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Nova lei traz punição para 'cola eletrônica'

Por Márcio André Lopes Cavalcante* | 24/12/2011 08:05

No último dia 16 de dezembro foi publicada a Lei 12.550/2011, trazendo a previsão de um novo crime no Código Penal, “fraudes em certames de interesse público”. Trago ao debate algumas impressões iniciais sobre o novo tipo penal: Capítulo V. Das fraudes em certames de interesse público. Art. 311-A. Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:

I - concurso público;

II - avaliação ou exame públicos;

III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou

IV - exame ou processo seletivo previstos em lei:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Bem jurídico: o novo tipo penal foi inserido no Título X, que trata dos “crimes contra a fé pública”. Desse modo, segundo a posição topográfica, o bem jurídico protegido é a fé pública. Apesar disso, quando o certame for promovido pelo Poder Público, tenho que o bem jurídico protegido será também a própria Administração Pública.

Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum). O conteúdo sigiloso, a que se refere o caput do dispositivo, não precisa ter sido obtido por pessoa com características especiais.

Vale ressaltar, no entanto, que se o fato é cometido por funcionário público a pena é aumentada de 1/3 (um terço), conforme previsto no § 3º do art. 311-A do CP: § 3º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público.

Rememore-se que se equipara a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública (§ 1º do art. 327 do CP).

Sujeito passivo: a coletividade. Secundariamente, tem-se que também são vítimas:

a) o ente público ou privado que deflagrou o certame (exs: União, Estado, Município, a entidade privada, como o Sebrae, SesiI, a universidade privada, entre outros);

b) os demais candidatos prejudicados pela conduta do agente.

Tipo objetivo: Utilizar, que está empregado no sentido genérico de “fazer uso”. Divulgar, que significa “tornar público ou conhecido”, ainda que apenas para uma única pessoa, um conteúdo que ostenta o caráter de sigiloso. Indevidamente, isto é, fora das hipóteses permitidas por lei, edital, contrato ou demais regras inerentes ao certame. Com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, trata-se de um especial fim de agir, o que a doutrina clássica denomina de dolo específico.

Conteúdo sigiloso: é aquele conhecido por poucos e que não pode ser revelado. Não há uma lei ou outro ato normativo que defina o que seja sigiloso, não sendo o tipo em comento uma norma penal em branco. Desse modo, “conteúdo sigiloso” é um elemento normativo do tipo, ou seja, depende de um juízo de valor a ser feito pelo magistrado, no caso concreto.

O conteúdo sigiloso de um concurso ou seleção envolve não apenas as perguntas e repostas das provas a serem aplicadas, podendo abranger toda e qualquer informação que não seja de conhecimento público e que, se divulgada, tenha potencial para beneficiar alguém ou comprometer a credibilidade do certame.

Assim, configura o crime em estudo a conduta de divulgar, antes das provas, de forma não pública, isto é, para uma ou algumas pessoas, a quantidade de questões que serão cobradas por disciplina, os nomes dos examinadores, a abordagem metodológica que prevalecerá na prova (doutrina, jurisprudência ou texto de lei), enfim, informações que beneficiem, ainda que em tese, determinados candidatos, por gerarem tratamento diferenciado.

A pedra de toque, portanto, é o resguardo ao princípio da impessoalidade, no seu sentido de igualdade, ou seja, não se permite que determinados candidatos tenham informações privilegiadas, não acessíveis a todos indistintamente.

Divulgação antecipada do resultado do concurso para poucas pessoas:

Prática não rara na seara dos concursos são as notícias de que o resultado de determinado concurso foi divulgado anteriormente a algumas poucas pessoas, em especial servidores do órgão para o qual os cargos se destinam. Normalmente isso ocorre porque a Instituição organizadora do certame remete ao órgão público contratante o resultado do concurso para que o presidente da comissão o assine e envie ao Diário Oficial para publicação, procedimento que pode durar alguns dias.

Se o presidente da comissão, antes da publicação do resultado no Diário Oficial, divulga a classificação final do certame e a relação de aprovados para outras pessoas, ele comete o crime do art. 311-A do CP? Penso que não. Em primeiro lugar, porque com o encerramento da fase de correção das provas e a remessa do resultado, pela Instituição organizadora ao órgão contratante, não há mais sigilo dessa informação. A publicação no Diário Oficial é tão somente uma formalidade destinada a garantir a ampla publicidade, mas que não tem o condão de fazer com que, antes de sua efetivação, as informações sejam tidas como sigilosas pelo simples fato de não terem sido veiculadas na Imprensa Oficial. Ademais, como um segundo aspecto a ser considerado, deve-se mencionar que faltaria ao agente o elemento subjetivo especial considerando que ele não agiu com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame.

