Governo estica prazo para mapear terras federais às margens de rios
Mudança no decreto de 1946 adia conclusão de trabalho iniciado há décadas
A medida provisória publicada nesta terça-feira (30) no DOU (Diário Oficial da União) prorrogou até 31 de dezembro de 2028 o prazo para a União concluir a identificação de terrenos marginais de rios federais navegáveis, terrenos de marinha e áreas acrescidas. O novo prazo afeta diretamente Mato Grosso do Sul, cortado por dois dos principais rios federais do país e com população vivendo às margens dessas áreas há décadas.
RESUMO
Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!
O texto altera o Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, e autoriza a SPU (Secretaria do Patrimônio da União) a concluir a identificação dessas áreas em mais três anos. Sem a prorrogação, o prazo terminaria nesta quarta-feira. A MP entra em vigor imediatamente e terá validade inicial de 60 dias, podendo ser prorrogada enquanto o Congresso decide se transforma o texto em lei.
- Leia Também
- Governo lança licitação milionária para construção de aeródromo em porto
- Execução orçamentária em queda ameaça cronograma da Rota Bioceânica para 2026
Na prática, a identificação é a etapa técnica que antecede a demarcação formal do domínio da União. Só depois disso o governo federal pode usar, fiscalizar, conceder ou regularizar essas áreas. Também é a fase que costuma gerar tensão porque pode resultar na anulação de registros imobiliários privados quando o domínio federal é reconhecido.
Em Mato Grosso do Sul, o impacto potencial passa longe de ser teórico. Os principais rios federais navegáveis do estado são o Rio Paraguai, a oeste, e o Rio Paraná, a leste, ambos com longos trechos usados para transporte de cargas, circulação de pessoas e atividades econômicas estratégicas.
O Rio Paraguai é o eixo central do Pantanal e uma das hidrovias mais importantes da América do Sul. No trecho brasileiro, com cerca de 1.700 quilômetros, grande parte é navegável, especialmente entre Corumbá e Cáceres (MT), sustentando o escoamento de minérios e produtos agrícolas. Além da relevância econômica, é ao longo desse rio que vivem comunidades ribeirinhas que dependem diretamente da pesca, do extrativismo e do regime natural das cheias.
Já o Rio Paraná marca a divisa de Mato Grosso do Sul com São Paulo e integra a Bacia do Prata. A hidrovia do Paraná conecta o estado à tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, mas enfrenta gargalos históricos em barragens como Jupiá, Ilha Solteira e Porto Primavera, que não possuem eclusas em todos os trechos. Ainda assim, trata-se de um corredor estratégico, com áreas marginais que podem entrar no radar da União com a retomada das identificações.
Outros rios, como Miranda e Aquidauana, não são considerados navegáveis em larga escala para fins comerciais, mas desempenham papel central na dinâmica ambiental do Pantanal e na vida de populações locais. Embora fiquem fora do foco principal da MP, eles ajudam a dimensionar o mosaico de áreas ribeirinhas no estado.
Não há um número fechado para a população ribeirinha em Mato Grosso do Sul. Esses grupos aparecem diluídos em estatísticas maiores, como população rural ou moradores de unidades de conservação. Programas estaduais, como o Povo das Águas, atendem centenas de famílias apenas no Alto Pantanal. Dados do Censo de 2022 indicam mais de 219 mil pessoas vivendo em unidades de conservação no estado, muitas delas em áreas próximas a rios.
Ao justificar a prorrogação, o governo federal reconhece o atraso histórico. Em 2017, quando o prazo original foi fixado, a própria União admitia ter identificado apenas 1% das margens de rios federais navegáveis no país. No litoral, o índice era pouco superior a 23% dos terrenos de marinha e áreas acrescidas. O avanço lento ajuda a explicar a decisão de ganhar mais tempo.


