Canção Trem do Pantanal fez 50 anos, mas vagões são só lembrança
Música emblemática para MS foi feita por Geraldo Roca e Paulo Simões durante viagem de trem a Machu Pichu
Nos 50 anos da canção Trem do Pantanal, o mesmo que também não roda mais, o Lado B voltou no tempo para contar a história de uma das músicas que virou símbolo de Mato Grosso do Sul. Quem escuta a letra e quer viver na prática a experiência que inspirou os versos dos compositores Geraldo Roca e Paulo Simões em 1975 se decepciona porque tudo está abandonado e as locomotivas já não operam.
RESUMO
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"Trem do Pantanal", canção icônica de Mato Grosso do Sul, completa 50 anos sem o trem que a inspirou. Compositores Geraldo Roca e Paulo Simões criaram a música em 1975 durante viagem de trem de Campo Grande a Corumbá, trecho da antiga ferrovia Noroeste do Brasil (NOB). A estação "Trem do Pantanal", no Indubrasil, e a da Esplanada, hoje, são apenas memórias. A viagem que originou a música, na verdade, tinha como destino Machu Picchu, no Peru, passando pela Bolívia. A composição teve início perto de Aquidauana, durante a viagem. Roca e Simões, amigos e parceiros musicais, embarcaram em uma aventura que os levou a conhecer a América do Sul e inspirou a criação da emblemática canção. Embora muitos associem a letra ao guerrilheiro Che Guevara, a música retrata a própria experiência dos compositores. "Trem do Pantanal" tornou-se um símbolo do estado, eternizando a memória da ferrovia e a riqueza cultural do Pantanal.
A história aconteceu em uma viagem para Machu Picchu, mas a canção foi feita em solo brasileiro, no trem que ligava Bauru ao Estado, mais precisamente no trecho entre Campo Grande e Corumbá, que atravessa o Pantanal sul-mato-grossense. A linha férrea era chamada de NOB (Noroeste do Brasil).
Hoje viajar entre as cidades é impossível. Isso porque tanto a estação que tem o nome da música “Trem do Pantanal”, no Indubrasil, quanto a estação na Esplanada ficaram apenas na memória. A trajetória de Geraldo e Paulo, ou Paulinho, como ele chamava o amigo, começa na Capital e segue rumo a Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia.
Apesar de muita gente confundir, Paulo conta que eles nunca estiveram no chamado “Trem da Morte”. Para quem não entendeu nada, no Brasil a linha que era conhecida como “Trem do Pantanal” virava “Trem da Morte” quando passava para a parte boliviana.
O apelido foi dado porque a locomotiva já carregou pessoas doentes e a estrutura era precária. Hoje o trem também não roda mais. Ele parou de circular antes da pandemia de covid-19, que explodiu no mundo todo em 2020, e nunca voltou.

“Tem uma alternativa, um Ferrobus, ou litorina, um vagão com motor próprio. Fomos nele e voltamos em um trem de carga. Trem da Morte nunca, não gostamos do nome”, comenta Paulo ao Lado B. O trajeto feito por eles passou por Puerto Quijarro, La Paz, Lago Titicaca, Cusco, Águas Calientes e terminou em Machu Picchu, no Peru.
De acordo com Simões, o início da música surgiu perto de Aquidauana. “Talvez no distrito de Camisão, mas era apenas um esboço da primeira estrofe”, conta. Ele relembra que em 1974 já tinha feito a mesma viagem e propôs isso a Geraldo, que aceitou a aventura.
“Me encontrava praticamente todo dia com o Roca para a gente tocar. Falei que era importante ele fazer uma viagem semelhante. Em abril de 1975 pegamos o trem, saímos da estação e fomos ao vagão restaurante. Nessa noite, na euforia de começar a aventura com um amigo como ele, a gente tomou umas cervejas quentes e, quando deu uma tontura, fomos para o vagão dormitório. Compramos cabines com dois leitos”.
Ele conta que, nessa hora, Geraldo pegou o violão embaixo da cama e começou a tocar uma melodia que ele não reconhecia. “Perguntei que música era aquela e ele falou que era dele. A porta do vagão estava aberta e o Cruzeiro apareceu. Eu vi e falei o começo da música para ele. O Roca falou que não estava ruim e começamos a fazer. A música é muito simples, reduzida e densa”.
Em entrevista ao jornalista Rodrigo Teixeira, no livro Prata da Casa, Geraldo disse em 2012 que o nome inicial era “Todos os trilhos da terra”, mas que muitas pessoas só o chamavam por Trem do Pantanal.

