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Política

Maioria da bancada de MS silencia diante de alta bilionária no Fundo Eleitoral

Aprovação de aumento do chamado Fundão em 2026 eleva gasto de eleições a R$ 9,8 bilhões em dois anos

Por Vasconcelo Quadros, de Brasília | 01/10/2025 18:56
Maioria da bancada de MS silencia diante de alta bilionária no Fundo Eleitoral
Cabos eleitorais fechando a Afonso Pena na campanha de 2024.(Foto: Arquivo)

O Congresso é rápido e diligente quando legisla em causa própria, mas lento na análise de medidas que beneficiam o brasileiro que mais precisa. O fundão eleitoral bilionário passou na CMO (Comissão Mista de Orçamento) como num piscar de olhos, aprovado simbolicamente e sem contestação, ritmo que não se vê no projeto de isenção para quem ganha até R$ 5 mil, emperrado por discussões que ainda se arrastam na Câmara, embora haja pálida expectativa de entrar na pauta desta quarta-feira.

RESUMO

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O Congresso Nacional aprovou na Comissão Mista de Orçamento um aumento significativo no Fundo Eleitoral, que passará de R$ 1 bilhão para R$ 4,9 bilhões em 2026. A medida foi aprovada rapidamente, com cortes de R$ 2,9 bilhões das emendas de bancada e outros recursos não obrigatórios. Na bancada de Mato Grosso do Sul, apenas três parlamentares se manifestaram contra o aumento: os deputados Geraldo Resende e Dagoberto Nogueira, e o senador Nelsinho Trad. O contraste entre a agilidade na aprovação do fundão e a demora em projetos como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil evidencia as prioridades do sistema político.

A decisão tem peso na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2026: o Fundo Eleitoral saltará de R$ 1 bilhão para R$ 4,9 bilhões. A manobra foi simples, escancaradamente fisiológica; cortaram-se R$ 2,9 bilhões das emendas de bancada e mais recursos de despesas não obrigatórias, reduzindo a reserva de R$ 15,2 bilhões para R$ 11,2 bilhões. Em resumo, quase cinco bilhões de reais foram realocados com rapidez para garantir dinheiro público às campanhas do próximo ano, valor quase cinco vezes maior que a proposta inicial do governo, que projetava até R$ 1 bilhão.

Se somarmos os gastos do erário com o Fundão Eleitoral nas eleições de 2024 e 2026, o montante chega a R$ 9,8 bilhões. Somando-se a esse valor o total anual de cerca de R$ 1 bilhão do Fundo Partidário, chega-se, em três anos, a cifras estratosféricas, próximas a R$ 15 bilhões, para manter campanhas e a máquina dos partidos.

O relator da instrução normativa, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), afirmou que a proposta do Executivo será ajustada para alcançar o mesmo valor das eleições de 2024. Segundo ele, a mudança constará da LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2026. “O relator-geral do projeto de lei orçamentária de 2026 tomará as providências necessárias para o atendimento dessa instrução”, explicou Bulhões.

Bancada de MS

Se o plenário das duas Casas confirmar a decisão, o “sacrifício” dos parlamentares será pago pela população com cortes em investimentos sociais. Ainda assim, com o eventual desgaste pelo apoio a uma medida impopular diluído entre 513 deputados e 81 senadores, o impacto nem arranha a montanha de dinheiro das emendas, já garantidas em R$ 40,8 bilhões, com possibilidade de chegar a R$ 52,9 bilhões — mais um recorde.

O Campo Grande News pediu a posição dos onze integrantes da bancada de Mato Grosso do Sul no Congresso. Até o fechamento, apenas os deputados Geraldo Resende e Dagoberto Nogueira (PSDB) e o senador Nelsinho Trad (PSD) se posicionaram, todos contra o aumento. Os demais, entre eles a senadora Soraya Thronicke (Podemos), que integra a CMO como suplente, não responderam.

Resende foi enfático: “Em um momento de dificuldades econômicas enfrentadas pela população brasileira, não é razoável ampliar os gastos com campanhas políticas, sobretudo à custa de cortes em áreas essenciais. Meu compromisso é priorizar investimentos em saúde, educação e infraestrutura que impactam diretamente a vida das pessoas. Por isso, não apoio a elevação do chamado Fundão Eleitoral.”

Dagoberto reforçou: “Aqui não passa o aumento ainda. Acho que, se for mantido o atual montante, algo em torno de R$ 1 bilhão, está bom. Se aumentar, vamos colocar a opinião pública muito contra a gente. Eu vou votar contra esse aumento. O ideal é que fique como está; não precisa mais do que isso. É um ano pré-eleitoral e esse povo vai contar até 10 antes de votar.”

