Inveja e evolução
Sabe aquele dito da roça, "inveja mata"? Pois lá nos antigamente mesmo, foi capaz de ser assim – Caim de olho no irmão, não deu outra: sangue no terreiro, o primeiro crime da história. A coisa era feia, não tinha papinho de perdão, não. Mas o tempo vai passando e, de grão em grão, a gente aprende um tanto.
Vê só o caso do José, aquele dos sonhos coloridos e casaco todo chique. O povo da família, roído de inveja, não teve coragem de acabar com o irmão feito Caim. Jogaram ele num buraco, venderam feito gado no leilão. Já melhorou um pouco: deu tempo de contar história depois. E olha que da desgraça saiu coisa boa. Virou gente grande lá no Egito, salvou meio mundo de passar fome. A vida tem dessas: aperta, mas ensina.
E nessa de viver, cada um com seu latifúndio. Nem precisa sonhar com prêmio grande igual Nobel. Dizia o professor Antônio Cândido — e ele sabia das coisas — que cronista de verdade só ganha prêmio do coração mesmo. Imagina, eu aqui, escrevendo, pensando que ninguém nota. Mas esses dias, recebi um chamado: uma criança de 9 anos, com jeito de quem cria esperança, me disse que minhas palavrinhas tinham dado força pra enfrentar a vida.
Nesse instante vi que minha medalha já veio: não é ouro, nem diploma, é esse trem bão que é tocar um pouquinho a vida do outro.
Literatura, meu amigo, é igual pão de queijo quente: acolhe, alimenta e às vezes, salva até a alma. Camões, que já errou mais que galinha nova cisca, redimiu-se na poesia. José achou a glória no fundo do poço. Eu, cronista de buteco, ganhei o maior prêmio com um telefonema de menino.
No fundo, a gente só quer um tantinho de redenção — pra perdoar quem já foi Caim, quem já foi vendido, quem já andou meio perdido. E se a palavra não leva pro Nobel, que leve pelo menos até o coração de alguém. Já é prêmio demais pra qualquer caipira sonhador.
(*) André Naves é Defensor Público Federal.
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