Sandra escolhe a rua do presídio e bomba fazendo roupa para detentos
Há 17 anos, Sandra abriu ateliê no Bairro Noroeste enquanto muita gente quer viver distante da penitenciária

Enquanto muita gente quer distância de bairros que abrigam penitenciárias em Campo Grande, a costureira Sandra Rubia Sampaio, de 54 anos, nadou contra a corrente e escolheu justamente a rua do presídio para abrir seu negócio. Vivendo da costura há 17 anos, ela encontrou no Bairro Noroeste o lugar perfeito para fazer o que ama, ainda que muitos nem cogitem abrir um comércio ali, por medo ou preconceito em relação à proximidade com o Complexo Penitenciário de Campo Grande. Hoje, ela se destaca confeccionando roupas para detentos, especialmente nas cores laranja e branca.
Na rua Indianápolis, a mesma da Penitenciária de Segurança Máxima, ela construiu um ateliê que virou referência e atualmente prospera com a confecção de uniformes usados por detentos, peças que são compradas por mães e esposas que não desistem dos seus.
A história de Sandra com a costura começou com saudade e recomeço. Vinda da Paraíba, ela foi acolhida pela tia, dona Minervina, assim que chegou a Campo Grande. "Ela me colocou na máquina de costura, e até hoje estou aqui. Ela dizia que nunca se aprende tudo sobre costura, mas o que pôde me ensinar, ela deixou. Graças a Deus", explica.
Amor à primeira costurada, Sandra nunca mais parou e faz de tudo um pouco: desde consertos e reformas até a criação de peças feitas do zero. São 32 anos de prática. "Eu amo o que faço, tenho prazer em ver a roupa bem feita", confessa.

Com o dinheiro do trabalho diário na máquina, a microempreendedora individual tirou o sustento da casa e dos três filhos, Samara, de 32 anos, João Yuri, de 30, e a caçula, Yasmin, de 22.
Uma mente empreendedora
Foi há 17 anos que Sandra decidiu dar um importante passo na carreira de costureira e montar seu próprio espaço. Contrariando a lógica de mercado, ela saiu do Bairro Maria Aparecida Pedrossian e fincou raízes no Bairro Jardim Noroeste, a poucos metros do presídio e em um lugar onde poucos investem.
“Eu podia ter ficado no Pedrossian, onde moro, mas vi meu serviço muito valorizado onde estou. Aqui foi uma aposta de negócio que deu muito certo, além disso, eu criei amizades e sou conhecida. Meu filho às vezes fala para eu parar de trabalhar, mas sempre digo que vou continuar costurando enquanto eu puder”, relata.
Roupas para o cárcere, calor humano do lado de fora
A virada mais recente e surpreendente no negócio veio há pouco tempo. “Uma cliente minha pediu uma roupa laranja para o filho que está preso. Fiz camiseta, short, depois calça e conjunto de moletom. Ela guardou meu número e foi aí que tudo mudou”, explica.
No mês passado, a cliente perguntou se podia colocar o contato de Sandra no grupo de WhatsApp de familiares de presos do presídio da Gameleira. "Falei que podia e, olha... não tive nem tempo de almoçar na semana seguinte", detalha.

O celular não parava de gente interessada. Veio pedido de Campo Grande, do interior, e até do Acre. “Uma advogada viu no Instagram, me marcou, e virou uma avalanche. Tinha dia que eu vendia mais de 20 conjuntos. Só no mês passado, acho que fiz mais de 500”, pontua.
Os kits, vendidos a partir de R$ 150, incluem calça e casaco de moletom. “São bem quentinhos, flanelados, coisa boa”, reforça ela. Com tanto pedido, Sandra conta que não encontrava mais o tecido flanelado na cor laranja. Foi preciso buscar em Cuiabá. "Só porque estão presos não quer dizer que não merecem agasalho decente", afirma.
Além dos conjuntos laranjas e brancos, ela também vende camisetas, shorts, lençóis, toalhas e cobertas, essas últimas foram um sucesso recente. “Fui buscar cobertas no Paraguai três vezes só no mês passado. Quando esfriou, o povo correu para comprar porque lá dentro não deixam entrar coberta grossa”, relata
“Essa aqui é a cadeira da psicóloga”
Para além dos lucros, Sandra conta que os laços com as mulheres que a procuram é uma constante lição de vida. A maioria das clientes são mulheres: mães, irmãs, esposas. “Elas desabafam. Teve uma de Ponta Porã que chorou muito. Nesses casos, eu desligo a máquina e fico ouvindo. Minha filha até brinca que essa cadeira é da psicóloga”, diz.
Entre uma cliente e outra, a costureira vê de perto o esforço dessas mulheres, muitas vezes trabalhando como diaristas, guardando cada centavo para comprar um casaco para o filho preso. “A mãe não espera isso do filho, né? Mas elas não desistem. Vêm aqui com dignidade, compram a roupa e levam com carinho”, relata.

Ironicamente, ela afirma nunca ter recebido clientes em busca dos uniformes para presas mulheres. “Ninguém vem procurando roupa para presídio feminino. Homem indo atrás pra mulher presa? Nunca. Mas mulher por homem, é direto”, revela.
O MEI e a força do empreendedorismo feminino
Sandra não só desafiou o estigma da localização onde trabalha, como se profissionalizou. Fez questão de formalizar o negócio como Microempreendedora Individual (MEI) e buscou qualificação no Sebrae-MS.
“Fiz vários cursos. A gente tem que aprender a fazer tudo certinho, né? Ainda mais quando o negócio começa a crescer assim do nada. Lembro que o primeiro curso que fiz no Sebrae foi para aprender a administrar. Me fez entender que é preciso ter controle com o dinheiro que entra, fazer investimentos, se não o negócio não resiste. Nem tudo é para gastar e saber disso me ajudou bastante”, afirma.
E Sandra não está sozinha. Segundo dados do Sebrae-MS, Mato Grosso do Sul já ultrapassou a marca de 160 mil MEIs ativos, representando 48% das empresas do Estado. Esse número coloca a categoria como uma das principais forças empreendedoras regionais.

Claudio Mendonça, diretor-superintendente do Sebrae-MS, reforça a importância dessa porta de entrada.
“O MEI é a porta de entrada para quem quer empreender e, hoje, no Estado, essa categoria é muito expressiva. Com esse trabalho conseguimos estar ainda mais próximos dessas pessoas. Além disso, também levamos conhecimento para que essas pessoas possam melhorar o dia a dia do negócio. Dessa forma, se cumpre o seu papel de fortalecer esses empreendedores para que possam aproveitar as oportunidades e fazerem parte do desenvolvimento do Estado”, destaca
Sandra é um exemplo vivo desse fortalecimento. Em vez de esperar, foi atrás. Ao invés de julgar, acolheu.E enquanto muitos olham a rua Indianápolis com desconfiança, a costureira transformou em palco para seu ofício.
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