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Comportamento

O dia em que um chip de celular abriu caminho para a solidariedade

Paula Maciulevicius | 25/06/2012 20:37
Vanessa viu a mão amiga de uma desconhecida se estender. Mara que se define como assistente social por vocação, acolheu a mãe que veio apenas com a roupa do corpo numa ambulância com o filho, de Bataguassu. (Foto: Simão Nogueira)
Vanessa viu a mão amiga de uma desconhecida se estender. Mara que se define como assistente social por vocação, acolheu a mãe que veio apenas com a roupa do corpo numa ambulância com o filho, de Bataguassu. (Foto: Simão Nogueira)

A história é de encher os olhos. Pequenos exemplos, que vemos com menor frequência do quanto gostaríamos, de gente que estende a mão sem nada em troca. Que acolhe dentro de casa e não mede esforços na solidariedade.

Vanessa da Silva, 24 anos, ainda fala com timidez, mas está bonita, com cabelo escovado, vestida e alimentada. Bem diferente da segunda-feira da semana passada, quando dormiu ao relento, passou frio e desmaiou de fome.

Ela veio de Bataguassu com R$ 20 na carteira, documentos, nenhuma roupa para si, poucas peças para o filho Gabriel, 3 anos, uma toalha e um celular, que na pressa, veio sem chip. A vinda não foi a passeio. Os dois vieram de ambulância transferidos do hospital do município para a Santa Casa, depois que um portão caiu em cima do menino.

Logo ao dar entrada, a criança teve uma convulsão e foi internada no CTI (Centro de Terapia Intensiva). Vanessa não tinha onde ficar e dinheiro mal tinha para comer.

“Fiquei pensando e dizendo para Deus, põem alguém no meu caminho para vim me ajudar”. A prece foi atendida.

Vanessa fala com timidez, ainda envergonhada. O jeito de falar remete à família humilde onde nasceu. Os olhos até tentam demonstrar emoção, mas ela se mostra mais forte e não deixa a lágrima escorrer. É pela voz que se percebe que o gesto de amor a que foi submetida a deixou eternamente agradecida.

“Foi Deus que tocou no coração dela pra ter aparecido lá”. Voz que sai quase falhando.

A história que esta jovem mulher carrega é de uma mãe desesperada. Depois de ouvir da médica de Bataguassu que, pelo hospital não ter recursos, o filho viria imediatamente para Campo Grande, ela mal teve tempo de juntar os pertences. “Fui para casa e enfiei as roupas dele na bolsa. Quando eu cheguei no hospital, a ambulância já estava na porta esperando”, lembra.

Depois de quatro horas de viagem, Vanessa viu o filho Gabriel ter uma convulsão logo na entrada do Pronto Socorro, já na Santa Casa de Campo Grande. Depois de atendido, foi internado no CTI e ela foi procurar um local para dormir. “Eu falei pra Deus assim eu vou dormir aqui sentada... E logo peguei no sono”, conta. A noite mal passou para quem dormiu em um dos bancos da entrada do Pronto Socorro.

Ela passou frio e fome. A primeira alimentação em Campo Grande foi logo que acordou, às 5h da manhã do dia seguinte. Usou parte dos R$ 20 que trouxe consigo para comprar uma coxinha e tomar um refrigerante. A outra alimentação foi um leite com pão, dado pelo pessoal do hospital à tarde, depois que ela desmaiou de fome. O restante do dinheiro foi usado para comprar um chip e ligar informando os familiares da situação da criança.

A mão amiga veio por acaso. Ao pedir ajuda para instalar o chip recém comprado no celular, ela acabou contando para outra mãe o drama que vivia. Fome, frio, sem roupa nem lugar para dormir, muito menos conhecidos que a pudessem ajudar.

A mulher do outro lado ficou sentida. Só respondeu que iria para casa, mas já voltava. Ao chegar à casa da sogra, no bairro Oliveira III, ela comentou com Rose Mara Pereira Decknes Limeiro, 38 anos, que além de a Santa Casa estar cheia, encontrou uma mãe que mexeu com ela.

