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Meio Ambiente

Obras sem fim prejudicam água, mas espécies teimam em sobreviver no Anhanduí

Intervenção que dura anos joga terra e dejetos, reduzindo ainda mais o oxigênio no rio que corta área urbana

Por Raíssa Rojas | 06/11/2025 08:37
Obras sem fim prejudicam água, mas espécies teimam em sobreviver no Anhanduí
Rio Anhanduí próximo ao Shopping Norte Sul Plaza (Foto: Osmar Veiga)

Sob a água turva e o cheiro de esgoto, há movimento. Biguás mergulham em busca de peixes resistentes; garças disputam espaço nas margens estreitas; e tilápias, carás e bagres sobrevivem. O Rio Anhanduí, que um dia ajudou a formar Campo Grande, hoje corta 36 bairros como um espelho do impacto humano e, ainda assim, resiste.

RESUMO

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O Rio Anhanduí, importante via hídrica de Campo Grande (MS), mantém um ecossistema resiliente apesar da poluição urbana. Espécies como bagres, cascudos, tilápias e carás sobrevivem nas águas turvas, enquanto biguás e garças habitam suas margens, demonstrando adaptação ao ambiente modificado. O monitoramento realizado pela SEMADUR em 2024 indica que a qualidade da água varia entre regular e ruim. Embora 31,7% das análises mostrem melhora, 28,3% apresentaram piora em relação aos anos anteriores, possivelmente devido a obras nas margens do rio que corta 36 bairros da capital sul-mato-grossense.

“Os animais mais sensíveis já foram eliminados dali. Eles são os primeiros organismos a serem eliminados dentro de um processo de colonização. Quem sobra? Os peixes mais resistentes, os que têm menor exigência em termos ecológicos e fisiológicos”, explica o doutor em Ecologia e Ictiologista José Sabino.

O Rio Anhanduí é uma das principais veias hídricas de Campo Grande (MS). Ele recebe contribuição de quase todas as outras microbacias do município: Segredo, Prosa, Bandeira, Lageado, Imbiruçu e Lagoa, e deságua no Córrego Cachoeira.

Ao longo do curso, detalhes assuntam, sem ser realidade. “No Anhanduí, tem alguns lugares que saem água, o pessoal acha que é esgoto, não é. São nascentes adicionais do rio. Porque o rio vai ganhando nascentes ao longo do curso dele. Em alguns lugares, você vê saindo uma água, tem às vezes até uma concentração maior de peixe”, conta Sabino, acrescentando que essa água ainda está em condições melhores do que a que corre no leito do rio.

Obras sem fim prejudicam água, mas espécies teimam em sobreviver no Anhanduí
Maior concentração de peixes é vista em nível que a água está mais alta (Foto: Osmar Veiga)

Relatório anual do Programa Córrego Limpo Cidade Viva, divulgado em 2024 pela Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), apresenta 13 pontos de monitoramento no rio Anhanduí, com classificações entre as classes 3 e 4, ou seja, de qualidade regular a ruim, segundo o padrão do Índice de Qualidade da Água da CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), que vai de 0 a 10.

Em 2024, 31,7% das análises mostraram melhora, 40% ficaram na média e 28,3% pioraram, em relação a anos anteriores. O relatório aponta que a piora pode estar associada a obras que duram anos na margem do rio.

Obras sem fim prejudicam água, mas espécies teimam em sobreviver no Anhanduí
Lixo e entulhos de obra represados em trecho do rio (Foto: Osmar Veiga)

Depois de várias ações pontuais, a intervenção que tem como objetivo conter a erosão no rio Anhanduí, na avenida Ernesto Geisel, recomeçou em abril de 2018, porém se arrasta até hoje, sem previsão de término. O projeto inclui a recomposição das margens do rio Anhanduí, com a construção de muros de gabião e placas de concreto, a implantação de uma ciclovia, a construção de bocas de lobo para captar a enxurrada e a recomposição da pista.

A reportagem solicitou para Sisep (Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos) o balanço das obras pela região e a previsão da entrega e ainda não obteve retorno.

