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Artes

Pai levado na ditadura é encontrado em Mato Grosso do Sul após 40 anos

Filme estreia em 10 de julho e narra a história de Luis Kaiowá, rezador separado de suas duas filhas

Por Mylena Fraiha | 09/07/2025 08:57
Pai levado na ditadura é encontrado em Mato Grosso do Sul após 40 anos
Retrato da família kaiowá-makaxali separada durante a ditadura. Da esquerda para a direita: Sueli Makaxali, Ceila Kaiowá, Luis Kaiowá, Maiza Makaxali e Vanusa Makaxali, em junho de 2022, na aldeia Panambizinho (Foto: Reprodução).

O reencontro entre pai e filhas, adiado por mais de quatro décadas devido à ditadura militar, é o cerne do documentário Yõg ãtak: meu pai, kaiowá, que estreia nos cinemas brasileiros no dia 10 de julho. A produção tem como um dos cenários a Terra Indígena Panambizinho, localizada em Dourados, no sul de Mato Grosso do Sul, e reconstrói a história de Luis Kaiowá, um rezador.

O filme é dirigido por Sueli Maxakali (que além de diretora, protagoniza parte da história), Isael Maxakali, Roberto Romero e Luisa Lanna, e acompanha a jornada das irmãs Sueli e Maiza Maxakali em busca do pai, Luis Kaiowá, que foi separado de sua família durante a ditadura militar, por agentes do então SPI (Serviço de Proteção ao Índio), atual Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

A separação forçada atravessa o tempo e estrutura o documentário. As filmagens ocorreram tanto em Minas Gerais quanto em Mato Grosso do Sul. Entre os integrantes da equipe está Michele Concianza Kaiowá, cineasta e moradora da aldeia Panambizinho, que atuou como assistente de direção de fotografia e que convive com Luis como ancião de sua comunidade.

Pai levado na ditadura é encontrado em Mato Grosso do Sul após 40 anos
Luis Kaiowá durante canto para seus parentes (Foto: Divulgação).

“A história dele é muito longa, porque ele é muito reconhecido em Mato Grosso do Sul, porque é rezadeiro, era curandeiro, ele faz batismo de crianças. Ele é nhanderu e ancião”, relata a cineasta guarani kaiowá, que também atuou na fotografia do Relatos de uma Guerra (2023).

Michele explica que a história fala de Luis ainda jovem, ele saiu de sua terra natal, a Aldeia Lagoa Rica (em guarani, Ita’y Ka’aguyrusu), localizada entre os municípios de Itaporã e Douradina (MS), e percorreu o país até chegar à aldeia maxakali de Água Boa, no município de Santa Helena de Minas (MG), onde viveu por mais de 15 anos. Ali, casou-se com Noêmia Maxakali e teve duas filhas. Cerca de dois meses após o nascimento de Sueli, ele e o primo foram devolvidos ao Mato Grosso do Sul, de onde nunca mais voltaram.

Pai levado na ditadura é encontrado em Mato Grosso do Sul após 40 anos
Sueli e Isael Makaxali durante entrevista com Luis Kaiowá, em gravação feita em aldeia de MS (Foto: Divulgação).

Crescidas entre os Tikmũ’ũn (Maxakali), Sueli e Maiza nunca mais tiveram notícias do pai. Atualmente, Sueli é professora, cineasta, artista visual e uma das principais lideranças do seu povo. Com a chegada da internet e os encontros interétnicos, as primeiras pistas sobre Luis surgiram. Pelo Facebook, as irmãs entraram em contato com as primas kaiowá Marlene e Clara, que informaram que o pai ainda estava vivo, em Mato Grosso do Sul.

Em 2019, a antropóloga Tatiane Klein entrou em contato com o antropólogo Roberto Romero. Tatiane, que atuava próximo à aldeia Laranjeira Nhanderu, onde Luis vivia, enviou fotos e vídeos para Sueli e Maiza. Elas gravaram um vídeo em resposta. Dias depois, Sueli falou com o pai por telefone pela primeira vez em mais de 40 anos. Foi quando nasceu a ideia do filme.

"A história é que ele sumiu da aldeia e da família. Todo mundo achava que ele tinha morrido, mas ele estava vivo. Naquela época não tinha celular, não tinha nada. Quem saía da aldeia e ia embora, ninguém ficava sabendo de nada", diz Michele.

O reencontro, no entanto, foi adiado pela pandemia. Durante esse período, Sueli e Isael lideraram um movimento de 100 famílias para a criação da Aldeia-Escola-Floresta, projeto de arte, educação e recuperação da Mata Atlântica. Com o avanço da vacina, a equipe retomou o projeto do filme. Em 2022, a viagem e o reencontro com o pai finalmente ocorreram.

Pai levado na ditadura é encontrado em Mato Grosso do Sul após 40 anos
Sueli se pinta para reencontrar o pai Luis Kaiowá em Mato Grosso do Sul (Foto: Divulgação).

A Sueli passou muito tempo procurando o pai. Quando soube que ele era kaiowá e vivia em MS, quis conhecê-lo. Mas como é cineasta, ela não queria só reencontrar, queria registrar. Fizemos três projetos para conseguir terminar o filme", explica Michele.

As gravações registram o ritual do espírito-gavião Mõgmõka, que marcou a partida de Sueli. Enquanto isso, a equipe no Mato Grosso do Sul filmava a expectativa na aldeia de Luis. Em entrevista feita por Michele em 2019, durante o batismo do milho, Luis falou das filhas deixadas entre os Maxakali. A história, tida por muitos como mito, foi confirmada por familiares após pesquisa conduzida pelos realizadores.

"Entre dois territórios, três línguas, muitos cantos e histórias, o filme se constitui como memória", diz a sinopse.

Dois povos, mesma luta - Os Tikmũ’ũn, ou seja, os Maxakali, somam cerca de 2.500 pessoas vivendo em quatro terras indígenas no nordeste de Minas Gerais. Os Guarani Kaiowá e os Guarani Ñandeva são mais de 65 mil, distribuídos em cerca de 60 comunidades no sul de Mato Grosso do Sul.

A Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, onde nasceu Luis, foi delimitada em 2011, mas seu processo de demarcação está suspenso por contestações judiciais. Por isso, os Kaiowá têm promovido retomadas de territórios.

“Ambos os povos compartilham uma história semelhante de esbulho de suas terras patrocinado pelo Estado e vivem hoje cercados por fazendas de criação de gado (Maxakali) ou monoculturas de cana e soja (Kaiowá)”, aponta a descrição oficial do filme.

Premiado no 57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Yõg ãtak: meu pai, kaiowá estreia dia 10 de julho com distribuição da Embaúba Filmes. Classificação: 16 anos.

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