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Meio Ambiente

Gestão sustentável faz de manancial a principal riqueza de produtores rurais

Às margens das nascentes do Córrego Guariroba, gerações de fazendeiros mudaram o jeito de produzir

Por Kamila Alcântara | 24/10/2025 14:15
Gestão sustentável faz de manancial a principal riqueza de produtores rurais
Walter Régis Thaler cresceu na APA Guariroba e mostra com orgulho a placa de identificação da região (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 2025, o trabalho conjunto entre poder público e privado no apoio a produtores rurais que vivem na APA (Área de Proteção Ambiental) Guariroba, em Campo Grande, completa 30 anos. A recuperação e a preservação das nascentes que alimentam o principal rio do município se tornaram uma missão que atravessa gerações.

RESUMO

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A APA (Área de Proteção Ambiental) Guariroba, localizada em Campo Grande, completa 30 anos em 2025 como exemplo de gestão sustentável. O manancial, responsável por 40% do abastecimento de água da cidade, é preservado por produtores rurais que transformaram a conservação ambiental em missão familiar. Os resultados são expressivos: estudo da UFMS registrou redução de até 99% nos processos erosivos. Os proprietários seguem regras rígidas que incluem restrições ao uso de agrotóxicos e proibição de atividades como extração mineral, demonstrando que produção agrícola e preservação ambiental podem coexistir harmoniosamente.

A Bacia do Guariroba é o manancial responsável por quase 40% do abastecimento de água de Campo Grande, de acordo com a concessionária Águas Guariroba. Os 36 mil hectares foram transformados em área de proteção em 1995 e, desde então, diversas ações foram desenvolvidas para promover essa conservação, como explica a promotora Luz Marina Borges Maciel Pinheiro, titular da 26ª Promotoria de Justiça.

"O Ministério Público coopera indiretamente, direcionando recursos que visam auxiliar a conservação dessa APA, oriundos principalmente de processos judiciais e indenizações ambientais, cujos valores são destinados especialmente a financiar ações que melhorem a qualidade ambiental da referida bacia”, disse Luz Marina ao Campo Grande News.

Porém, a conscientização sobre a importância de cada gota de água que brota das nascentes já se tornou rotina para quem tem o manancial passando na porta de casa. Claudinei Menezes Pecois, 53 anos, é produtor rural e presidente da ARCP Guariroba (Associação de Recuperação, Conservação e Preservação da Bacia do Guariroba) e diz dedicar a vida a essa causa.

“Saber que metade da água que abastece Campo Grande nasce aqui, onde trabalhamos, é algo que emociona. Minha família se orgulha disso. Cada muda plantada, cada nascente recuperada é como se fosse um legado nosso para todos. É a certeza de que estamos contribuindo para algo muito maior que nós mesmos”, compartilha.

Claudinei conta que eles precisam seguir regras rígidas para garantir o equilíbrio entre o trabalho no campo e a preservação da água. O plano de manejo da unidade estabelece uma série de restrições que buscam proteger as nascentes, matas ciliares e o solo da bacia hidrográfica. Entre as principais limitações estão a proibição da extração mineral, de loteamentos e de indústrias, além do uso restrito de agrotóxicos, especialmente os de alta toxicidade e de aplicação aérea.

"Queremos deixar um território vivo, produtivo e equilibrado. Que nossos filhos e netos possam abrir a torneira e continuar bebendo água pura, fruto do esforço de quem acreditou na preservação. Deixar água é deixar vida, e essa é a herança mais bonita que podemos oferecer. Poucas pessoas que moram na área urbana do município pensam nisso, mas a água que sai das torneiras de quase metade das casas de Campo Grande nasce nesse lugar muito especial. Saber de onde vem a água é o primeiro passo para valorizá-la. É entender que o que acontece no campo reflete diretamente na cidade", valoriza.

Gestão sustentável faz de manancial a principal riqueza de produtores rurais
Aquiles Porcino de Araújo, de 61 anos, mostra o rio que passa perto da sua casa (Foto: Arquivo Pessoal)

São 33 anos vivendo na APA e Aquiles Porcino de Araújo, hoje com 61, lembra como as coisas eram diferentes no começo. "Quase não tinha estrada, era só braquiária. Eu ajudei a formar tudo aqui. Vim porque precisava trabalhar, mas acabei encontrando um lugar que se tornou parte da minha vida", recorda.

Aos poucos, junto com os vizinhos, ele foi se adaptando aos cuidados com a natureza ao seu redor. Aprendeu que o gado não pode entrar no rio, que é preciso oferecer bebedouro, cercar a mata e atuar no desassoreamento das margens.

