Ailton tenta costurar recomeço com rede de pesca após 18 anos na prisão
Homem que é visto fazendo rede de pesca pelo centro de Campo Grande não se intimidou em contar sua história

No canteiro da Avenida Afonso Pena, um homem trançava uma rede de pesca. Era uma manhã qualquer, dessas em que a cidade corre sem olhar para os lados. Ao lado dele, a estátua de Manoel de Barros parecia observar o trabalho silencioso.
Ailton José da Silva tem 59 anos e poucos sorrisos. Mas não se intimidou em contar sua história. Tirou do bolso um documento, mostrou a data de nascimento e revelou sem rodeios: “Aprendi a fazer rede no presídio”. Foram 18 anos atrás das grades, cumprindo pena por matar um homem em Anaurilândia. “Foi por ciúmes da minha namorada da época”, disse, sem floreios.
Agora, vive nas ruas. Tinha uma casa alugada perto do Aeroporto, mas não conseguiu mais pagar. “Eu e a rede de pesca, é o serviço”, resume. Sozinho, sem pais, sem irmãos, sem filhos. Eles tinham 4 e 6 anos quando ele foi preso. Nunca mais os viu.
A esposa, Iraci, ficou. Casaram dentro da cadeia. Ela disse que não o abandonaria. Não abandonou. Mas morreu de câncer enquanto ele ainda cumpria a pena. “Gostei muito dela”, disse com carinho.
No meio das linhas da rede, repousava uma bíblia pequena. Religião é coisa recente na vida dele. Vai à igreja católica sempre que pode e tem um desejo antes de partir: cantar “Homem sem Deus” na televisão.
A rede de pesca é o que o sustenta. Aprendeu com os companheiros de cela e, agora, traça uma a cada 15 dias. Numa loja especializada, custaria 600 reais. Ele, quando tem sorte, vende por 200. Quer juntar algum dinheiro para voltar para Anaurilândia, viver na beira do rio, trançando redes.
Mas antes precisa comer. No pote de plástico ao lado, arroz e feijão, sem mistura. “A gente procura ajuda nos postos, mas o pessoal não dá atenção. Eu nem gosto de procurar porque eles não tratam a gente bem, prefiro nem ir”. Também precisa de remédios para epilepsia e problema no coração. Quando o posto não fornece, não tem outro jeito: tem que trabalhar.
Por isso, ele está ali, na calçada, ao lado de Manoel de Barros, com as linhas entre os dedos e um cortador de unhas na mão. “Eu não quero saber de coisa errada”, afirma.
Na cadeia, chamavam-no de Thor. Pequeno, franzino, ganhou o apelido quando os presos assistiam ao filme. Ele riu da coincidência. Aceitou o nome.
“Eu não posso pegar outro serviço. Eu gosto de fazer a rede, aprendi na cadeia, e agora é o que eu posso fazer pra trabalhar”.
Enquanto falava, a rede ganhava forma. Ele não parava as mãos. Era só um homem e sua linha, costurando sob o olhar atento de um poeta de bronze.
No final, Ailton contou que não tem um ponto fixo, mas costuma circular pelo Centro. Quem quiser comprar uma rede de pesca pode entrar em contato pelo telefone (67) 99105-7381.
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