Caju partiu cantando e último pedido foi eternizado pela amizade

Foi em um leito do Hospital Regional de Campo Grande, em meio à luta contra um câncer em estágio terminal, que o cantor Adventista Alexandre Campos pediu aquele que seria seu último desejo em vida.

Era setembro de 2024 e o avanço da doença já havia tirado a força da voz que por décadas levou a palavra de Deus em forma de música por todo o Estado. Mesmo assim, ele queria ter a voz eternizada nas plataformas digitais, desejo confidenciado ao amigo e músico Alexsandro Nogueira.

"Nos anos 90 o Alexandre fundou o Ângeluz, um grupo bem conhecido no meio gospel e que teve três albuns gravados. Em uma das visitas que fiz no hospital, ele me disse que era uma pena os CDs do Ângeluz não estarem nas plataformas digitais. Ele queria ter a voz dele ali, registrada”, conta o amigo.

A amizade entre os dois começou nos anos 90, quando tocaram juntos no grupo gospel que foi referência em Campo Grande na época. 'Caju', como Alexandre era conhecido, era vocalista fundador. Já Alexsandro tocava contrabaixo.

Juntos, os dois compartilharam apresentações e participaram da gravação do último álbum do grupo em 2002. Depois disso, a vida levou Caju para Corumbá, mas o contato entre os amigos nunca cessou. “Sempre falávamos por WhatsApp, mesmo à distância", detalha.

Foi em 2022 que o cantor recebeu o diagnóstico: câncer nos rins. Depois de retirar um dos órgãos, a doença deu trégua, mas voltou pouco tempo depois e de maneira ainda mais agressiva, atingindo pulmão, cabeça, joelho e quadril.

Em meio à dor da luta contra o câncer, veio o desabafo que Alexsandro transformou em missão. A voz do amigo precisava ser eternizada nas plataformas digitais assim como ele desejava.

Do pedido, veio a ideia de fazer uma canção inédita, um presente e homenagem para ser imortalizado na voz do artista. Do projeto, nasce “Vale a Pena”, que fala sobre esperança mesmo diante da dor e da morte. Alexsandro escreveu a letra em uma tarde. A melodia veio pelas mãos do cunhado, Leonardo Martins. Em dois dias, já havia um guia com voz e violão.

No entanto, apesar de tudo estar tomando forma, havia um problema: como gravar a voz de Carzu, que mal conseguia respirar?

A solução veio de onde menos se espera: da fé e da ousadia. “Um amigo músico de São Paulo sugeriu que eu gravasse ele no hospital, com o gravador do celular na boca, envolvido por um cobertor para destacar a voz. Eu entrei no hospital sem acreditar que daria certo”, confessa. Mas deu!

Com ajuda da esposa de Alexandre, eles improvisaram um miniestúdio ali mesmo. Ele cantou em partes, ouvindo o playback no próprio celular. A emoção tomou conta. “Ele começou a chorar, não acreditava que estava conseguindo. Tratamos o áudio com inteligência artificial para tirar o barulho do oxigênio e do ambiente. Ficou lindo”, relata.

Além da voz de Caju outros artistas participaram da gravação. Entre eles, nomes como Ronaldo Fagundes, e Gissella Crow, conhecidos no meio gospel.

A música foi quase toda finalizada ainda em vida. “Ele ouviu na ambulância, voltando do hospital. Disse que aquilo tirava a angústia da finitude. Era a esperança dele. Para quem crê, a morte não é o fim”, diz Alexsandro.

Caju faleceu em 31 de janeiro deste ano, um mês antes da música ser concluída e de se concretizar o sonho do cantor de ter sua voz eternizada nas plataformas digitais. Mesmo assim, agora, com tudo pronto, o sentimento é de missão cumprida. “Algumas pessoas partem em silêncio. O Alexandre partiu cantando. Ele escolheu dar um testemunho de fé e de esperança. A música fica como uma homenagem eterna”, declara o amigo.

“Vale a Pena” já está disponível nas plataformas digitais, no perfil do grupo Via Vocal. Mais do que uma canção, é um abraço, uma oração em forma de despedida.

Clique aqui e ouça a última canção gravada por Alexandre.

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