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Política

Candidato indígena vive na miséria cercado por jagunços

Indígena de 38 anos mora em barraco de lona em área de retomada onde não há comida nem água tratada

Helio de Freitas, de Dourados | 27/09/2022 14:01


Primeiro indígena candidato a governador de Mato Grosso do Sul, Magno de Souza (PCO) é o retrato das centenas de seus “patrícios” que vivem a dura realidade de morar em barracos de lona nas áreas de “retomada” que se espalham pelo Estado conhecido nacionalmente pela produção agropecuária.

Guarani-kaiowá de 38 anos de idade com passagens pela polícia por furto para sustentar o vício pelas drogas – “em um ano fui preso 45 vezes” – Magno vive com a mulher, os dois filhos pequenos e outros parentes em uma cabana de lona e pedaços de madeira na área Ararikuty.

Magno nasceu na Aldeia Jaguapiru, depois se mudou para a Bororó e afirma ter passado boa parte da infância vivendo na rua. Mas foi já na vida adulta que se envolveu com droga, levado, segundo ele, pela ex-mulher. “Ela dizia que ia me levar para a igreja, mas me levou para as drogas”.

Barracos e mansões – Atual morada de outras 27 famílias, o acampamento fica encravado entre a Aldeia Bororó e a Avenida Guaicurus, que liga o centro de Dourados ao aeroporto municipal, à Cidade Universitária e ao quartel do Exército.

A menos de 4 km dali, também no entorno das aldeias indígenas, ficam condomínios de luxo, os mais caros da cidade, onde há mansões vendidas por quase R$ 10 milhões.

O Ararikuty é um dos sete acampamentos montados nos arredores da Reserva Indígena de Dourados, criada em 1917. No papel, a reserva tem 3.600 hectares, mas os indígenas afirmam que parte das terras foi ocupada ao longo dos anos pelos brancos e reivindicam a demarcação desses espaços.

Magno descasca mandioca para ajudar no almoço; ao fundo o reservatório usado por jagunços (Foto: Helio de Freitas)
Magno descasca mandioca para ajudar no almoço; ao fundo o reservatório usado por jagunços (Foto: Helio de Freitas)

Na manhã desta terça-feira (27), Magno de Souza conversou com o Campo Grande News no acampamento onde vive há quatro anos. Quando a reportagem chegou ao local, ele arrancava mandioca e depois descascou algumas raízes para o almoço. Sua mulher lavava roupa em um batedor improvisado com pedaço de madeira.

Assim como em todos os acampamentos indígenas, a miséria é visível. O barraco de Magno e de seus vizinhos não têm energia elétrica, não tem água tratada e muito menos sanitários. As necessidades fisiológicas são feitas em um mictório coberto por plástico a poucos metros da casa.

Torre de observação – A menos de 500 metros do barraco, a Sanesul mandou construir reservatório com capacidade para 1,5 milhão de litros de água, mas o líquido potável não vai chegar aos indígenas. “Já pedimos água dali, mas falaram que não vão nos atender”, disse o candidato. O sistema ainda não está pronto.

No dia 19 deste mês, o Campo Grande News mostrou que o reservatório está sendo usado como torre de observação pelos seguranças privados contratados por fazendeiros para vigiar as famílias indígenas e impedir novas ocupações.

A Sanesul havia informado que cobraria providências da empresa responsável pela obra para barrar os vigilantes, mas os indígenas afirmam que os reservatórios continuam sendo usados por homens armados. “São pistoleiros trazidos de Ponta Porã. Quando cheguei aqui falaram que minha cabeça estava valendo R$ 8 mil”, disse o candidato do Partido da Causa Operária.

Mulher de Magno lava roupa em batedor de tábua (Foto: Helio de Freitas)
Mulher de Magno lava roupa em batedor de tábua (Foto: Helio de Freitas)

Marçal de Souza – Dizendo ser sobrinho do lendário líder guarani Marçal de Souza Tupã’y, Magno de Souza afirma que entrou na política sabendo não ter nenhuma chance de vitória, mas escolheu trilhar esse caminho para dar sequência à luta do parente assassinado em 1983 no município de Antônio João.

