Em plantão na porta de UPA, até ex-esposa se reveza para levar remédio e comida
Gastos com medicamentos de até R$ 1,5 mil e incerteza da recuperação angustiam familiares
Angústia resume os dias de famílias que fazem plantão nas UPAs em Campo Grande. Basta rodar algumas unidades para encontrar histórias, principalmente, de mulheres, que tem de arrumar tempo para dar suporte aos pacientes internados com covid-19 em leitos improvisados.
Sem estrutura para receber tantas internações, a rede municipal depende de comida e medicamentos bancados pelas famílias. Quem pode faz revezamento entre os familiares para levar alimentos e itens comprados por conta própria. Em uma das UPAs, encontramos até ex-esposa disposta a ajudar.
“Não tenho mais nem coragem de entrar lá. Minha filha veio de Corumbá e agora está lá dentro. É desesperador", desabafa a vigilante Noeli Alves, de 39 anos, ex-esposa de um paciente que deu entrada na UPA Leblon há quatro dias, e ainda espera transferência dele para hospital.
Mas a contar pelo movimento, a espera deve demorar. "Não para de chegar gente e você fica, muitas vezes, sem saber o que fazer”, comenta.
Gastos extras - Como o ex-marido não tem parentes aqui, nos últimos dias a rotina de Noeli foi ir até a UPA várias vezes ao dia para levar café da manhã, almoço e jantar. Além disso, ela diz que gastou, somente hoje, R$ 1,5 mil em remédios.
"Comprei porque minha filha que é da área conversou e eles disseram que a medicação que não tem na UPA, talvez ajudasse no caso dele”, comentou. Outra moça, que preferiu não se identificar, conta que ja comprou um medicamento de R$ 700 para a mãe e o que resume o clima na UPA é “estresse”.
Quem chegou hoje na UPA já começa a pensar em como dar conta da nova rotina. Ivanete Guedes da Silva, de 60 anos, desempregada, acompanha o companheiro de 55 anos com suspeita de covid-19.
“Ainda não sei como vou lidar com tudo. Talvez eu faça um revezamento com meus filhos. Só sei que estamos perdidos", diz aparentemente sem rumo diante da notícia da internação nesta segunda-feira.
"É muito complicado, porque vamos precisar ir atrás de comida e ainda estamos incertos sobre o remédio. Vou voltar para casa, trazer tudo que posso e começar a jornada”, diz Ivanete.
Do outro lado da avenida - Nos arredores, quem trabalha há anos assistindo o vai e vem de pacientes nas unidades de saúde, percebe que hoje o clima não é só de exaustão, mas de temor generalizado, até entre pessoas que ainda estão livres da covid.
Na UPA Universitário, a comerciante da lanchonete em frente conta que as pessoas têm demonstrado muito mais receio, não só pela pandemia, mas por outras doenças que dependem de leitos, cada vez mais escassos. “O clima tem sido de medo mesmo, é uma tensão bem forte”, revela Lucineide Lima Duarte, de 45 anos.