Não importa o meio pelo qual o agente tenha obtido a informação de conteúdo sigiloso: como dito, o crime é comum, de sorte que não se exige que o sujeito ativo seja funcionário da Instituição organizadora do concurso, da empresa promotora da seleção, etc.

Espécies de certame: o tipo penal trata da fraude em quatro espécies de certame, que não se constituem em meros sinônimos, possuindo, cada um deles, sentido próprio.

a) Concurso público: consiste no procedimento administrativo utilizado pela Administração Pública para selecionar, por meio de provas ou de provas e títulos, os servidores, em sentido amplo, que irão ocupar cargos ou empregos públicos. O conceito de concurso público é restrito, portanto, à Administração Pública.

b) Avaliação ou exame públicos: trata-se de um procedimento por intermédio do qual o Poder Público, ou mesmo entidades privadas, por meio de provas, currículos ou outros instrumentos impessoais de aferição do mérito, fazem a seleção de pessoas para o desempenho de funções, para que tenham direito de acesso a cursos de vagas limitadas ou para o gozo de outros benefícios decorrentes do êxito no certame. Aqui se enquadram, por exemplo, i)os processos seletivos públicos para contratação de profissionais para o Sebrae; ii)as seleções para ingresso nos colégios militares e nas escolas técnicas; iii)o exame público de habilitação na função de agente da propriedade industrial do INPI; iv)o exame público de qualificação de Mestrados e Doutorados; v)seleção de candidatos à residência médica ou odontológica.

c) Processo seletivo para ingresso no ensino superior: além do tradicional vestibular, existem outras formas de processo seletivo para ingresso no ensino superior, como é o caso das avaliações seriadas (que englobam provas em todos os anos do ensino médio) e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

d) Exame ou processo seletivo previstos em lei: nesse inciso podem ser incluídos, por exemplo, o exame da ordem (art. 8º, IV, da Lei 8.906/94) ou o processo seletivo simplificado para contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 3º, da Lei 8.745/93).

Concurso previsto na Lei de Licitações

A Lei 8.666/93 prevê uma modalidade de licitação denominada “concurso” por meio do qual se escolhe, entre quaisquer interessados, o melhor trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores (art. 22, § 4º). Deve-se deixar claro que o “concurso” versado pela Lei 8.666/93 não se confunde com o “concurso público” para seleção de servidores. Enquanto o aprovado no concurso público tem como objetivo o provimento em cargo público, no concurso – modalidade de licitação – a contrapartida é somente um prêmio ou remuneração, e não a investidura da pessoa, ou seja, ela não será contratada pelo Poder Público. Caso seja fraudada essa espécie de “concurso”, tratada pela Lei de Licitações, o crime não será o do art. 311-A do CP, mas sim o do art. 90, da Lei 8.666/93, que é específico em relação ao do Código Penal e por isso não foi derrogado.

Violação de sigilo funcional: o tipo do art. 311-A do CP é especial em relação ao delito do artigo 325 do CP.

Extensão prevista no § 1º:

O § 1º do art. 311-A prevê:

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput.

Tenho como evidente que o sujeito que permite ou facilita o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput, em verdade, divulga ou utiliza, indevidamente, o conteúdo sigiloso do certame. Desse modo, entendo que a previsão do § 1º é desnecessária considerando que todas as possíveis situações por ele tratadas já estão suficientemente abarcadas pelo caput do dispositivo. Apesar de não prever expressamente, parece-me claro que, neste § 1º, também se exige o especial fim de agir, ou seja, a intenção do agente de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame.

A “cola eletrônica” passou a ser incriminada com esse novo dispositivo? Ficou conhecida como “cola eletrônica” o procedimento fraudulento utilizado por alguns candidatos que respondiam as provas de vestibulares ou de concursos públicos com a ajuda de um “ponto eletrônico” (como os de apresentadores de TV) ou com outras formas de comunicação escondida (celulares, p. ex.). Uma ou algumas pessoas contratadas, especialistas nos temas do vestibular ou do concurso faziam a prova e, já do lado de fora da sala, passavam as respostas corretas por meio dessas tecnologias ao candidato mancomunado que, com tal auxílio, respondia a prova. Situação como essa relatada chegou até o Supremo Tribunal Federal no Inquérito Policial 1.145/PB.