Depois de ouvir a história, Mara, como é conhecida, resolveu que iria até a Santa Casa buscar Vanessa.

“Meu Deus como pode? Será que a assistência social não fez nada? Aí minha nora respondeu que não, até a hora que ela tinha saído de lá, ninguém tinha ido falar com ela”, disse Mara.

Cabeleireira, manicure e depiladora por profissão, mas assistente social por vocação, como ela se define, Mara foi até o hospital tendo apenas o nome de Vanessa e as características. Chegou, perguntou por ela e funcionários do hospital a localizaram. Poucos minutos antes, ela havia tido a informação de que o hospital conseguiu a ela um lugar para ficar, mas a pessoa responsável por buscá-la foi, não a encontrou e disse que só poderia voltar no dia seguinte.

“Me perguntaram se eu era parente dela. Eu disse que não, mas que ia levar ela pra casa. Pensa com filho no CTI, sem roupa, comida, imagina o estado que ela não estava? Me perguntaram se eu ia levá-la só por aquela noite e eu respondi que ficassem despreocupados, que até quando o menino tivesse alta eu cuidaria”, relata.

Vanessa, que segundo Mara já estava com os olhos vermelhos, ficou com eles cheios d’água. Como quem não via modos de agradecer pela mão estendida de uma total desconhecida.

A mãe de Gabriel foi para a casa da família, que de pronto já a acolheu. Mara deu roupa, lanche, cama e falou para ela ligar e informar os familiares de que agora estava tudo bem.

“A mãe dela me agradeceu, disse que vai vir me conhecer. A porta está aberta. Sei lá, coisa assim faz a gente ficar pensando... Sou super chorona”. Mara nem precisava dizer isso, ela se segurou durante a entrevista, mas se via pelo olhar, como brilhava, como ela estava feliz em poder ajudar.

De terça-feira da semana passada para hoje, Mara levou a jovem para ver o filho durante as três visitas diárias. A boa notícia veio nesta segunda-feira. Após uma semana de internação no CTI, o menino iria para enfermaria e Vanessa podia acompanhá-lo.

“Hoje ela já vai para ficar com ele. Mas vou dar assistência, ela vem para cá tomar banho, trocar de roupa e ainda quando ele tiver alta, vem passar uns dias, até ficar bom e poder viajar”, adianta Mara.

Enquanto a assistente social por vocação narra a história, Vanessa observa com olhar de gratidão. Mesmo que as palavras não saiam à altura, ela tenta dizer, aparentando nervosismo de quem nunca vai esquecer o que fizeram por ela. E o que mais quer agora: entrar em contato com as irmãs que não vê há 11 anos.

Filhas da mesma mãe, depois de mudarem de Ribas do Rio Pardo para Campo Grande, Vanessa não teve mais notícias das duas. “Quero ver elas, conversar. Estou doida para pegar o meu filho e passar um tempo com elas, conhecer”, diz. As irmãs têm o nome de: Edna da Conceição Silva e Isabel da Conceição Silva, as duas tem entre 28 e 33 anos e são filhas de Eva da Silva.

A única informação que Vanessa tem é delas é que moram em um bairro chamado Mirante.

Outra coisa que Mara quer ainda fazer por ela. “Como eu queria achar essa família dela. Às vezes por vocês a gente consegue”, acrescenta.

Ao final da entrevista, Vanessa já está preparando as roupas para ir ao hospital. O sorriso já está mais solto, felicidade de poder ficar perto do filho todo o tempo.

“Eu sou muito agradecida, ela foi um anjo eu nunca vou esquecer isso”. A frase até mexe com quem está ali só ouvindo e registrando.

“Eu faço porque gosto, não é para engrandecer a gente. Se um terço da humanidade fizesse isso pelo outro, o mundo seria bem melhor, eu penso assim”, finaliza quem viu o próximo bater à porta e não negou ajuda.

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