“O que a gente faz aqui é pensar no futuro. Antes ninguém se preocupava em preservar, mas hoje sabemos que a água é o bem mais importante. Aqui, tudo é feito para proteger o que nasce e corre dentro da fazenda. A diferença é que aprendemos a respeitar a natureza. Quero deixar consciência e respeito pela natureza. Que as pessoas entendam o valor da água e das árvores. A gente tem que cuidar, porque sem água não tem vida. É simples assim”, defende Aquiles.

Revirando os arquivos familiares, o médico veterinário Walter Régis Thaler, 31 anos, encontrou uma foto dele pequeno: um menino loiro, descalço, montado em um cavalo nos campos da propriedade da família, também na APA. “Nasci e cresci na APA do Guariroba. Cheguei à Estância Dois Irmãos ainda bebê e vivi toda a infância em meio à natureza, tomando banho de rio e convivendo com a fauna e a flora da região. Esse contato desde cedo despertou em mim um carinho e um senso de responsabilidade muito fortes com o meio ambiente”, detalha.

Gestão sustentável faz de manancial a principal riqueza de produtores rurais
Foto do médico veterinário Walter Régis Thaler ainda criança, na propriedade da família que fica na APA Guariroba (Foto: Arquivo Pessoal)

Walter representa uma nova geração de produtores que cresceu sabendo da importância da recuperação da área que um dia foi degradada. “A diferença está na consciência ambiental que se fortaleceu nas novas gerações. Nós crescemos vendo a importância da natureza e aprendendo que produzir e preservar precisam andar juntos. Isso torna o diálogo mais fácil e o trabalho mais integrado com as práticas sustentáveis.”

Com o que aprendeu na caminhada acadêmica, na parte mais técnica, ele quer continuar. "Queremos deixar um território vivo, produtivo e equilibrado, onde as pessoas possam viver bem, respeitando o meio ambiente. Eu quero criar meus filhos e netos aqui, vendo essa região cada vez mais valorizada e reconhecida por todo o trabalho que fazemos. Os resultados estão nas áreas reflorestadas, nas nascentes preservadas, nos rios mais limpos e na fauna voltando a se multiplicar", completa.

Retorno na prática - O que é feito diariamente por essas famílias de produtores rurais, há décadas, já trouxe resultados. A promotora Luz Marina destaca um estudo publicado pelo Laboratório Heros (Hidrologia, Erosão e Sedimentos) da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), que constatou a redução dos processos erosivos.

“Em algumas áreas, o abatimento de erosão chegou a 99%. Dessa forma, busca-se que as futuras gerações possam usufruir do direito ao meio ambiente equilibrado, já que a água é o bem mais precioso para a permanência da vida no planeta Terra e é dever de todos nós zelar pela conservação dos bens ambientais para as próximas gerações”, destacou.

Parte interessada na manutenção do manancial, a concessionária de abastecimento hídrico de Campo Grande é responsável pelas mudas plantadas na área. De acordo com Fernando Garayo, gerente de Meio Ambiente e Qualidade da Águas Guariroba, esse trabalho dos produtores também garantiu aumento da vazão e melhoria na qualidade da água nos últimos anos.

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Fernando Garayo, gerente de Meio Ambiente e Qualidade da Águas Guariroba (Foto: Divulgação)

“Sem essa conservação, haveria mais risco de escassez em períodos secos e maior necessidade de recorrer a fontes alternativas ou reforços emergenciais. Projetos como esse mostram que políticas integradas de conservação ambiental podem e devem andar juntas. Mas requerem continuidade: recursos, engajamento, monitoramento e incentivos duradouros.”

Fernando reforça que as famílias são essenciais para esse resultado. “Eles participam diretamente de mudanças no uso da terra, da restauração de pastagens, do cercamento de nascentes e da adoção de boas práticas. Os esforços dos produtores têm gerado resultados observáveis. Também é preciso valorizar a participação dos órgãos públicos, das entidades reguladoras e de fiscalização, além dos parceiros técnicos, que definem, monitoram e apoiam as ações. Esses atores trabalham de forma complementar, com políticas públicas, regulamentos, incentivos e monitoramento”, finaliza.

A APA Guariroba fica a cerca de 30 quilômetros da zona urbana de Campo Grande, na saída para Três Lagoas. A área foi oficializada como de proteção em 1995, após a abertura de um inquérito civil pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente.

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