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Comportamento

De pedreiro a apicultor, Sérgio mudou a vida com produção de mel

Produção de mel do ex-pedreiro e horta tocada por detentos são exemplos dos impactos sociais do trabalho rural

Por Clayton Neves | 30/05/2025 22:08
De pedreiro a apicultor, Sérgio mudou a vida com produção de mel
Sérgio deixou a vida de pedreiro para ser dono de agroindústria de mel. (Foto: Senar-MS)

Por mais de três décadas, cimento, tijolos e o barulho do martelo fizeram parte da rotina do sul-mato-grossense Sérgio Soares, de 61 anos. Pedreiro de profissão, ele ergueu salas, centros de catequese e casas espalhadas por todas as regiões de Angélica, cidade onde nasceu e se criou. Hoje, o cenário mudou radicalmente e é rodeado por colmeias e o doce do mel que ele mesmo extrai.

Na Chácara Bom Jesus, no Bairro rural Ouro Verde, Sérgio é apicultor e dono da própria agroindústria. Na propriedade, ele dá continuidade à história de um homem simples que encontrou no agronegócio não só uma nova profissão, mas uma nova vida.

Na memória, o trabalhador carrega lembranças da lida na terra. Filho de agricultores, ele diz que começou a trabalhar ainda menino. “Minha família era da roça. Meu pai chegou ao Estado em 1953, quando tudo era só sertão. Ele ajudou a desbravar tudo na região de Angélica”, conta.

De pedreiro a apicultor, Sérgio mudou a vida com produção de mel
Neógio que começou com caixa de abelhas improvisadas expandiu e virou sustento da família. (Foto: Reprodução / Senar-MS)

De família pobre, aos seis anos ele já ajudava a família na lavoura de arroz. “Meu pai me dava uma lata e mandava a gente bater para espantar os passarinhos que comiam a plantação. São essas as lembranças que tenho de quando era pequeno”, lembra.

Único homem entre seis irmãs, Sérgio viveu a infância no sítio, mas quando completou 13 anos, a família se mudou para a cidade. Nessa época, para garantir o sustento, ele começou a trabalhar como ajudante de pedreiro. “Comecei nas diárias, indo de um serviço para outro, até conseguir pegar umas empreitadas. Foi na luta”, define.

Aos poucos, foi construindo seu nome na cidade que se desenvolvia pouco a pouco. “Tem muita coisa na cidade que fui eu que levantei. Às vezes passo na frente e lembro que ajudei a construir”, pontua.

Três turnos de trabalho e o início com as abelhas

Nos tempos mais difíceis, Sérgio não descansava. Trabalhava de pedreiro durante o dia, tirava leite pela manhã, e à noite, ainda se aventurava com abelhas. “Fazia três serviços, mas não sobrava tempo nem para os filhos”, relembra.

Com a rotina puxada cobrando alto preço, veio a decisão que mudaria a vida do trabalhador. “Foi aí que decidi guardar minhas ferramentas e tentar viver só do leite e do mel”, detalha.

De pedreiro a apicultor, Sérgio mudou a vida com produção de mel
Cixas de abelha onde acontece a produção do mel. (Foto: Reprodução / Senar-MS)

A virada começou quase por acaso, com a ajuda de um amigo apicultor. “Um dia ele trocou uma caixa velha e me deu os pedaços da colmeia. Eu montei uma outra caixa e coloquei debaixo de um pé de manga na minha casa, na cidade mesmo”, relata.

E o enxame pegou. Com a produção que começava, Sérgio decidiu levar a caixa com abelhas para um lugar mais apropriado, uma área às margens do Córrego Pira. “Levei de bicicleta para o mato e foi aí que começou tudo”, revela.

Sem dinheiro, Sérgio improvisou com o que tinha. “Eu tinha só a bicicleta e levava a caixa na garupa. Depois comprei uma 'motinha' e fiz uma grade para carregar as caixas”, lembra.

Durante dois anos, o apicultor pagou frete para levar as caixas mais distantes. “Era R$ 1 por quilômetro rodado”, afirma. Com esforço, juntou dinheiro e financiou uma caminhonete usada. “Graças a Deus consegui pagar e tenho ela até hoje”, garante.

A agroindústria e o mel que vai para o mundo

Hoje, Sérgio se dedica exclusivamente à apicultura, sua nova profissão. De acordo ele, a produção anual varia de acordo com o clima, mas a média gira entre 12 e 15 toneladas de mel por ano. Para não ficar para trás no mercado, o produtor apostou em capacitações do Programa Senar MS, da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul).

De pedreiro a apicultor, Sérgio mudou a vida com produção de mel
Atualmente, Sérgio produz entre 12 e 15 toneladas de mel por ano. (Foto: Reprodução / Senar-MS)

Com muito esforço e investimento, fundou há dois anos sua própria agroindústria na Chácara Bom Jesus. O mel produzido lá já chegou a diferentes partes do Brasil e até fora. “Tem um pessoal que vem aqui e compra para exportar. Eles compram de vários produtores da região, juntam em um caminhão e levam”, explica.