Durante o julgamento, surgiram duas teses entre os ministros: para uns, a “cola eletrônica” seria estelionato; para outros, essa conduta não atenderia aos requisitos do art. 171 do CP. Prevaleceu a segunda posição, isto é, entendeu-se que: a) não seria estelionato porque não haveria obtenção de vantagem patrimonial (econômica); b) também não seria falsidade ideológica porque as respostas dadas pelos candidatos, por mais que obtidas fraudulentamente, corresponderiam à realidade.

Enfim, o STF entendeu que a conduta descrita nos autos como “cola eletrônica” era atípica e que não haveria nenhum tipo penal no direito brasileiro incriminando esse procedimento.

(Inq 1145, Relator(a): Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2006, DJe-060 DIVULG 03-04-2008)

Com a previsão do art. 311-A do CP, não há dúvidas de que a “cola eletrônica” passou a ser criminalizada. O especialista contratado que faz o vestibular ou o concurso e, antes de terminar o prazo de duração das provas, transmite, por meio eletrônico, as respostas corretas ao candidato que se encontra fazendo ainda a prova pratica a conduta de divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a outrem, conteúdo sigiloso do certame. Por outro lado, quem recebe os dados utiliza indevidamente o conteúdo sigiloso com o fim de beneficiar-se, de sorte que é coautor.

Com efeito, antes de terminar o prazo de duração da prova, as respostas que um candidato deu são sigilosas com relação aos demais candidatos que ainda se encontram fazendo a prova. Ao divulgá-las, a pessoa pratica os elementos descritivos e normativos do tipo penal do art. 311-A do CP. Não há, portanto, mais espaço para a alegação de atipicidade na prática da chamada “cola eletrônica”. Vale ressaltar, à obviedade, que a Lei 12.550/2011 somente pode ser aplicada aos fatos ocorridos após 16/12/2011, não podendo ter efeitos retroativos por representar novatio legis in pejus.

E a “cola tradicional”, também encontra tipificação no art. 311-A do CP? Sim. É o caso, por exemplo, de um candidato que, durante o período da prova, é flagrado no banheiro do colégio consultando um livro de doutrina para conseguir responder corretamente as questões. Na hipótese relatada, o agente estará utilizando informação de conteúdo sigiloso (as questões da prova durante o período de sua realização) para consultar as respostas corretas no livro (ou na cola que leve pronta para o concurso).

Crime de conduta livre: o delito em comento pode ser praticado por ação ou omissão. Exemplo no caso de conduta comissiva: funcionário da Instituição organizadora do concurso “vende” a prova a determinados candidatos antes de sua realização. Exemplo na hipótese de conduta omissiva: fiscal de sala do concurso, previamente cooptado pelo candidato meliante, finge não ver que o agente está respondendo a prova com o uso de um “ponto eletrônico”.

Elemento subjetivo: é o dolo, acrescido de um especial fim de agir (“dolo específico”), qual seja, a intenção do agente de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame. Não há previsão da modalidade culposa.

Consumação: cuida-se de crime material, exigindo, portanto, a produção de resultado naturalístico, consistente na utilização ou divulgação de conteúdo sigiloso do certame. A consumação ocorre com a utilização ou divulgação, ainda que parcial do conteúdo sigiloso. No exemplo da “cola eletrônica”, se o especialista transmitiu uma única resposta da prova para o candidato está consumado o delito, ainda que a comunicação das demais questões não tenha sido possível em virtude do fiscal da sala ter percebido o fato e ter retirado a prova e o aparelho receptor do candidato beneficiado.

Obtenção de vantagem: O tipo não exige que o agente ou terceiro tenha obtido qualquer vantagem. Tal situação, caso ocorra, poderá ser considerada nas circunstâncias judiciais (art. 59 do CP).

