Sem consenso na Câmara de Conciliação, deputados de MS defendem marco temporal
Comissão criada para conciliação desviou da análise de parâmetro que incide sobre 50 disputas por terras em MS

A Câmara de Conciliação criada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para discutir demarcação de terras indígenas encerrou seus trabalhos sem decidir pela aprovação ou rejeição do marco temporal. A lei em vigor, aprovada pelo Congresso depois que o STF já havia decidido por sua inconstitucionalidade, diz que são passíveis de demarcação terras ocupadas por indígenas em 5 de agosto de 1988, opção adotada pontualmente para resolver o caso da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol em Roraima, em 2005, mas sem força de decisão de repercussão geral pela Corte.
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Sem consenso para decidir sobre o tema, por orientação do gabinete de Mendes, a comissão simplesmente se desviou da análise de um parâmetro que é o epicentro dos conflitos e incide sobre pelo menos 50 casos de territórios pendentes em Mato Grosso do Sul, hoje o principal foco de uma disputa que alcança no país uma superfície de 9 milhões de hectares e mais de 10.249 áreas em 19 estados.
A bancada parlamentar do Estado no Congresso é quase unânime a favor do marco, mas o tira-teima deve vir de um anteprojeto que está sendo elaborado pela Advocacia Geral da União (AGU) e pelo plenário do STF, que pode tanto suprimir do texto da lei 14.701/2023 as expressões “marco temporal”, como deixar intocada a lei que o Congresso fez valer derrubando o mais bombardeado veto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outubro de 2023.
O deputado Dagoberto Nogueira (PSDB), que é a favor da regra, acha que a indecisão gera insegurança jurídica e pode fomentar disputas que haviam sido acomodadas depois do acordo de setembro do ano passado, quando os governos estadual e federal compraram, por R$ 146 milhões, 9.500 hectares de terra em Antônio João, para restabelecer a TI Ñanderu Marangatu aos Guarani-Kaiová.
“Isso vai repercutir no nosso Estado, sim. Os conflitos podem voltar de forma muito séria. Estava tudo num momento bem pacífico e agora tenho medo que estimule as retomadas e os conflitos, o que não será bom para os indígenas e muito menos para os produtores. Quem estimula sempre fica de fora”.
Dagoberto defende que o governo compre as terras e pague aos produtores que, de boa-fé, também adquiriram as terras que ocupam e vivem a insegurança de quem tem de aguardar decisões judiciais que demoram décadas. “Tem de fazer como os americanos e o resto do mundo fez: comprar e entregar. Aqui o Estado não assume sua responsabilidade e deixa que o produtor e o indígena resolvam entre eles. Aí saem mortes e tudo o que a gente está vendo até hoje”.
Seu colega de partido, Geraldo Resende interpretou a indecisão da Câmara de Conciliação como manutenção do marco e ressalta que o diálogo liderado por Mendes representa o caminho “sensato e equilibrado” para a pacificação dos conflitos fundiários no Brasil, especialmente em estados como Mato Grosso do Sul.
“Essa via conciliatória busca harmonizar dois pilares fundamentais: o respeito aos direitos constitucionais dos povos indígenas – sem abrir espaços para retrocessos – e a garantia de segurança jurídica para produtores rurais e proprietários de terras, promovendo estabilidade e justiça no campo”.

Defensor radical do marco temporal e único representante do PP na Câmara, o deputado Dr. Luiz Ovando se disse indignado e acusa uma nova investida do STF contra a soberania do Parlamento ao tentar mexer na lei 14.701. “O Congresso já se debruçou sobre o tema, aprovando, com ampla maioria, a Lei nº 14.701/2023.
Trata-se de uma decisão legítima, respaldada por quase 400 votos, e que reflete o desejo da maioria do povo brasileiro: segurança jurídica no campo, respeito à propriedade privada e garantia de paz no meio rural. Infelizmente, o STF tem insistido em extrapolar suas funções constitucionais e avança sobre competências que são, por natureza, exclusivas do Poder Legislativo.
A tentativa de reescrever a legislação por meio de comissões “conciliatórias” e minutas substitutivas é, na prática, uma afronta à independência dos Poderes”. Ovando diz que decisões políticas não podem ser impostas por via judicial e que o Brasil precisa de estabilidade, “não de incertezas criadas em gabinetes que ignoram a realidade do produtor rural e o drama das famílias que vivem no campo sob ameaça constante”.
A posição da bancada de senadores é igualmente a favor do marco temporal. Dos três senadores procurados por Campo Grande News só Tereza Cristina não retornou. Suas posições são, no entanto, conhecidas: ela faz a defesa intransigente das propriedades rurais privadas, envolveu-se diretamente na mediação de conflitos a favor dos fazendeiros e foi a quem mais incentivou a criação da Frente Parlamentar Invasão Zero, movimento que se contrapõe ao indigenismo e aos sem-terra com atuação mais radical que a antiga UDR.
O senador Nelsinho Trad (PSD) frisa que cabe ao Congresso decidir. “A questão das demarcações em Mato Grosso do Sul, com mais de 100 áreas em análise e conflitos históricos, como o de Nhanderu Marangatu, gera profunda insegurança jurídica. Defendemos o marco temporal como essencial para trazer previsibilidade e paz ao campo. Não se trata de negar direitos, mas de estabelecer critérios claros para evitar novos conflitos. Cabe ao Congresso encontrar um equilíbrio que proteja a todos”, afirma.
A senadora Soraya Thronicke (Podemos) ressalta que o debate sobre o marco é, acima de tudo, uma questão de segurança jurídica e de respeito à Constituição. “A definição de ‘terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas’ não pode se basear em conceitos vagos ou em uma ocupação que remonte a tempos imemoriais”, critica.
Segundo ela o 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, “é um referencial legítimo, já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no caso Raposa Serra do Sol”. Em setembro de 2023, o próprio STF decidiu, no entanto, que o marco era inconstitucional.
Soraya afirma que apesar de ter se omitido, cabe ao Congresso fazer valer o limite temporal para as demarcações. “É papel do Parlamento consolidar esse entendimento, para garantir estabilidade tanto às populações indígenas quanto aos produtores rurais, assentados e pequenos agricultores. Infelizmente, por anos, o Congresso Nacional se omitiu nessa pauta e, por isso, o Judiciário teve que intervir, mas acredito que a prerrogativa de legislar deve ser respeitada.
Cabe ao Congresso estabelecer a norma e ao Supremo interpretá-la dentro dos limites constitucionais. Precisamos respeitar a separação entre os Poderes e dar segurança jurídica a todos os brasileiros".