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Política

Políticos 'invadem' rádio e TV e fazem palanque para ficar na memória do eleitor

Apresentando programas, na maioria das vezes sem DRT, parlamentares usam espaço para ficar em evidência

Por Gabriela Couto | 19/10/2023 16:20
Vereador Silvio Pitu (PSD) durante programa de show de prêmios na Capital FM (Foto: Instagram)
Vereador Silvio Pitu (PSD) durante programa de show de prêmios na Capital FM (Foto: Instagram)

Véspera de ano eleitoral, políticos que pretendem disputar cargos de prefeito e vereador começam a ‘pipocar’ em programas de rádio e televisão na Capital. A estratégia é distribuir favores, prêmios e ficar presente na memória dos ouvintes, futuros eleitores.

“Agora virou moda”, disparou o vereador Silvio Pena, o Silvio Pitu (PSD). Ele diz que já era radialista antes de se tornar homem público. “Por dez anos trabalhei em rádio comunitária. Quando não tinha nem pretensão de ter mandato. E é isso que acontece, quando a gente está no caminho certo, as pessoas imitam”, acrescentou.

Assim como a maioria dos radialistas por formação, Pitu tem programa na Capital FM "porque é apaixonado pelo veículo de comunicação". “Faço programa voltado à alegria, com sorteio de prêmios e visita em bairros. A partir do momento que tudo que faz, faz com amor e bem-feito, tira proveito. As pessoas são carentes de alegria”, justifica.

O vereador afirma que é funcionário da empresa e faz parcerias para conseguir garantir o entretenimento. No entanto, após uma década no microfone, ainda está sem o registro de DRT (Delegacia Regional do Trabalho). “Está em processo administrativo", diz.

E foi assim que outro colega de Câmara Municipal seguiu seus passos. O vereador Epaminondas Neto, o Papy (SD), lançou no último domingo (15) um programa com a família dele na Rádio Hora.

“Não é um programa político, é de fé, de palavra. A rádio me convidou porque queriam ter um programa domingueiro, porque não tinham programação específica.”

O parlamentar alega que ganhou duas eleições sem ter programa, mas que a parceria proposta pode sim beneficiar ele no próximo ano. “Tem lei que regulamenta isso. Mas se eu estou em um mandato, que é tão difícil de conseguir, e não usar das oportunidades da influência, estarei fortalecendo quem está de fora”, justificou.

Vereador Papy (SD) estreou no último domingo, com programa voltado para fé na Rádio Hora (Foto: Divulgação)
Vereador Papy (SD) estreou no último domingo, com programa voltado para fé na Rádio Hora (Foto: Divulgação)

Papy não tem DRT, mas pretende tirar. Vale ressaltar que o documento exige uma série de comprovações dos profissionais de imprensa, mas para radialistas basta ter apenas um mês de programa que é possível conseguir o que acadêmicos demoram quatro anos para oficializar. O vereador revelou ainda que tem pegado algumas dicas com o amigo deputado estadual Lucas de Lima (PDT).

Com três décadas por trás do microfone e a voz do “Amor Sem Fim”, Lucas serve de inspiração para muitos. É também um incentivador, ao ir participar de programas dos novatos.

Eu sou um radialista há mais de 30 anos. Não sou um político que faz programa de rádio e TV. Sou político no momento, mas sou um profissional do rádio. O rádio por si só não elege ninguém, já tivemos vários [radialistas] que saíram e não se elegeram”.

O deputado afirma ainda que o ouvinte sabe diferenciar um radialista de um oportunista. “O ouvinte sabe identificar quem está usando como trampolim para a política. Não faço por politicagem, e sim por amor”, concluiu Lucas de Lima.

Deputado estadual Lucas de Lima (PDT) dentro do estúdio da FM Cidade, onde apresenta programas de rádio (Foto: Instagram)
Deputado estadual Lucas de Lima (PDT) dentro do estúdio da FM Cidade, onde apresenta programas de rádio (Foto: Instagram)

Parceria - A reportagem apurou que o valor cobrado para ceder o horário aos políticos é um segredo guardado a sete chaves pelas emissoras. Oficialmente não relevam valores. No meio publicitário, a avaliação é de que um programa de duas horas no final de semana chega a custar de R$ 15 a R$ 20 mil.

O custo também varia conforme a popularidade dos agentes públicos. As empresas de comunicação também se aproveitam da oportunidade para ganhar audiência. Uma fonte explicou que ocorrem muitas 'parcerias' nos programas de final de semana, quando a audiência é menor.

O político tem o espaço e divulga o nome da rádio. Nós 'trabalhamos' o programa com sorteio de prêmios e Pix. Em contrapartida, o político usa a equipe de trabalho dele e as redes sociais. Acaba que o ouvinte se familiariza com o político, gosta das brincadeiras e isso ajuda muito na hora de definir voto", explica a pessoa que não quis se identificar.

Se o vereador, por exemplo, já é radialista, não é cobrado o espaço. Mas se há o interesse de um político que nunca teve um programa, é feito um contrato com preços variados. É muito comum, políticos que se tornam radialistas temporários. Fecham contrato com a rádio um ano antes da eleição e quando tem o resultado das urnas encerra a participação, voltando três anos depois.