Chamado de “o banguela dos lábios de mel”, Marçal ficou mundialmente conhecido pela luta em favor da demarcação de terras indígenas. Em 1980, fez discurso ao Papa João Paulo II em Manaus (AM) para denunciar a invasão das terras indígenas.

“Estamos aqui jogados, abandonados, sem direitos. Eu li a história do meu tio Marçal de Souza e daqui para frente eu vou levar a bandeira de luta dele. O sofrimento que passamos em nossas retomadas é o mesmo do branco nas favelas e do negro nos quilombolas. Aceitei ser candidato para denunciar a falta de água, de alimento, de energia em nossas áreas”, afirma Magno.

Impugnado – Com ensino fundamental incompleto e sem qualquer bem informado à Justiça Eleitoral, Magno de Souza teve a candidatura negada pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) por causa de condenação por furto de bicicleta em 2012. Entretanto, assim como outros candidatos a deputado, ele apresentou recurso contra a decisão e segue na disputa.

Magno de Souza afirma que os políticos só se lembram dos indígenas no momento de pedir voto e depois viram as costas para a pobreza e a violência nas aldeias e acampamentos. “Por que o Governo não ajuda os indígenas? Em vez de ajudar os indígenas, liberou a Tropa de Choque para fazer massacre contra nossos parentes”, disse o candidato.

Ele se referiu ao confronto que deixou pelo menos nove indígenas feridos e o guarani Vito Fernandes, 42, morto a tiros, no dia 24 de junho deste ano em Amambai. A Polícia Militar afirma que três policiais também ficaram feridos, mas sem gravidade.

“Por isso eu me candidatei, para mostrar a dificuldade dos indígenas de Mato Grosso do Sul, para que possam ser respeitados, assim como os fazendeiros também precisam ser respeitados”, desabafou.

Bandeira do PCO pendurada ao lado de barraco (Foto: Helio de Freitas)
Bandeira do PCO pendurada ao lado de barraco (Foto: Helio de Freitas)

Cercados e ameaçados – Magno de Souza acusa proprietários rurais dos arredores da reserva de contratarem jagunços armados para ameaçar os indígenas. Ele afirma que até um policial o ameaçou. “Ele disse que se tivesse que voltar aqui ia chegar atirando, ia matar todo mundo, até os cachorros”.

Segundo ele, oito barracos foram abandonados pelos índios após os jagunços atearem fogo nos casebres. “Eles entraram pelo meio do mato e colocaram fogo em tudo. As famílias ficaram com medo. Aqui em casa eles não conseguem chegar porque eu tenho quase 20 cachorros bravos”.

As áreas ocupadas no entorno da reserva de Dourados já foram palcos de confrontos entre indígenas e seguranças privados. Houve conflito até mesmo com policiais militares. Um indígena adulto perdeu o olho e um adolescente teve parte da mão decepada por bomba de efeito moral. Pelo menos um segurança também ficou ferido durante o confronto de janeiro de 2020.

“Eles nos perseguem na estrada quando vamos trabalhar e estudar. Minha esposa já foi atropelada por uma caminhonete Hilux prata. Eu tenho coragem de ir lá e me entregar para eles, que me matem, mas não façam nada com minha família. Nós índios temos coragem”, afirmou Magno de Souza.

“Aqui em casa a gente não passa fome, porque eu planto, minha esposa tem salário, mas outras famílias que nem falam português enfrentam ainda mais dificuldade”, contou.

O candidato do PCO foi o único excluído do debate que a TV Morena (afiliada Globo) realiza hoje à noite. Segundo a emissora, a exclusão ocorre devido ao critério de falta de representatividade do partido no Congresso Nacional.

Magno e a esposa caminham em quintal do barraco onde moram com os filhos (Foto: Helio de Freitas)
Magno e a esposa caminham em quintal do barraco onde moram com os filhos (Foto: Helio de Freitas)


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