Condenado por manter esposa em cárcere, pedreiro ficou um ano “preso”
Os 22 anos de cárcere da esposa Cira da Silva, que morreu ontem de câncer, resultaram em prisão de pouco mais de um ano para o pedreiro Ângelo da Guarda Borges, 59 anos. Ele foi preso em flagrante no dia 18 de dezembro de 2013.
Em junho de 2014, veio a condenação: dois anos, nove meses e 10 dias de prisão no regime aberto. A decisão foi do juiz da 2ª Vara da Violência Doméstica e Familiar, José Carlos de Paula Coelho e Souza. As denúncias foram de lesões corporais, ameaças, sequestro qualificado e maus tratos contra a então esposa e os filhos.
As acusações relativas aos quatro filhos foram remetidas à 7ª Vara Criminal. Já o crime de sequestro e cárcere privado foi desclassificado para constrangimento ilegal, sob justificativa de que a vítima tinha a chave de casa e poderia sair a qualquer momento.
Com a condenação, o período preso foi “descontado” da pena, que caiu para dois anos, três meses e 19 dias. Ainda em junho do ano passado, ele foi transferido do Centro de Triagem para o Estabelecimento Penal de Regime Aberto e Casa do Albergado. No aberto, encontrou regime mais brando do que o aplicava à família, cercada pelos altos muros da residência no bairro Aero Rancho, em Campo Grande. Nesta modalidade, o preso sai para trabalhar e volta à Casa do Albergado para dormir.
Em fevereiro deste ano, Ângelo Borges, com bom comportamento, teve novo benefício: assinou o termo de livramento condicional e ganhou o direito de ir para a casa. As condições são ter ocupação lícita, comparecer bimestralmente ao patronato penitenciário, não se ausentar da comarca, recolher-se à sua residência até 20h, não se apresentar embriagado em local público e não praticar crime doloso. O término das regras é previsto para setembro do ano que vem.
No entanto, há pedido para que o réu seja beneficiado pelo indulto natalino, ou seja, perdão da pena. O MPE (Ministério Público Estadual) deu parecer pelo deferimento do benefício, mas a Justiça ainda não decidiu. Ângelo Borges sempre negou as denúncias. A reportagem entrou em contato com a defesa dele, mas a advogada não quis dar entrevista.
Prisão sem grades - Um recurso no TJ/MS(Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) tenta mudar a condenação inicial. A Defensoria Pública alega que mesmo com a chave em mãos, Cira não tinha condições de sair. “A vítima passa a assumir o modelo mental do seu agressor. É quando ela passa a pensar que ele está certo e ela está errada”, diz o documento.
Segundo relatos, ele espancava a família todos os dias e dava apenas arroz para as crianças comerem, apesar de renda de R$ 4 mil. Fora dos muros altos da casa, as crianças se mostraram admiradas com coisas triviais, como pirulito, bala e biscoito recheado.
Resgatada, a família foi levada para um abrigo e depois foi para a casa do pai de Cira, no bairro São Francisco. Após um ano e quatro meses de liberdade, ela foi vitimada pela doença. Cira , 46 anos, será sepultada no cemitério Santo Amaro.