“Eu não gostei muito daquilo, era muito literal, mas acabou funcionando justamente por ser tão literal. Naquele momento parecia óbvio demais, porque a gente estava em um velho trem atravessando o Pantanal. Isso é o cúmulo [...] Ele falou 'Cruzeiro do Sul' e eu criei o fugitivos da guerra, sobre todos os trilhos da terra, e ele colocou um Santa Cruz de La Sierra. Esse rascunho ficou pronto em 15 minutos. Por insistência dele a gente terminou”, contou Geraldo em entrevista naquele ano.
Roca falou ainda que em 1990, quando o filho Chico nasceu, ele foi fazer um show em São Paulo e pediram para ele tocar “Trem do Pantanal”. Ele contou que ficou receoso por achar que ninguém saberia. “Comecei a tocar a introdução e a plateia veio abaixo. Realmente a música era conhecida. Quando eu saí, todo mundo estava pedindo autógrafo”.
Paulo completa que, no caminho da viagem, ele e Geraldo conheceram uma América que não imaginavam. “Muito mochileiro que vinha de Santos, passava por Bauru e ia para Machu Picchu”.
De acordo com o que foi dito por Roca, muita gente acredita que o trecho “o medo viaja também” se refere à passagem do guerrilheiro Che Guevara, mas não. A fala foi dita durante entrevista ao Prosa e Segredo – Roda Viva MS.
Na época, ele contou que o objetivo da viagem com Paulinho foi comprar quadros do estilo cusquenho. Eles são produzidos tanto na Bolívia quanto no Peru.
“Acabamos esticando a viagem e ficamos uns 4 meses. Cantávamos nas praças para conseguir dormir melhor, comer melhor. A gente virou mochileiro. Foi a primeira canção que mencionou o Pantanal de fato, com essas palavras. Eu vejo com estranheza o sucesso da música. É uma das coisas que a gente não explica”, disse na entrevista.

Memória e introspecção
Moacir Saturnino de Lacerda, de 74 anos, é um dos membros do Grupo Acaba e historiador. Ele explica que todas as músicas deles (em especial “Serpente de Ferro”) têm o Pantanal de Porto Esperança, em Corumbá, como plano de fundo.
“O Grupo Acaba, e eu de maneira muito particular, somos contemporâneos tanto do Paulo Simões como do Geraldo Roca. Nossas músicas têm essa familiaridade. O trem fazia parte das nossas vidas e da própria história do desenvolvimento do Estado. Geraldo era um cara de grande talento, mas muito introspectivo. Não expandia suas amizades e eu sabia respeitar. Admirava muito ele”.

Moacir abriu as portas da casa dele para mostrar as lembranças que guarda da ferrovia, inclusive os pinos da estrada de ferro da NOB e inúmeros livros a respeito. Nos registros, ele aparece com 19 anos no Trem do Pantanal, na estação de Porto Esperança, vindo para a Capital para estudar engenharia. Para relembrar o passado, ele usou a IA )Inteligência artificial) para animar uma das fotografia e dar vida ao preto e branco.
“A música ‘Trem do Pantanal’ é emblemática, registrando a história de um tempo, de um povo, a história também de um Estado e até de um país. É uma música muito importante".
Anderson Rocha é primo de Paulo Simões e já foi produtor de Geraldo, inclusive nas últimas gravações junto com o cantor Renato Teixeira. De acordo com ele, Roca estava cheio de planos de músicas.
“Roca deve estar produzindo lá no outro plano. Eu não costumava sair com ele para ir a um bar, por exemplo. Era muito difícil a gente se encontrar, até porque ele era um cara muito reservadão, não saía muito. O Roca era um cara muito inteligente. Às vezes ele era até uma pessoa meio difícil para muitas pessoas. Ele estava muito na frente. Às vezes eu sinto que ele tinha um pouco de, não sei, revolta. A cabeça dele estava a mil por hora, era um cara impressionante”.
A artista Miska Thomé também viveu com Geraldo. Ela relembra que conheceu o compositor pela música “Mochileira” e com a versão do “Trem do Pantanal” cantada por Almir Sater. O encontro aconteceu no Rio de Janeiro, em 1977, através do cineasta Cândido Alberto da Fonseca (falecido em abril de 2025).
“Ele me levou à minha casa em Santa Teresa, onde eu fui estudar artes. Depois a gente se encontrava em alguns eventos musicais e em 1992 ele me chamou para participar de um show dele na Rio 92. O Grupo Acaba também participou. Ficamos mais amigos quando eu chamei ele para ser o diretor musical e produtor do meu CD solo Castelo Eletrônico”.

Para ela, Geraldo sempre foi muito culto, educado, engraçado e com um humor sarcástico às vezes, além disso, muito realista e reservado.
“Também um pouco contraventor e irreverente. Nas letras das suas músicas falava de pessoas que conhecia, situações que tinha vivido, de como enxergava a vida e a sociedade, sempre com um olhar crítico e certeiro, mas não menos poético. Era muito inteligente e acho que lia bastante, pesquisava, gostava de novidades, era sempre moderno e criativo”.
Miska acrescenta que ele bebeu nas fontes das baladas country americanas, com influência de Bob Dylan, Joan Baez, do rock, da bossa nova e do jeito “cool” de cantar.
“Quando eu convidei ele para produzir o meu CD, dei liberdade a ele, mas a proposta criativa dele foi muito legal. Eu gostei de como ele quis mostrar a Miska. Ele criou um conceito para o CD, de contrastes, com inovações, tecnologia. A gente conversou bastante antes, mas foi legal o que ele propôs. Só disse a ele que eu não queria brigar com ele porque os dois tínhamos opiniões fortes”, finaliza Miska.
O compositor e cantor Geraldo Roca morreu aos 61 anos, em 25 de dezembro de 2015, em Campo Grande.
O Campo Grande News aproveita para informar que na Capital, o Grupo Amor Vida (GAV) presta um serviço gratuito de apoio emocional a pessoas em crise através do telefone 0800 750 5554. Ligue sempre que precisar! O horário de funcionamento é das 7h às 23h, inclusive, sábados, domingos e feriados.
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