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Grávida vítima de zika deve ter direito ao aborto? SIM

Por Débora Diniz (*) | 24/02/2016 14:52

Vítimas de zika não podem ser forçadas a manter uma gravidez que pode trazer riscos ainda desconhecidos a sua saúde e a de seu futuro filho.

O escândalo não deve ser o direito ao aborto em caso de zika, mas a negligência do Estado brasileiro em enfrentar a epidemia. A conversa precisa ganhar contornos justos, e o mais importante deles é reconhecer que as mulheres estão desamparadas pela incapacidade do Estado de eliminar o mosquito.

Não podemos nos confundir agora, pois falar em direito ao aborto parece provocar um novo pânico. Direito ao aborto é só uma das formas de proteger as necessidades de saúde das mulheres em uma tragédia epidêmica. E não há nada de eugenia aqui, uma palavra que perturba pelo passado de terror e pelo prenúncio de discriminação injusta.

Segundo a OMS, “o nível de alarme é extremamente alto” para os riscos de má-formação no feto causada pelo zika. O conjunto de variações etiológicas do feto é descrito como “microcefalia”, mas estamos diante de um novo quadro clínico ainda a ser descrito.

Para cuidar dessa metamorfose epidêmica, é preciso um pacote amplo de proteções aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres: a) acesso irrestrito aos métodos contraceptivos; b) teste para o zika em rotina de pré-natal; c) possibilidade do aborto legal em caso de testagem positiva ao zika. Para as mulheres infectadas pelo zika que não desejarem o aborto, deve haver pré-natal com cuidados específicos.

Repito: sabemos pouco sobre os efeitos do zika em mulheres grávidas.

Não há nada que se assemelhe à eugenia aqui. O Estado não impõe às mulheres o aborto. Ao contrário, há uma grave violação à saúde pela vivência da gravidez em tempo de epidemia: direito ao aborto ou cuidados precoces são duas maneiras de amparar as mulheres grávidas.

Um estado democrático de direito reconhecerá essa diversidade de escolhas: as mulheres nem serão forçadas a manter-se grávidas sob riscos ainda desconhecidos a sua saúde e a de seu futuro filho, tampouco serão forçadas a abortar. Um Estado eugênico não reconhece o direito à autonomia da vontade, pois é um regime político totalitário de gestão da vida.

Mas há outra razão para afugentarmos o fantasma da eugenia desta conversa. A epidemia fez crescer o número de crianças com deficiência em regiões pobres do Brasil – por isso, medidas de proteção social que respeitem o novo marco constitucional da pessoa portadora de deficiência devem ser urgentemente adotadas.

Não há isso de “geração de sequelados”, como disse o ministro da Saúde. Menos ainda a solução de um salário mínimo para as famílias com crianças afetadas pelo zika: um Estado social forte não se resume à transferência de renda no limite da pobreza. A verdade é que não há incompatibilidade de agendas para o enfrentamento da epidemia: movimentos de mulheres e de pessoas com deficiência devem andar lado a lado.

São as mulheres as principais vítimas da epidemia, e são as mulheres as cuidadoras das crianças com deficiência. Cabe a elas a escolha sobre seu projeto de vida e de família, especialmente em um momento dramático como uma epidemia.

(*) Débora Diniz é professora Faculdade de Direito, da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero. Graduada em Ciências Sociais, mestre e doutora em Antropologia, todos pela UnB, com Pós-doutorado pela UnB e pela University os Leeds (Inglaterra).

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