Vereador professor Riverton dentro do estúdio da Difusora Pantanal, onde comanda um programa de rádio (Foto: Instagram)
Vereador professor Riverton dentro do estúdio da Difusora Pantanal, onde comanda um programa de rádio (Foto: Instagram)

O vereador Riverton de Souza, o professor Riverton (PSD), é um dos novatos que se "apaixonou" pelo rádio. “Sempre admirei e fui fã de rádio e sonhava um dia ter a oportunidade de estar à frente de um, levando entretenimento e diversão à população. Após um tempo com um quadro no programa de TV do Lucas de Lima, recebi a oportunidade de, por meio de parceria, estrear o programa Domingão com o professor Riverton, motivo de muita alegria para mim”.

O programa ganhou outdoor por meio de parceria e o vereador é categórico ao dizer que não usa verba de gabinete para realizar o sonho. “Tenho a preocupação de não misturar o trabalho parlamentar com esta ação. Quanto a DRT, já dei entrada e estou aguardando a emissão do registro. Em respeito aos profissionais da área, busco atuar de maneira ética e comprometida”, completou.

Curiosamente, o programa de Riverton vai ao ar, na Rádio Difusora, após a apresentação do ex-vereador e subsecretário de Articulação Social e Comunitário, Chiquinho Telles. Ele trabalha na rádio desde a época que era AM. “Rádio é paixão, um veículo de informação, não é só falar que dá voto. É um trabalho que você tem que amar. A pessoa tem que nascer com esse dom. Ajuda muito. Olha o [ex-prefeito] Alcides Bernal onde chegou”.

Chiquinho é categórico com a postura de vereadores que estão migrando para a rádio. “Tem gente que acha que é um veículo de obter votos, mas não é. Se não tiver o pé no chão, não adianta. O político radialista tem que concretizar o que ele fala no mandato. Sendo a mesma pessoa na frente e atrás do microfone”.

Subsecretário de Articulação Social e Comunitário, Chiquinho Telles comanda programa de 3h ao vivo na Difusora Pantanal (Foto: Instagram)
Subsecretário de Articulação Social e Comunitário, Chiquinho Telles comanda programa de 3h ao vivo na Difusora Pantanal (Foto: Instagram)

Ele ainda acrescentou que é injusto a legislação eleitoral obrigar os candidatos a renunciar do rádio antes da disputa nas urnas. “Um vereador advogado, pastor, médico não precisa se afastar. Um peso e duas medidas”, lamenta. Durante as três horas de programa ao vivo aos domingos, ele sorteia dez prêmios. “Tenho o patrocínio. Tem brindes dos apoios de comerciantes e algumas eu compro”, revela.

Superintendente da Sudeco, ex-deputada federal e candidata derrotada ao governo do Estado, Rose Modesto estreou programa na TV Bandeirantes, após mais de um ano e meio atuando na Capital FM. “Fui convidada pela Band, desde o início do ano. Me organizei e aceitei. Não pago absolutamente nada. É uma oportunidade e não pensei duas vezes de aceitar".

Ela assegura que não sai na frente de outros políticos que pretendem disputar a prefeitura da Capital no ano que vem.

Não acho que seja desleal na concorrência com outros pré-candidatos. Cada um tem seu trabalho, tem candidato da máquina, acho que não tem nada a ver”.

Análise – Para a presidente do Sintercom/MS (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão, Televisão, Publicidade e Similares de Mato Grosso do Sul), Rose Aparecida Borges Ferreira, o que ocorre hoje é reflexo da democratização da comunicação.

“Somos contra, pois fazem rádio e TV de palanque. É o exercício da profissão de forma errada, uma distorção da profissão. Mas a empresa compra espaço, a gente questiona se tem DRT. Eles entram com liminar e conseguem o registro. Aí os profissionais habilitados ficam sujeitos a terem ‘programetes’, em horários ruins, pois os horários de mais audiência são comprados”, lamenta.

Superintendente da Sudeco, Rose Modesto, apresentando programa de televisão por meio de parceria com a Band (Foto: Instagram)
Superintendente da Sudeco, Rose Modesto, apresentando programa de televisão por meio de parceria com a Band (Foto: Instagram)

Ela esclarece que o próprio sindicato não tem números sobre políticos e valores que isso significa para a empresa de comunicação. “Cada rádio atua independente. Os valores são cobrados por elas e não chega ao nosso conhecimento, pois somos um sindicato dos trabalhadores. E quando uma rádio comercial vende espaço para político que não é habilitado, ele está no exercício ilegal da profissão. Aí cabe processo. Que quando há denúncia, entramos com pedido de processo no TRT (Tribunal Regional do Trabalho). Mas eles conseguem tirar. Não é ilegal, mas também não é moral”.

O TRE/MS (Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul) informou que a legislação eleitoral (Lei 9.504/97) permite a presença de políticos em meios de comunicação, mesmo estando um ano antes do pleito.

“Para que seja configurada propaganda antecipada é necessário haver pedido explícito de voto. Neste sentido, é necessário que seja verificado se houve ou não a violação da norma legal nas situações apresentadas”, justificou o órgão.

Já o cientista político Daniel Miranda avalia que não há como analisar se a presença em meios de comunicação influencia o eleitor. “Embora estar em evidência na mídia e conhecido do público ajude, fama não se converte em voto automaticamente. O fato é que os recursos que as pessoas tem e usam para angariar votos são sempre desiguais”.

Ele cita casos de pessoas populares como presidentes de sindicato, professores e líderes religiosos podem ter recursos diferentes de outros candidatos convencionais. “Daí a ideia de financiamento público de campanha, cuja ideia (no papel, pelo menos) é tentar diminuir diferenças. Embora, é claro, a distribuição desses recursos também seja desigual”.

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