Prejuízo à administração pública ou a outras pessoas: De igual modo, não é indispensável que tenha havido prejuízo ao Poder Público ou a outras pessoas. No entanto, se da ação ou omissão resulta dano à administração pública, há a incidência de uma qualificadora prevista no § 2º fazendo com que a pena passe a ser de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 2º Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

O dano de que trata esse § 2º não é apenas o dano patrimonial, como poderia parecer em uma análise rápida. Abrange, portanto, também o dano moral ou, como alguns autores preferem no caso de pessoas jurídicas, o “dano institucional”. Essa conclusão é construída pelo fato de que o tipo penal está incluído no Título que trata sobre os crimes contra a “fé pública”, de modo que tutela a crença da sociedade no valor e legitimidade das Instituições e, no caso específico, dos certames públicos. Abalar essa convicção geral significa produzir danos não aferíveis economicamente, mas igualmente lesivos, como o desestímulo de que os bons profissionais realizem novamente o concurso daquele ente público ou organizado por aquela determinada Instituição.

A ocorrência desse dano, seja patrimonial ou institucional, há de ser devidamente comprovada não sendo razoável imaginar que toda e qualquer fraude tentada ou mesmo consumada gere a incidência da qualificadora. No caso, por exemplo, de uma fraude tentada, mas que foi descoberta e não gerou a anulação do concurso ou de nenhuma questão, não há que se falar em dano à administração pública.

Sublinhe-se ainda o fato de que a qualificadora somente é cabível no caso de dano à administração pública, de sorte que, se a fraude ocorreu em vestibular de universidade privada, por exemplo, tendo sido a seleção anulada por conta do crime, mesmo assim não haverá a incidência do § 2º por se tratar de dano à instituição privada.

Tentativa: tratando-se de crime material, a tentativa é perfeitamente possível. Ex: no esquema da “cola eletrônica”, o especialista que respondeu a prova, digitou todas as respostas no transmissor eletrônico, no entanto, por uma falha no aparelho, a comunicação com o candidato que ainda estava respondendo a prova não se concretizou. Frise-se, mais uma vez, que, se houve a comunicação de uma única questão, o crime restou consumado.

Deve-se atentar para o fato de que não são puníveis os atos preparatórios. Para o fim de ilustrar a diferença entre os atos preparatórios e os executórios, tomemos mais uma vez um exemplo decorrente da “cola eletrônica”.

Se o edital do concurso afirma que o candidato não pode, após o início das provas, portar aparelho de comunicação e o agente é flagrado, pelo fiscal de sala, antes de iniciar o teste, com um “ponto eletrônico”, trata-se de mero ato preparatório, não sendo punível a tentativa.

Situação diferente ocorreria se esse mesmo candidato fosse surpreendido com o “ponto eletrônico” após o início da prova, ocasião em que já iniciou a execução do crime, mesmo que ainda não tenha recebido nenhuma resposta no aparelho de comunicação que portava. Cuida-se aqui de tentativa (art. 14, II do CP) uma vez que o início de execução do crime não se confunde, necessariamente, com o início de execução da ação típica.

Competência: em regra, a competência é da justiça estadual. Vale ressaltar, no entanto, que, se o delito for praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, a competência será da Justiça Federal. É o caso, por exemplo, de fraudes em concurso para cargos ou empregos públicos de órgãos, autarquias, fundações ou empresas públicas federais.

Competência no caso de concursos públicos organizados pelo CESPE: Questão interessante diz respeito aos concursos organizados pelo Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília. O CESPE é um órgão desprovido de personalidade jurídica, integrante da UnB, que, por sua vez, é uma fundação federal. Diante disso, indaga-se: no caso de fraude em concurso, organizado pelo CESPE, mas para cargo público de ente estadual (exs: MPE, DPE, Polícia Civil etc.), de quem será a competência para processar e julgar esse delito?

No caso de demandas cíveis, a jurisprudência do STJ e do TRF da 1ª Região é firme no sentido de que, se o concurso organizado pelo CESPE, destina-se a preencher cargos em ente público estadual, a competência é da justiça estadual. O argumento mencionado nos julgados é o de que tendo o CESPE/UnB sido contratado pelo Poder Público do Estado, compete ao juízo comum estadual dirimir controvérsias acerca do referido certame. Nesse sentido, confira-se:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. ACÓRDÃO FIRMADO EM LEI LOCAL.

1. A competência para o exame de questões afetas a concurso público da Polícia Militar do Distrito Federal, realizado pelo Cespe, que ingressou no processo na qualidade de assistente, é da Justiça comum estadual, pois o ente federal é mero executor (Precedente da Sexta Turma).

