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Comportamento

De ‘filho da rua’, Andreia ganhou, aos 43 anos, a primeira árvore de Natal

Na calçada da Calógeras, chamada de 'casa', Andreia vive com filhos adotivos e bens que cabem na mochila

Jéssica Fernandes | 12/08/2022 06:15
Na Rua Calógeras, Andreia guarda a primeira árvore de natal que ganhou. (Foto: Marcos Maluf)
Na Rua Calógeras, Andreia guarda a primeira árvore de natal que ganhou. (Foto: Marcos Maluf)

A árvore de Natal é simples e não passa de trinta centímetros, mas é especial por ser a primeira que Andreia Aparecida Figueiredo Ajala pode chamar de sua. A mulher, de 43 anos, ganhou o presente que virou companhia e decoração na calçada vista como ‘casa’. O enfeite é guardado com carinho, pois veio de um dos diversos ‘filhos da rua’ que Andreia diz ter.

A vida, os bens materiais e o trabalho dela cabem todos na mochila e em caixas de papelão mantidas dentro do carrinho de bebê. O único item que não é guardado ali é a peça decorada com mini caixinhas, pinhas e bolinhas douradas. Esse fica posicionado em cima de outra caixa, próximo a cartas com mensagens de fé e versículos bíblicos.

Estamos em agosto e Andreia é uma das primeiras campo-grandenses a decorar uma árvore de Natal como forma de não perder a esperança, mesmo em meio à pobreza e a difícil vida de quem hoje dorme nas ruas.

É 9h30 quando a acordo com copo café quente para espantar o frio das primeiras horas de quinta-feira (11). Andreia dá um sorriso tímido, pega um pedaço de chipa e fala sobre a origem do presente, .

Em condição de rua, ela dorme na calçada no Centro de Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf)
Em condição de rua, ela dorme na calçada no Centro de Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf)

Na semana passada, ela recebeu o objeto de alguém chamado Denilson. "Ganhei de um filho de rua", revela. Apelidado de 'Churrasco', o homem é um dos 'mais de cem' filhos de rua adotados pela mulher. “Eu nunca ganhei (árvore de Natal). O Churrasco é o que mais me presenteia, ele já me deu várias coisas”, diz.

Apesar de ser sul-mato-grossense, a mulher morou anos em Brasília. Questionada se possuía filhos no Distrito Federal, ela responde em voz baixa. “É, meus filhos que nasceram", fala. A frase é interrompida na metade por gestos rápidos. Andreia leva as mãos ao rosto, coça os olhos e as mantém ali durante segundos. Ela não chora, mas também não volta a mencionar filho nenhum.

Há oito meses, a mulher dorme na Avenida Calógeras, no Centro de Campo Grande. Antes disso, vivia próximo a região do Terminal Rodoviário Heitor Eduardo Laburu. Andreia diz ter deixado a antiga rodoviária devido aos conflitos. “Lá é muita briga, desentendimento, eu vim pra cá. É mais tranquilo”, explica.

Durante entrevista, Andreia apoia o rosto nas mãos. (Foto: Marcos Maluf)
Durante entrevista, Andreia apoia o rosto nas mãos. (Foto: Marcos Maluf)

Andreia retornou para a Capital sul-mato-grossense porque o pai estava doente. "Infelizmente ele faleceu. Foi enfisema pulmonar", lamenta. A morte do pai foi o divisor de águas que fez Andreia parar nas ruas. A relação conflituosa com um dos parentes, segundo ela, foi o motivo. “Muitas coisas aconteceram. Eu não tive apoio e pra não ter atrito vim pra rua”, afirma.

Questionada se a dependência química se faz presente, como em muitos casos de pessoas que hoje vivem na rua, Andreia não revela e segue falando sobre as oportunidades que deseja.

Na cidade, ela relata ter tentando encontrar emprego na área que exercia em Brasília. "Sou manicure, pedicure, podóloga e massoterapeuta”, frisa. Embora tenha investido na divulgação do currículo, a profissional não obteve retorno. "Gastei mais de um salário com currículo”, fala. Andreia acredita que a falta de experiência e referência na cidade foi a razão para não receber nenhuma oportunidade.

Agora, Andreia faz artesanato para conseguir alguns trocados. O filtro dos sonhos é o que ela oferece para aqueles que transitam na calçada. Ao falar sobre a ocupação, ela comenta o que leva na mochila. “Aqui é minha casa. Tem minha roupa, calçado, material de artesanato”, resume.

Andreia relata razão que a fez viver nas ruas da cidade. (Foto: Marcos Maluf)
Andreia relata razão que a fez viver nas ruas da cidade. (Foto: Marcos Maluf)

Sobre a relação com as demais pessoas que vivem como ela, a mulher garante ser grata pelo respeito que conquistou entre eles. “É difícil, porque a gente é mulher, mas graças a Deus eu tive um respeito muito grande. Me tratam de uma forma diferente”, ressalta.

Quando necessário, ela conta receber proteção dos filhos da rua, mas garante ficar longe de conflitos. "Tem vezes que tenho até medo. Evito ir atrás de confusão. Não gosto”, reforça.

No final da entrevista, a pergunta sobre querer viver em outro lugar a deixa indecisa. "Sonho em sair daqui. De uns dias para cá, eu sei lá”, conclui. Em seguida, ela expõe que irá voltar a a dormir. Depois de acordar, Andreia pretendia arrumar a casa, que agora tem até árvore de natal.

Cartas com mensagens de fé mantidas próximo a àrvore de natal. (Foto: Marcos Maluf)
Cartas com mensagens de fé mantidas próximo a àrvore de natal. (Foto: Marcos Maluf)

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