Hoje, o produtor que começou com uma caixa de abelhas improvisadas, viu o negócio crescer e planeja expandir ainda mais. “Com Deus e paciência, a gente chega lá”, avalia.

Transformação de vida e legado para os filhos

O agronegócio mudou não só a vida financeira de Sérgio, mas também o senso de propósito. “Sou muito feliz com o que faço, trabalho com amor e dedicação. É importante para mim e para a minha família”, define. Ele é pai de três filhos, Sérgio Luiz, de 29 anos, Mariana, de 22, e João Paulo, de 20. Todos criados com o suor da lida no campo.

De pedreiro a apicultor, Sérgio mudou a vida com produção de mel
Limpeza da área onde caixas de abelhas são colocadas. (Foto: Repodução / Senar - MS)

“Sou meio analfabeto, não tive estudo. Mas lutei para dar isso para os meus filhos. A Mariana já se formou em farmácia, e o João Paulo está no terceiro ano de agronomia, e o mais velho é mecânico de máquinas pesadas”, conta.

Do sertão bruto à doçura do mel, Sérgio representa uma geração que apostou no campo para mudar de vida. “A gente veio do nada. Mas com fé, paciência e muito trabalho, a gente chega lá”, finaliza.

Uma Horta de Esperança 

Se para Sérgio e a família o trabalho rural foi oportunidade de melhorar a renda e a qualidade de vida da família, para detentos do Centro Penal Agroindustrial da Gameleira, em Campo Grande, o serviço no campo é chance de recomeçar e escrever uma nova história.

O projeto começou oficialmente em 19 de outubro de 2023, em uma parceria entre o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário). Com o apoio dos internos, a horta produz alface, cheiro-verde, abacaxi, tomate, jiló, berinjela, abobrinha, couve e diferentes outros alimentos.

De pedreiro a apicultor, Sérgio mudou a vida com produção de mel
Horta da Esperança, na Gameleira, existe desde outubro de 2023. (Foto: Senar-MS)

Só no primeiro ano, 47 toneladas de alimentos foram produzidas na área de três hectares. Do total da produção, sete toneladas foram doadas a 15 escolas públicas que participam do projeto Revitalizando a Educação com Liberdade, reforçando a importância do agronegócio como ferramenta de mudança social, esperança e dignidade.

O projeto também promove capacitação profissional, com o Senar-MS oferecendo assistência técnica desde a preparação do solo até o manejo e cultivo, garantindo práticas sustentáveis e eficientes.

Para José Eduardo Duenhas Monreal, presidente do SRCG (Sindicato Rural de Campo Grande, Rochedo e Corguinho), os exemplos na Gameleira e do apicultor da Chácara Bom Jesus destacam o setor para além do impacto econômico, mas como instrumento de cidadania. “São reflexos sentidos na educação, formação e na esfera profissional de quem está envolvido direta ou indiretamente”, destaca.

De pedreiro a apicultor, Sérgio mudou a vida com produção de mel
Só no primeiro ano, Horta da Esperança produziu 47 toneladas de alimentos. (Foto: Senar-MS)

Campo Grande em Evidência

Na avaliação de José Eduardo, seja na área social ou econômica, é evidente o cenário de expansão do agronegócio de Mato Grosso do Sul. “O Estado tem uma posição de destaque no Brasil em relação ao crescimento do agro. Em função disso, cadeias produtivas estão vindo para Mato Grosso do Sul, trazendo pujança, emprego e trazendo tecnologia. Isso é importante”, resume Monreal.

E engana-se quem pensa que agronegócio é exclusividade de municípios do interior. Com cerca de 150 mil hectares de soja plantadas, Campo Grande amplia sua participação em outras cadeias como o eucalipto, frutas e até cogumelos. “Nós temos aqui produtor de uva, cogumelo. Existe uma diversidade muito forte”, destaca Monreal.

A proximidade com a cidade como Ribas do Rio Pardo também insere a Capital em circuitos produtivos robustos. “Ribas do Rio Pardo tem a maior indústria de celulose do mundo. Então, Campo Grande também absorve esse desenvolvimento e avanço industrial por conta da proximidade entre as cidades”, diz.

De pedreiro a apicultor, Sérgio mudou a vida com produção de mel
José Eduardo Duenhas Monreal, presidente do Sindicato Rural de Campo Grande. (Foto: Thiago Mendes)

No contexto de desenvolvimento, Campo Grande ainda se destaca pelo ponto privilegiado no mapa, o que garante uma conexão logística natural. “A Capital tem uma posição geográfica muito favorável, está no meio do Estado. Isso corrobora para várias situações vantajosas, principalmente na área de logística”, afirma o presidente.

Com a chegada da Rota Bioceânica, a expectativa é que o escoamento da produção até o Porto de Iquique, no Chile, seja feito de forma mais ágil e barata. “Isto vai proporcionar que a mercadoria chegue no mercado asiático de 20 a 25 dias mais rapidamente do que é hoje”, completa.

Confira a entrevista completa do José Eduardo Duenhas Monreal, presidente do SRCG (Sindicato Rural de Campo Grande, Rochedo e Corguinho):


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