem palavras.

Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Escola Rural Izauro Bento Nogueira fica em e Anhanduí, distrito de Campo Grande (Foto: Henrique Kawaminami)

“Era muito legal aqui. Tinha o lado da sala dos meninos e das meninas, e um quadro no fundo. Tinha uma cantina. Eu ainda tenho uma amiga que era merendeira. Quando era lanche de paçoca, eu amava. Olha como está... é triste”, diz.

Ela anda pelos destroços do que um dia foi uma escola. Hoje, as rachaduras vão do chão ao teto; o telhado está destruído, com buracos no pouco forro que ainda resta e repleto de teias. Também há buracos nas paredes, janelas quebradas e poucos vidros, estes, partidos e cobertos de pó.

Na parte de trás, alguns livros didáticos estão jogados no chão e se escondem em meio à poeira; mais à frente, mato e mais mato. Do lado esquerdo, o telhado sumiu e restou apenas a estrutura. Do outro, ele caiu e segue em processo de desabamento.

Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Irene mostra onde se sentava na época da escola (Foto: Henrique Kawaminami)

Irene conta que estudou por pouco tempo na escola e que começou tarde, devido a problemas de saúde, mas adorava o lugar. “Era muito gostoso. A gente foi criado aqui. Antes, algum tempo atrás, vinham muitas pessoas aqui para usar drogas.”

Na casa em que vive desde que se entende por gente, Irene destaca que o imóvel é um dos mais antigos da cidade. Antes de ser levada até a escola, ela estava pegando citronela no quintal para espantar os mosquitos. O lugar é simples e amplo, e a casa ainda mantém as janelas antigas. Ali, ela passa os dias cuidando do quintal, das galinhas e vendendo peças íntimas.

Citada por Irene, Vilma Pedrosa Ossuna, de 75 anos, foi merendeira na escola rural por cinco anos, e por mais 25 na nova escola que recebeu o mesmo nome da primeira, mas esta, diferente da original, não está caindo aos pedaços.

Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Diante do abandono, até cacto nasceu no telhado da escola rural (Foto: Henrique Kawaminami)

Para encontrar Vilma, é preciso chegar quase ao posto de saúde do distrito. As orientações dadas pelos moradores foram precisas. No quintal simples, com fogão à lenha, ela recebe com curiosidade os “intrusos” e conta como gostava de trabalhar na escola naquele tempo em que ela ainda era algo.

“Lá era do 3º ano ou 4º ano, ou 5º, se não me engano. Trabalhava eu, o seu Moacir e dois professores. Eu fazia arroz com charque, canjica, leite com bolacha. Os guris gostavam muito do charque. Só não muito do leite.”

Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Livros estavam jogados no que costumava ser a cozinha da escola (Foto: Henrique Kawaminami)

Mesmo com pouco tempo de serviço na escola rural, Vilma relembra que o trabalho fez com que ela se aproximasse muito das crianças. “Eu tinha proximidade com elas, tinha amizade. Nessa nova foi a mesma coisa. Eu também era zeladora, além de merendeira lá. Entrava 5h da manhã para estar limpo para a turma entrar. Quando dava 12h, voltava em casa para ver meu filho, dava banho e voltava pra lá fazer merenda. Eu gostava.”

Desde que saiu de lá e que o ensino passou a ser feito na nova escola, ela não voltou mais ao local antigo. Ao saber da situação atualizada, ela se entristece. “Dá dó. Eu achei que eles iriam fazer algo para a gurizada estudar lá. Os meus netos não conhecem lá. Eu tenho tristeza de ver acabar. Naqueles 5 anos, gostei muito.”

Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Antes e depois da destruição da Escola Rural de Anhanduí (Foto: Henrique Kawaminami)

A casa simples, de muro sem cor, onde ela mora, foi construída com o esforço dela na merenda. O feito é motivo de orgulho para ela, que criou os filhos a maior parte da vida sozinha. Hoje aposentada, ela conta que gosta de cuidar da casa, fazer pão e o almoço.

“A casa tem três quartos, uma sala e uma cozinha. Foi uma época feliz, apesar de algumas coisas.”

Fim de uma casa histórica

Nas paredes, alguns resquícios de que crianças estiveram ali em algum momento. As marcas no quadro na parede também não saíram, e o lugar onde a cantina de Vilma ficava ainda tem rastros de que ali, de fato, era uma cozinha. O processo para que a Escola Municipal Izauro Bento Nogueira seja restaurada é antigo e enrolado. Inclusive, já foi pedido em caráter emergencial em anos anteriores.

Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Na foto de cima Irene na janela de casa, na de baixo, a merendeira Vilma que tranalhou na ecola (Foto: Henrique Kawaminami)

Tudo começou com uma denúncia feita para uma tese de mestrado apresentada na UFBA (Universidade Federal da Bahia). Ela revelava problemas estruturais no local. O estudo virou alvo de investigação pela 26ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do MPMS (Ministério Público Estadual) e deu no que falar.

Em 2017, um laudo técnico da então Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo) constatou o estado precário de conservação do imóvel, que já apresentava risco de colapso estrutural. O documento destacava árvores sobre o telhado; telhado parcialmente desabado; presença de cupins; fissuras, rachaduras, deterioração geral e instalações inutilizáveis. Situação que piorou com o tempo.

Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Ex-aluna volta à escola que fez 100 anos e se entristece com abandono
Rachaduras, teto quebrado, telhas com teia de aranha fazemparte do cenário na escola (Foto: Henrique Kawaminami)

Vale lembrar que o imóvel foi tombado pelo município em 2003 e que, em 2021, a 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos da Capital já tinha informado, em processo, que a deterioração da escola era irreversível e que havia risco de ela ruir.

Em 2021, a responsabilidade do reparo foi atribuída à gestão municipal, mas, até o momento, como visto nas fotos, nada aconteceu. A omissão no caso gerava multa de R$ 10 mil, que poderia chegar a até R$ 500 mil, caso a obrigação não fosse cumprida.

Na última quarta-feira (21), quatro anos depois, a 26ª Promotoria instaurou um inquérito civil para averiguar como anda a reforma. Apesar de algumas telhas estarem na varanda, elas já juntam teias de aranha.

A reportagem entrou em contato com a gestão municipal, mas, até o momento, não obteve retorno. O espaço segue aberto.

Confira a galeria de imagens:

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