2.Recurso especial ao qual se nega seguimento. (REsp 997.291 - DF - Ministro CELSO LIMONGI (Des. Conv. do TJ /SP, 16/03/2010)

PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. SECRETARIA DE ESTADO DE DEFESA SOCIAL DE MINAS GERAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO CESPE/UNB. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

I - A circunstância de o CESPE/UnB haver sido contratado para realizar o concurso não acarreta a sua legitimidade ou seu interesse processual para intervir no polo passivo da ação como réu ou assistente.

II - Ainda que se reconhecesse a legitimidade passiva do CESPE/UnB para integrar a lide, tem-se que, no caso, o órgão agiu com base em competência delegada por outro ente federativo, no caso o Estado de Minas Gerais, o que também é suficiente para afastar, por si só, a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito.

III - Incompetência da Justiça Federal reconhecida, de ofício. Remessa dos autos principais à Justiça Estadual determinada. Agravo de Instrumento prejudicado. Devolução ao MM Juízo a quo. (AG 2009.01.00.025436-0/DF, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma,e-DJF1 p.419 de 24/10/2011)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO DO ESTADO DO ACRE. PROVA ELABORADA PELO CENTRO DE SELEÇÃO E PROMOÇÃO DE EVENTOS (CESPE) UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB), POR DELEGAÇÃO DO ESTADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS.

I. Atuando o CESPE/UnB por delegação de órgão do Estado do Acre, em promoção de concurso público para provimento de cargo de Juiz de Direito Substituto, compete à Justiça do Estado processar e julgar os processos em que é impugnada matéria atinente estritamente ao certame.

II. Reserva da vaga pretendida, para preservar a possibilidade jurídica do pedido, até posterior exame pelo juízo competente.

III. Apelações prejudicadas. Incompetência da Justiça Federal reconhecida, com a declaração de nulidade dos atos decisórios e a remessa dos autos à Justiça do Estado do Acre. (AC 2009.34.00.000767-5/DF, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Conv. Juiz Federal Francisco Neves Da Cunha (conv.), Sexta Turma,e-DJF1 p.450 de 14/11/2011)

Penso que esse entendimento, inteiramente adequado para as ações cíveis, não deve prevalecer quanto às lides penais. Desse modo, no caso de fraudes a concursos públicos organizados pelo CESPE/Unb, ainda que para cargos estaduais, a competência será da Justiça Federal tendo em vista que o crime terá sido praticado em detrimento de serviço prestado pelo CESPE/Unb, entidade pública federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/88. Cumpre esclarecer que a logística quanto à segurança do conteúdo das provas, acesso aos locais de realização e sigilo quanto às respostas é atribuição do CESPE/Unb e não da Instituição contratada. Logo, em tais hipóteses o CESPE não atua como mero delegatário, mas sim em atividade própria.

Vale ressaltar, como já feito, que o crime em tela tem como objeto jurídico a fé pública. No caso de fraude em concurso organizado pelo CESPE/Unb foi a fé pública da Instituição, sua confiabilidade e imagem de segurança que foram vilipendiadas pela conduta do agente.

A competência da justiça federal torna-se ainda mais patente se o caso envolver diretamente servidor público do CESPE, hipótese na qual, penso, não haverá dúvidas quanto à competência federal.

Preceito secundário insuficiente à proteção satisfatória do bem jurídico: A pena prevista para o tipo (reclusão, de 1 a 4 anos, e multa) revela-se desproporcional à intensa gravidade do crime.

A realização de uma seleção ou concurso público, além de implicar no dispêndio de vultosos recursos financeiros, de abranger o serviço de inúmeras pessoas e de demandar um complexo sistema logístico, envolve o sonho, a esperança e a completa dedicação de milhares de candidatos que vislumbram nesse projeto a perspectiva de, mediante o mérito, alcançarem situações de vida melhores.

O reconhecimento da existência desses inúmeros fatores, aliado à enorme quantidade de vítimas secundárias desse delito, faz com que se conclua que a reprimenda penal foi insatisfatória para o trauma social que essa forma de delinquência causa nos envolvidos.

Relembre-se que, pela pena prevista no caput do art. 311-A do CP, é inadmissível a pena de decretação de prisão preventiva (art. 313, I, do CPP) e será praticamente certa a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos (art. 44 do CP), isto é, se o processo tiver curso normal, visto que é ainda cabível, em tese, a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95).

