Separação é gatilho para feminicídio, mesmo sem histórico violento, diz delegada
Na rotina de casos, experiência mostra que mulher tem de se preparar para ter segurança ao decidir romper

A separação, na maioria das vezes, se torna o ponto de ruptura fatal em relações dominadas por abuso. Muitas mulheres sequer têm histórico registrado de violência doméstica, tornando ainda mais difícil a prevenção. Exemplo recente é o caso de Ângela Nayhara Guimarães Gugel, de 52 anos, que foi assassinada no dia 8 de dezembro de 2025, no Bairro Taveiropólis, em Campo Grande. Ela foi a 38ª vítima de feminicídio no Estado este ano.
RESUMO
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O Mato Grosso do Sul registrou 39 feminicídios em 2025, superando os 35 casos do ano anterior. O momento da separação tem se mostrado especialmente perigoso para mulheres em relacionamentos abusivos, como evidenciado pelo caso de Ângela Nayhara Guimarães Gugel, assassinada pelo marido após 30 anos de casamento, quando manifestou desejo de separação. A delegada Analu Ferraz destaca que, apesar dos mecanismos legais existentes, como medidas protetivas e formulários de risco, a limitação operacional do Estado dificulta a proteção efetiva das vítimas. O estado também registrou mais de 22 mil casos de violência doméstica em 2025, demonstrando a gravidade do problema e a necessidade de ações preventivas mais eficazes.
Ângela estava casada há 30 anos com Leonir Gugel, seu assassino, e teria solicitado a separação na noite anterior ao crime. Na manhã do dia 8, após uma discussão, Leonir a matou com um canivete e uma faca de cozinha, antes de tentar se suicidar. O caso evidencia a vulnerabilidade das mulheres no momento em que decidem terminar um relacionamento abusivo.
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A delegada adjunta da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), Analu Ferraz, diz que o caso de Ângela é um exemplo claro de como a separação pode se tornar o gatilho para um feminicídio. "Não havia um histórico formal de violência doméstica, mas a discussão sobre a separação gerou uma reação extremamente violenta do agressor", explicou a delegada. “O agressor, ao perceber que estava perdendo o controle sobre a vítima, agiu de forma desesperada, sem pensar nas consequências”.
Em 2025, Mato Grosso do Sul já registrou 39 feminicídios até o dia 17 de dezembro, superando as 35 vítimas do ano anterior, 2024. Esse aumento também reflete o crescente número de casos de violência doméstica no Estado: 22.470 ocorrências registradas em 2025, comparadas a 22.993 em todo o ano de 2024. Esses números são alarmantes, pois indicam que, embora os registros de violência doméstica estejam aumentando, muitas vítimas continuam a ser assassinadas antes que possam buscar ajuda.

Separação: momento de alto risco para as mulheres - A separação é, sem dúvida, um dos momentos mais perigosos para a mulher em um relacionamento abusivo. "A vítima, ao decidir romper com o agressor, está atravessando o período mais arriscado de sua vida", afirma a delegada Analu Ferraz.
"O agressor, muitas vezes, vê a separação como uma ameaça ao seu controle, e é nesse momento que se torna mais letal. Ele acredita que, ao perder o poder sobre a mulher, sua masculinidade e honra estão sendo desafiadas”.
Analuz destaca que, apesar de existirem protocolos de segurança pública e mecanismos legais como a ficha do agressor e o formulário nacional de risco, o grande desafio continua sendo a limitação operacional do Estado.
“Embora o sistema possua as ferramentas para avaliar o risco, é praticamente impossível fazer uma vigilância constante sobre cada mulher que decide romper com o agressor. Isso significa que, quando a mulher pede a separação, o risco imediato de feminicídio se torna uma realidade difícil de controlar", alerta a delegada.
Violência psicológica - O ciclo de violência muitas vezes começa de forma insidiosa, com agressões psicológicas que são mais difíceis de identificar. "Muitas vezes, o agressor não agredirá fisicamente, mas vai destruindo psicologicamente a mulher ao longo do tempo, através de humilhações, isolamento e controle excessivo", explica Analu Ferraz. “Essa violência invisível cria um ambiente propício para a violência física e, eventualmente, para o feminicídio. A mulher, muitas vezes, não se reconhece como vítima, o que dificulta ainda mais a intervenção”.
A falha do sistema em identificar essa violência psicológica é um dos maiores obstáculos para prevenir tragédias como o feminicídio. De acordo com Ferraz, a ausência de boletins de ocorrência formais piora a situação: "Quando não há registro da violência, a resposta do sistema de justiça tende a ser mais lenta, o que pode significar que a mulher não tenha tempo de ser protegida antes do ato”.
O desafio do Estado e as medidas protetivas - Muitas mulheres não sabem que podem solicitar medidas protetivas já nas primeiras 24 horas após uma situação de violência, seja física ou psicológica. Analu destaca a importância dessas medidas como uma ferramenta preventiva vital.
"A medida protetiva não depende de um crime cometido, mas sim do risco identificado pela mulher. E é fundamental que ela saiba que pode pedir ajuda de forma imediata”.
Em Mato Grosso do Sul, a solicitação da medida protetiva pode ser feita de forma online, no site do Tribunal de Justiça, ou diretamente na delegacia, sem a necessidade de um histórico de violência registrado. Ferraz salienta que o sistema de justiça tem se mostrado mais eficiente na resposta rápida, mas ainda falta conscientização sobre o acesso a esses direitos.
A crescente violência contra as mulheres em Mato Grosso do Sul exige uma resposta mais eficaz e integrada. Embora existam mecanismos legais e operacionais, a falta de consciência por parte das vítimas e a falha no reconhecimento dos sinais de abuso psicológico e emocional continuam a resultar em mortes evitáveis.
Como bem afirmou a delegada Analu Ferraz, “a separação pode ser o gatilho para o feminicídio, e a sociedade precisa entender que o apoio e a proteção devem ser garantidos desde o primeiro sinal de risco”.
Ajuda - Se você sofre ou presencia violência doméstica, denuncie. A Central 180 funciona 24 horas, gratuitamente, e a ligação pode ser anônima. Em caso de emergência, acione a Polícia Militar pelo número 190. Violência contra mulheres, crianças, idosos ou qualquer pessoa não pode ser silenciosa.
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