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Comportamento

Campo-grandense foi salvar crianças no horror de conflito armado

Com avanço dos rebeldes no Congo, crianças são violentadas, estupradas e mortas

Por Clayton Neves | 22/02/2025 07:37


Sair da calmaria de Mato Grosso do Sul e desembarcar na África, em meio à tensão de um conflito armado, com certeza não é um projeto de vida comum. Apesar disso, foi exatamente esse o caminho percorrido pelo campo-grandense Wagner Moura Gomes, uma das testemunhas dos efeitos da rebelião de milícias armadas na República Democrática do Congo.

Enquanto a rotina de Campo Grande era de pleno sossego, no Congo a incerteza é o que rodeia a região, onde rebeldes tentam tomar o controle de áreas ricas em minérios.

No último mês, o avanço dos grupos armados expôs a barbárie do confronto. Enquanto milícias brigam, parte da população do país é aniquilada com requintes de crueldade.

Toda a realidade tem sido testemunhada pelo campo-grandense, que há quatro anos vive em Malawi, no sudeste da África. Lá, ele presta serviços voluntários na região.

“Quando os rebeldes entram, acontecem muitas atrocidades. Crianças são violentadas, meninas estupradas e o cenário é de violência por toda parte”, comenta.

Wagner é fundador do Projeto Fraternidade sem Fronteiras, organização humanitária que tem DNA campo-grandense. Criada há 15 anos, a entidade mantém sede na Capital e atua em oito países, onde pobreza e violência são parte da rotina.

De acordo com ele, nas últimas semanas passaram a circular avisos sobre a iminente invasão à cidade de Bucavu, capital da província de Quivu do Sul. Para se antecipar ao que poderia acontecer, a rede de proteção decidiu agir rapidamente.

“Diante dos avisos, alugamos 30 veículos, que saíram de Bucavu em duas viagens até o Burundi. Em um tempo de aproximadamente 10 dias conseguimos resgatar 327 crianças, entre elas, 18 bebês abaixo de 1 ano”, relata.

Campo-grandense foi salvar crianças no horror de conflito armado
Wagner posa com parte das crianças resgatadas do Congo. (Foto Arquivo Pessoal)

Apesar da missão ter sido bem-sucedida, o trajeto foi perigoso e apreensivo. Antes da chegada a um lugar seguro, o grupo ficou cinco dias parado na fronteira de Burundi, um país vizinho. No quarto dia de espera, todos se viram em meio a um intenso tiroteio entre rebeldes.

"As crianças tiveram que ficar deitadas no chão, esperando a guerra acabar. Quando finalmente acabou, corremos para a fronteira em busca de lugar seguro", detalha.

Enquanto os resgatados se aproximavam da faixa de fronteira, Wagner era um dos que agilizava as autorizações para a travessia e dava suporte logístico a todos

"Nós conversávamos por telefone e era possível ouvir os tiros ao fundo da ligação. Graças a Deus conseguimos, mas foram momentos de tensão violenta. Todo dia tendo de resolver uma situação diferente, enfrentando pessoas sem espírito solidário e diante de uma verdadeira guerra em todos os sentidos", resume.

Chegando em Burundi, o alívio contrastava com o cansaço e corpo debilitado. " Sete crianças foram direto para o hospital e ficaram internadas. A viagem foi cansativa e chocante. Não dormíamos direito, sempre acordando de madrugada", lembra.

Em quatro anos vivendo em Malawi, Wagner mora ao lado de um campo de refugiados por onde já passaram mais de 50 mil pessoas. Nesse período, já presenciou situações que assustam e testam a fé na humanidade. Em meio aos horrores, bem distante da realidade em Campo Grande, ele diz que permanece na África por se ver diante da obrigação de ajudar como pode.

"A gente vê todo tipo de violência que se possa imaginar, o que acontece é um terror. Os rebeldes fazem crianças reféns, degolam homens e fazem isso para mostrar poder, para que tenham medo deles" , relata.

Para mulheres, além da morte, violência sexual é o crime que mais se repete. "No campo de refugiados chegam muitas mulheres que foram escravas sexuais dos rebeldes. Lembro de uma vítima que engravidou de um chefe rebelde e conseguiu fugir. Ela ficou muito amiga da mulher dele e, quando a mulher soube da gravidez, ajudou na fuga", conta.

Mesmo com a rotina de imprevisibilidades e em meio a um cenário de caos, Wagner diz que não pretende mais voltar à terra natal.

 "Tenho uma pequena empresa em Campo Grande e boa parte da minha família mora aí, eu sou filho da terra. Tenho raiz sul-mato-grossense e um carinho enorme pelo Pantanal, porém, já organizei minha vida aqui, onde moro com minha esposa e meus filhos. Sinto que trabalhar na obra humanitária é nosso dom", explica.

Vivendo com o pouco e sendo útil ao próximo, Wagner afirma que acumulou a maior riqueza. "Estamos em uma região extremamente desafiadora e às vezes perigosa, mas aqui temos um convívio verdadeiro de almas e isso faz muito sentido para a vida. Não adianta ficar sentado em um amontoado de dinheiro, vendo crianças passarem por essa situação e não fazer nada", finaliza.

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