Para realçar a insuficiência do preceito secundário, deve-se fazer uma comparação com o estelionato. No crime de fraude a certames a pena máxima imposta é menor que a prevista para o delito de estelionato (art. 171, caput, do CP), sendo que, no estelionato, na grande maioria dos casos, há apenas uma ou poucas vítimas. Aliás, na hipótese de o estelionato abranger mais de um ofendido, pode-se aplicar o instituto do concurso formal (art. 70 do CP), fazendo com que a reprimenda seja aumentada. Como no delito do art. 311-A do CP, o sujeito passivo é a sociedade, mesmo havendo milhares de candidatos prejudicados com a fraude, não há possibilidade de ser imposta a causa de aumento do art. 70 do CP considerando que o crime será único.

Impende mencionar, ademais, que o estelionato é uma infração penal que tem como único bem jurídico atingido o patrimônio, enquanto que, no delito de fraude a certames, temos como bens jurídicos vilipendiados a fé pública, o patrimônio dos demais candidatos e, eventualmente, o da própria administração pública.

Concluindo, a despeito de abarcar a violação a mais bens jurídicos e a uma pluralidade maior de vítimas, o crime do art. 311-A do CP (a meu ver, uma forma especial e qualificada de estelionato) é punido com menor rigor que a infração penal do art. 171 do CP. Como único alento, tem-se que, quase sempre, a fraude a concursos públicos gera dano à administração pública, de sorte a atrair a incidência da qualificadora prevista no § 2º do art. 311-A do CP, fazendo com que a pena passe a ser de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Suspensão condicional do processo: Se o acusado for denunciado pelo art. 311-A, caput ou § 1º, do CP, isto é, sem a incidência do § 2º, terá direito à suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95).

Inadmissibilidade de decretação da prisão preventiva: Se o acusado estiver indiciado ou for denunciado pela forma simples do delito do art. 311-A do CP, não caberá a decretação de prisão preventiva, em virtude de a pena máxima ser inferior a 4 anos (art. 313, I, do CPP).

Prisão em flagrante: é possível. No entanto, como a prisão preventiva não é admitida, ao flagranteado deverá ser concedida liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 310, III, do CPP).

Acentuada probabilidade de o condenado receber pena restritiva de direitos: Em caso de condenação pelo delito do art. 311-A do CP, se a fraude não foi praticada mediante violência ou grave ameaça à pessoa e se o sentenciado não for reincidente em crime doloso, é muito grande a probabilidade de a pena privativa a ele aplicada ser substituída por restritiva de direitos.

Proibição de participação em concurso, avaliação ou exame públicos como nova forma de interdição temporária de direitos: A interdição temporária de direitos é prevista no CP como uma das modalidades de pena restritiva de direitos (art. 43, V). A Lei 12.550/2011 acrescentou uma nova espécie de pena de interdição temporária de direitos, inserindo o inciso V ao art. 47 do CP: Art. 47. (...) V - proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos.

Desse modo, caso o candidato que fraudou ou tentou fraudar o certame seja condenado, se a pena privativa de liberdade for substituída por restritiva de direitos, revela-se recomendável ao magistrado aplicar a novel sanção do art. 47, V, do CP. Essa proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos durará pelo tempo da pena privativa de liberdade imposta e que foi convertida.

A inserção desse inciso V ao art. 47 do CP revela que a intenção deliberada do legislador, ao prever o preceito secundário do delito do art. 311-A do CP, foi justamente a de possibilitar a aplicação da pena restritiva de direitos para o condenado pelo crime tanto que, já antevendo tal situação, fez inserir nova espécie de interdição temporária de direitos específica para o caso.

Esse art. 47, V, do CP não tem aplicação restrita à condenação pelo art. 311-A do CP podendo ser utilizado como sanção restritiva de direitos pelo magistrado em outras hipóteses, desde que haja relação com a conduta praticada. Seria o caso, por exemplo, de uma condenação por crime contra a administração pública.

(*) Márcio André Lopes Cavalcante Juiz Federal Substituto no TRF da 1ª Região. Editor do Portal Jurídico “Dizer o Direito”. Foi Defensor Público estadual, Promotor de Justiça e Procurador do Estado.

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