Já o senador Nelsinho Trad classificou a proposta como desconectada da realidade: “Creio que, em um momento de dificuldade orçamentária que o país vive, essa pauta é inoportuna.”

Maioria da bancada de MS silencia diante de alta bilionária no Fundo Eleitoral
Membros da Comissão Mista de Orçamento em reunião que aprovou o reajuste (Foto: Agência Senado)

Contrastes

A pressa em turbinar o Fundão contrasta com a demora em atender uma promessa de campanha com impacto direto na vida de milhões: a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. A votação foi atrelada, por pressão da extrema-direita, ao avanço do projeto de anistia aos golpistas de 2022. Pode ser que destrave nesta quarta-feira, mas, apesar de prioridade declarada do governo, a proposta ainda enfrenta resistências sobre como compensar a perda de arrecadação. O projeto prevê que a renúncia seja coberta por uma alíquota mínima sobre rendas altas, mas a disputa política e a preocupação fiscal empurram a decisão para a frente.

O contraste é evidente: para as campanhas políticas, o espaço orçamentário foi encontrado rapidamente. Para o alívio tributário da população, multiplicam-se obstáculos técnicos e políticos. A isenção só poderia vigorar em 2026 e exige cálculos, negociações e mudanças estruturais; já o fundo eleitoral se ajustou sem grandes entraves, mesmo custando quase da mesma ordem de grandeza que a renúncia fiscal prevista para a faixa de isenção.

Essa diferença revela prioridades do sistema político: enquanto recursos para manter a máquina eleitoral fluem com celeridade, benefícios que poderiam reforçar a renda de trabalhadores das classes média e baixa são submetidos a um longo processo de avaliação e incertezas. No fim, a mensagem é clara: quando o interesse é dos partidos, o orçamento se dobra com facilidade; quando é da sociedade, o caminho é tortuoso.

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o chamado “Fundão Eleitoral”, nasceu em 2017 como resposta institucional aos escândalos da Lava Jato e à decisão do Supremo Tribunal Federal de proibir doações de empresas a campanhas. A medida, que visava reduzir a influência do poder econômico nas disputas, acabou inaugurando um modelo igualmente bilionário de financiamento público da política.

Mais empoderados

Nas eleições de 2018, os partidos repartiram R$ 1,7 bilhão; em 2020, foram R$ 2 bilhões; e, em 2024, quase R$ 5 bilhões. Agora, com a decisão da CMO de reservar R$ 4,9 bilhões para 2026, o erário terá desembolsado, em apenas um pleito municipal e um geral, quase R$ 10 bilhões — sem contar os repasses paralelos do Fundo Partidário. Os dois fundos juntos consumirão algo em torno de R$ 12 bilhões em gastos nos pleitos de 2024 e 2026.

Pela lei, o Fundão é distribuído de acordo com a correlação de forças já existente: 48% conforme o tamanho das bancadas na Câmara, 35% pelo percentual de votos, 15% pelo peso no Senado e apenas 2% igualmente a todas as legendas.

Em paralelo, corre outro fluxo permanente de dinheiro público: o Fundo Partidário. Criado em 1995, já vinha repassando quase R$ 1 bilhão ao ano antes da criação do Fundão. Se o primeiro serve ao custeio da máquina partidária — salários, aluguéis, passagens, consultorias —, o segundo se destina exclusivamente às campanhas. Os dois fundos, somados, garantem aos partidos cifras bilionárias a cada dois anos, crescendo em ritmo mais acelerado do que o do orçamento destinado a políticas sociais.

Não é coincidência. O empoderamento orçamentário do Congresso — impulsionado pela explosão das emendas parlamentares — caminha junto com a multiplicação dos recursos partidários. Desde que deputados e senadores conquistaram maior autonomia para direcionar o orçamento, fundos eleitorais e partidários cresceram em volume e centralidade no jogo político. Ambos refletem um arranjo de autossustentação da classe política: um Congresso mais forte na definição das despesas garante também as bases de seu próprio financiamento.

Assim, a narrativa de contenção de gastos se esfarela diante das prioridades do Parlamento. Enquanto a correção da tabela do Imposto de Renda ou o custeio de programas sociais enfrenta barreiras, os fundos eleitorais e partidários avançam com naturalidade, blindados por uma lógica que fortalece legendas, preserva o controle das cúpulas e alimenta, com dinheiro público, o ciclo das disputas políticas.