Espécies resistentes

Quanto mais poluído é um ambiente, menos oxigênio há; se a espécie é muito exigente, ela morre ou abandona o local. Por isso, pelo Rio Anhanduí, resistem apenas algumas espécies de bagres, cascudos e carás, mais adaptáveis, explica Sabino.

O sistema intestinal é muito vascularizado neles e realiza troca gasosa também, chamada de respiração aérea acessória, como detalha o pesquisador. Isso significa que esses peixes suportam águas com menor circulação de oxigênio, diferentemente de dourados e piraputangas.

Originárias do continente africano,houve um tempo de tilápias no Anhandui, trazidas, num período em que não existia legislação, por volta de 1920, para colonizar os açudes nordestinos. Já próximo de 1940, a espécie chegou ao Centro-Oeste, mas mesmo que alguma ainda nada pela região, comer o que o rio produz não é recomendado.

Obras sem fim prejudicam água, mas espécies teimam em sobreviver no Anhanduí
Bíguas pousados em estacas metálicas nas barreiras de contenção de resíduos (Foto: Jhonattan A. Mougenot)

Peixes urbanos são perigosos por conta do grau de contaminação causado pelos poluentes. “A água passa pelas brânquias e não é só o oxigênio que vai entrar; pode haver substâncias que o peixe ingere”, explica o doutor Sabino, acrescentando que, na cadeia alimentar, ocorre acúmulo de poluentes.

Biguás, garças e cágados

Um atrás do outro, quase em posição de “sentido” do Exército, os biguás aparecem pelo Anhandui porque também se adaptam bem a ambientes antropisados (modificados pelo ser humano). Raramente vistos sozinhos, são aves gregárias que vivem e dormem em grupo.

A aparência pode confundir, mas não se trata de patos, e sim de aves aquáticas que se alimentam de peixes. As garças-brancas, pequena e grande, também são comuns no rio: menos gregárias que os biguás, mas ainda formam bandos.

Do grupo das tartarugas, quelônios, é possível encontrar espécies de cágados, animais que vivem em rios e lagoas. Muitos são abandonados ali, por gente que um dia ganhou de presente e não deu conta de cuidar do animal.

“A resistência tem a ver com como o bicho evoluiu nos ambientes ao longo dos milhões de anos. Esses organismos estão muito antes de qualquer ser humano pisar aqui. Eles viviam numa harmonia, numa dinâmica e a gente interfere”.

Obras sem fim prejudicam água, mas espécies teimam em sobreviver no Anhanduí
Do mesmo grupo das tartarugas, quêlonios, os cágados resistem no Anhanduí (Foto: Osmar Veiga)

Um observador

Moradores próximos ao rio ainda acham à beira do Anhanduí um local tranquilo para praticar o ócio. João Sogad, de 90 anos, mora há 60 anos perto do Anhanduí e, todos os dias, assiste a vida animal no curso do rio.

“Estou à toa e venho passar tempo aqui; fico olhando os peixes. Aqui, antes, havia uma ponte de madeira e vários pés de eucalipto. Agora o pessoal vem e joga lixo aqui, uma falta de educação”, opina João.

Obras sem fim prejudicam água, mas espécies teimam em sobreviver no Anhanduí
João Sogad mora há 60 anos próximo do rio Anhanduí (Foto: Osmar Veiga)

“A natureza, mesmo a urbana, tem uma capacidade de gerar bem-estar, saúde, tranquilidade emocional, restauração emocional a partir, de uma conexão vital que a gente tem com ela”, cita o doutor Sabino ao mencionar o conceito de biofilia, criado pelo biólogo Edward Wilson, segundo o qual nosso cérebro se sente confortável ao estar em contato com a natureza.

“Por mais que o Anhanduí seja um rio detonado depois de atravessar a cidade, ele está ali como um herói da resistência, e os organismos que o colonizam também”, conclui o doutor.

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Quero-quero sobrevoa construção às margens do rio Anhanduí (Foto: Osmar Veiga)

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