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Política

Sem consenso na Câmara de Conciliação, deputados de MS defendem marco temporal

Comissão criada para conciliação desviou da análise de parâmetro que incide sobre 50 disputas por terras em MS

Por Vasconcelo Quadros | 25/06/2025 15:13
Sem consenso na Câmara de Conciliação, deputados de MS defendem marco temporal
Indígenas da área Iguatemipeguá, em Iguatemi, próxima das áreas que estarão em estudo na nova portaria (Foto/Arquivo)

A Câmara de Conciliação criada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para discutir demarcação de terras indígenas encerrou seus trabalhos sem decidir pela aprovação ou rejeição do marco temporal. A lei em vigor, aprovada pelo Congresso depois que o STF já havia decidido por sua inconstitucionalidade, diz que são passíveis de demarcação terras ocupadas por indígenas em 5 de agosto de 1988, opção adotada pontualmente para resolver o caso da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol em Roraima, em 2005, mas sem força de decisão de repercussão geral pela Corte.

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A Câmara de Conciliação do Supremo Tribunal Federal encerrou seus trabalhos sem definir sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A lei atual, aprovada pelo Congresso, estabelece como critério terras ocupadas por indígenas em 5 de agosto de 1988, mesmo após o STF ter declarado sua inconstitucionalidade.A questão afeta diretamente Mato Grosso do Sul, com 50 casos pendentes. A bancada parlamentar do Estado defende majoritariamente o marco temporal, enquanto aguarda um anteprojeto da Advocacia Geral da União e nova decisão do STF, que pode alterar ou manter a lei 14.701/2023. O impasse envolve cerca de 9 milhões de hectares e mais de 10 mil áreas em 19 estados brasileiros.

Sem consenso para decidir sobre o tema, por orientação do gabinete de Mendes, a comissão simplesmente se desviou da análise de um parâmetro que é o epicentro dos conflitos e incide sobre pelo menos 50 casos de territórios pendentes em Mato Grosso do Sul, hoje o principal foco de uma disputa que alcança no país uma superfície de 9 milhões de hectares e mais de 10.249 áreas em 19 estados.

A bancada parlamentar do Estado no Congresso é quase unânime a favor do marco, mas o tira-teima deve vir de um anteprojeto que está sendo elaborado pela Advocacia Geral da União (AGU) e pelo plenário do STF, que pode tanto suprimir do texto da lei 14.701/2023 as expressões “marco temporal”, como deixar intocada a lei que o Congresso fez valer derrubando o mais bombardeado veto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outubro de 2023.

Sem consenso na Câmara de Conciliação, deputados de MS defendem marco temporal
Deputados que formam a bancada federal de Mato Grosso do Sul (Foto: Reprodução)

O deputado Dagoberto Nogueira (PSDB), que é a favor da regra, acha que a indecisão gera insegurança jurídica e pode fomentar disputas que haviam sido acomodadas depois do acordo de setembro do ano passado, quando os governos estadual e federal compraram, por R$ 146 milhões, 9.500 hectares de terra em Antônio João, para restabelecer a TI Ñanderu Marangatu aos Guarani-Kaiová.

“Isso vai repercutir no nosso Estado, sim. Os conflitos podem voltar de forma muito séria. Estava tudo num momento bem pacífico e agora tenho medo que estimule as retomadas e os conflitos, o que não será bom para os indígenas e muito menos para os produtores. Quem estimula sempre fica de fora”.

Dagoberto defende que o governo compre as terras e pague aos produtores que, de boa-fé, também adquiriram as terras que ocupam e vivem a insegurança de quem tem de aguardar decisões judiciais que demoram décadas. “Tem de fazer como os americanos e o resto do mundo fez: comprar e entregar. Aqui o Estado não assume sua responsabilidade e deixa que o produtor e o indígena resolvam entre eles. Aí saem mortes e tudo o que a gente está vendo até hoje”.

Seu colega de partido, Geraldo Resende interpretou a indecisão da Câmara de Conciliação como manutenção do marco e ressalta que o diálogo liderado por Mendes representa o caminho “sensato e equilibrado” para a pacificação dos conflitos fundiários no Brasil, especialmente em estados como Mato Grosso do Sul.

