Sabiá tatuado no peito é o que ficou do pai que amava os pássaros
Ave foi o que uniu ainda mais os dois e era motivo de conversas longas sobre ninhos, plantas e a vida
“E agora, e os sabiás? Quem vai cuidar deles?” João Santos olhava para o quintal de casa e já não via mais aquele que cuidava dos pássaros. Não ali, fisicamente. A lembrança, as frases ditas pelo pai e a inspeção detalhada dele pelas plantas ficaram apenas na memória. A saudade era tanta que o arquiteto quis eternizar o pássaro na pele. Mas não poderia ser qualquer cor da ave, precisava ser a com peito laranja, mesma cor que visitava a casa dos dois.
Paulo Roberto dos Santos faleceu aos 67 anos, devido a um câncer. A homenagem ao pai veio três anos depois da morte dele. Apesar do tempo, João fala com emoção daquele que ensinou respeito, humildade e amor.
“Sempre fiquei com isso na cabeça: e o sabiá, e agora, quem vai cuidar deles? Quem que vai cuidar desses ninhos? Toda vez que eu vejo um sabiá, que escuto o canto, eu paro tudo para ficar ali namorando. De alguma forma, é o canto do sabiá, a presença dos ninhos que me conectam a ele, a esse momento que eu tinha com ele de trocar ideia. Era uma forma também de eu ter assunto com meu pai. Eu acho que o sabiá nos uniu. Nos uniu de uma forma de cuidado com as plantas, com o dia a dia.”
Paulo era caminhoneiro, simples e trabalhador. Pela profissão, passava muito tempo nas estradas e perdeu muitas coisas da vida dos filhos durante a infância. Mas isso nunca foi motivo de ausência nos momentos em que estava com a família. João foi mais privilegiado por ter vivido mais tempo com o pai em casa.
“Eu tive a oportunidade de conviver um pouco mais e estar mais próximo ao meu pai, desde a infância até os últimos dias de vida dele. Ele e minha mãe sempre foram apaixonados por plantas. Nossas casas sempre foram abarrotadas dela. E planta chama passarinhos e borboletas. Minha mãe sempre me deixava na responsabilidade de aguardar as plantas, aguardar a grama.”
No espaço sempre havia ninhos de sabiá. João conta que Paulo ficava sempre cuidando para ver se havia novos ninhos, ovinho ou filhotinho. Ele cuidava dos cachorros para que não pegassem os ninhos.
“Ele sempre teve essa relação com o sabiá. E minha casa é uma casa com muita árvore, com muito jardim e plantas. Quando ele chegava ficava de 10 a 15 minutos olhando tudo, perguntando das árvores. A Sol (que se denomina como SolZtt) é uma artista fenomenal, e pedi para ela compor um sabiá junto com minhas outras tatuagens, que também são dela".
João queria um sabiá de peito laranja por ser o mesmo pássaro que via tanto na casa dele quanto na do pai. “Além de ouvir o canto e lembrar dele, a hora que eu acordo, a hora que eu durmo, a hora que eu vejo ele no meu corpo, lembro do meu pai”.
O arquiteto pontua que, depois de se perder os pais, às vezes os filhos pensam que poderiam ter feito coisas diferentes ou ter falado algo diferente. Mas, para João, não há arrependimentos nesse sentido, pois conseguiu falar tudo para o pai enquanto ele ainda vivia.
“Eu tive a oportunidade de falar pro meu pai o quanto eu o amava, o quanto eu o admirava, o quanto eu o respeitava. Meu pai era o tipo de pessoa que vibrava muito a cada conquista que eu tinha. E me incentivava muito também a cada decepção que eu iria ter na vida. Ele virou passarinho e ficou bem perto de mim, mais do que já estava. Então, é uma forma de eu vibrar pela vida dele e por aquilo que ele deixou de exemplo para a gente.”
João brinca que, além da entrada dos cabelos, que já sofrem com os efeitos do tempo, o que fica do pai são as inúmeras memórias, e acima de tudo, o amor.

“Nós somos de uma origem humilde, da periferia, da batalha, mas o que meus pais me ensinaram não tem valor monetário. Meu pai era uma criança do interior, da roça, e viveu com muita dificuldade. Eu acho que as pessoas que foram tão calejadas na vida e conseguem, de alguma forma, minimamente oferecer e demonstrar carinho, amor, respeito, admiração e atenção, que elas se elevam e se tornam pessoas melhores. E meu pai com certeza foi uma pessoa melhor a partir do momento que me acolheu.”
Quando estava indo fazer a tatuagem, João bateu um papo com Paulo e agradeceu por todo o carinho que recebeu ao longo da vida juntos, os momentos de brincadeira, de admiração e de vibração por cada vitória.
“Eu acho que ele deixou muito em mim, mas, acima de tudo, ele deixou muito em mim daquilo que não tem preço, daquilo que eu não encontro nas prateleiras de mercado, de loja, que é amor e o respeito.”
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