O constrangimento de quem não bebe: reflexões sobre o “Sober Shaming”
Em um mundo onde o consumo de álcool é frequentemente romantizado e associado a celebrações, descontratação e pertencimento, optar por não beber pode, paradoxalmente, transformar-se em motivo de questionamento, desconforto e até constrangimento. Esse fenômeno, conhecido como “sober shaming” (algo como “envergonhar quem é sóbrio”), revela um aspecto preocupante da cultura social: a dificuldade de respeitar escolhas pessoais que fogem ao padrão coletivo.
O que é o “Sober Shaming”?
O “sober shaming” ocorre quando alguém que opta por não consumir álcool é alvo de piadas, julgamentos ou insistências para beber. Frases como “Ah, mas só hoje!”, “Você não sabe o que está perdendo!” ou “Que chato, beba só para socializar!” são comuns e muitas vezes ditas de forma aparentemente inofensiva. Contudo, essas interações podem gerar desconforto, exclusão e até vergonha em quem escolhe permanecer sóbrio.
Por que as pessoas optam por não beber?
As razões para evitar o álcool são inúmeras e profundamente pessoais. Algumas delas incluem:
1. Motivações de saúde: Problemas de saúde, como doenças hepáticas ou intolerância ao álcool.
2. Histórico de dependência: Pessoas em recuperação do alcoolismo optam por evitar qualquer consumo para manter sua sobriedade.
3. Crenças pessoais ou religiosas: Algumas culturas e religiões desestimulam ou proíbem o consumo de álcool.
4. Preferência pessoal: Simplesmente não gostar do sabor ou dos efeitos do álcool.
5. Autocuidado emocional: A decisão de não beber para evitar comportamentos impulsivos ou prejudiciais.
O impacto do constrangimento
O “sober shaming” pode parecer uma brincadeira inocente para quem bebe, mas para quem está do outro lado, as consequências podem ser mais sérias:
• Exclusão social: A insistência pode gerar desconforto, afastando a pessoa de eventos sociais.
• Danos emocionais: Sentir-se julgado ou inferiorizado pode impactar a autoestima e a confiança.
• Riscos à sobriedade: Para quem está em recuperação, a pressão social pode desencadear recaídas.
Por que isso acontece?
O “sober shaming” reflete o quanto o consumo de álcool está normalizado e enraizado em rituais sociais. Beber é frequentemente interpretado como sinônimo de descontração e pertencimento, de modo que a decisão de não beber muitas vezes é vista como um “ato de resistência” ou até como um julgamento implícito das escolhas dos outros.
Como mudar esse cenário?
1. Respeitar as escolhas individuais: Nem todos precisam participar das mesmas práticas para se conectar socialmente.
2. Normalizar a sobriedade: Oferecer opções não alcoólicas em eventos e criar espaços onde beber não seja o foco.
3. Evitar insistências: Perguntar uma vez é educado; pressionar é constrangedor.
4. Desvincular álcool de pertencimento: Promover atividades e encontros que não girem em torno de bebidas alcoólicas.
Optar por não consumir álcool não deveria ser motivo de constrangimento ou exclusão. Ao contrário, é uma decisão tão legítima quanto escolher beber. Combatendo o “sober shaming”, avançamos para uma convivência mais inclusiva, onde cada pessoa possa ser respeitada por suas escolhas – com ou sem um copo na mão.
(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo.
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