“Essa via conciliatória busca harmonizar dois pilares fundamentais: o respeito aos direitos constitucionais dos povos indígenas – sem abrir espaços para retrocessos ­– e a garantia de segurança jurídica para produtores rurais e proprietários de terras, promovendo estabilidade e justiça no campo”.

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Indígenas e o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, seguram documento de acordo durante audiência de conciliação realizada pelo STF em 25 de novembro, em Brasília (Foto: Antonio Augusto/STF)

Defensor radical do marco temporal e único representante do PP na Câmara, o deputado Dr. Luiz Ovando se disse indignado e acusa uma nova investida do STF contra a soberania do Parlamento ao tentar mexer na lei 14.701. “O Congresso já se debruçou sobre o tema, aprovando, com ampla maioria, a Lei nº 14.701/2023.

Trata-se de uma decisão legítima, respaldada por quase 400 votos, e que reflete o desejo da maioria do povo brasileiro: segurança jurídica no campo, respeito à propriedade privada e garantia de paz no meio rural. Infelizmente, o STF tem insistido em extrapolar suas funções constitucionais e avança sobre competências que são, por natureza, exclusivas do Poder Legislativo.

A tentativa de reescrever a legislação por meio de comissões “conciliatórias” e minutas substitutivas é, na prática, uma afronta à independência dos Poderes”. Ovando diz que decisões políticas não podem ser impostas por via judicial e que o Brasil precisa de estabilidade, “não de incertezas criadas em gabinetes que ignoram a realidade do produtor rural e o drama das famílias que vivem no campo sob ameaça constante”.

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Soraya, Nelsinho e Tereza, os 3 senadores de MS (Foto: reprodução)

A posição da bancada de senadores é igualmente a favor do marco temporal. Dos três senadores procurados por Campo Grande News só Tereza Cristina não retornou. Suas posições são, no entanto, conhecidas: ela faz a defesa intransigente das propriedades rurais privadas, envolveu-se diretamente na mediação de conflitos a favor dos fazendeiros e foi a quem mais incentivou a criação da Frente Parlamentar Invasão Zero, movimento que se contrapõe ao indigenismo e aos sem-terra com atuação mais radical que a antiga UDR.

O senador Nelsinho Trad (PSD) frisa que cabe ao Congresso decidir. “A questão das demarcações em Mato Grosso do Sul, com mais de 100 áreas em análise e conflitos históricos, como o de Nhanderu Marangatu, gera profunda insegurança jurídica. Defendemos o marco temporal como essencial para trazer previsibilidade e paz ao campo. Não se trata de negar direitos, mas de estabelecer critérios claros para evitar novos conflitos. Cabe ao Congresso encontrar um equilíbrio que proteja a todos”, afirma.

A senadora Soraya Thronicke (Podemos) ressalta que o debate sobre o marco é, acima de tudo, uma questão de segurança jurídica e de respeito à Constituição. “A definição de ‘terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas’ não pode se basear em conceitos vagos ou em uma ocupação que remonte a tempos imemoriais”, critica.

Segundo ela o 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, “é um referencial legítimo, já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no caso Raposa Serra do Sol”. Em setembro de 2023, o próprio STF decidiu, no entanto, que o marco era inconstitucional.

Soraya afirma que apesar de ter se omitido, cabe ao Congresso fazer valer o limite temporal para as demarcações. “É papel do Parlamento consolidar esse entendimento, para garantir estabilidade tanto às populações indígenas quanto aos produtores rurais, assentados e pequenos agricultores. Infelizmente, por anos, o Congresso Nacional se omitiu nessa pauta e, por isso, o Judiciário teve que intervir, mas acredito que a prerrogativa de legislar deve ser respeitada.

Cabe ao Congresso estabelecer a norma e ao Supremo interpretá-la dentro dos limites constitucionais. Precisamos respeitar a separação entre os Poderes e dar segurança jurídica a todos os brasileiros".

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