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Capital

Ex-chefe de polícia que deu tiros no trânsito vira réu por abuso de autoridade

Ministério Público quer punição a delegado por outros 4 crimes; denúncia foi recebida na 6ª Vara Criminal

Por Anahi Zurutuza | 20/09/2023 16:45
Câmera de escola de Inglês gravou momento que motorista estaciona; delegado-geral desce e bate no vidro do carro dela (Foto: Reprodução)
Câmera de escola de Inglês gravou momento que motorista estaciona; delegado-geral desce e bate no vidro do carro dela (Foto: Reprodução)

O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) denunciou e o ex-delegado-geral Adriano Garcia Geraldo agora é réu por abuso de autoridade e outros quatro crimes por ter disparado contra veículo após “fechada” no trânsito. A denúncia foi oferecida nesta segunda-feira (18) e recebida ontem (19) pelo juiz Marcio Alexandre Wust, da 6ª Vara Criminal de Campo Grande.

Após ter sido inocentado em inquérito, o Ministério Público devolveu a investigação para a Polícia Civil e concluiu que Geraldo cometeu crimes ao atirar contra o veículo conduzido por uma motorista de 25 anos, em fevereiro de 2022. Para os promotores Cristiane Amaral Cavalcante e Douglas Oldegardo Cavalheiro dos Santos, o então delegado-geral agiu contra a lei ao disparar em lugar habitado, em via pública, usar arma funcional e viatura descaracterizada em proveito próprio, perseguir pessoa que sabia ser inocente, além de “destruir e inutilizar, com violência à pessoa e com grave ameaça, coisa alheia”.

Ainda conforme a acusação, Adriano Geraldo se irritou porque após buzinar para a motorista, ela colocou a mão para fora do carro e lhe mostrou “o dedo do meio”. “Nutrido por sentimento particular de indignação com tal atitude, passou a perseguir a vítima com o veículo oficial da Polícia Civil até a Rua Nortelândia, onde conseguiu fechá-la com a viatura descaracterizada, descendo com a arma em punho e dando ordem para que ela saísse do veículo, o que, por óbvio, não ocorreu”.

Os promotores entenderam ainda que a mulher não percebeu que o homem armado era um delegado e fugiu por medo. “A vítima, sem qualquer percepção de que se tratava de uma abordagem policial em razão da total descaracterização do veículo e do denunciado, continuou seu trajeto, ao passo em que o denunciado efetuou dois disparos que acertaram dois pneus do veículo. Sentindo-se atacada, a motorista arrancou com o veículo e seguiu pela Rua Antônio Maria Coelho, sendo que, próximo à esquina da Rua Dr. Paulo Machado, o denunciado efetuou mais um disparo em área pública e habitada, atingindo mais um pneu do carro conduzido pela vítima”.

O MP quer, então, punição ao delegado pelos crimes de disparo de arma de fogo (três vezes), peculato, abuso de autoridade, dano ao patrimônio alheio e ameaça.

A promotoria defendeu ainda que a abertura de inquérito e imputação pela Polícia Civil de crimes à motorista – oferecer risco à vida de outrem e desobediência – só serviram para “justificar a atitude desproporcional do denunciado por conta de uma fechada no trânsito, após um insulto sofrido”. Ao receber a denúncia, o juiz determinou o arquivamento das acusações contra a mulher.

Delegado Adriano Garcia Geraldo, que comandou a Polícia Civil por um ano (Foto: PCMS/Divulgação)
Delegado Adriano Garcia Geraldo, que comandou a Polícia Civil por um ano (Foto: PCMS/Divulgação)

Ao Campo Grande News, Adriano Garcia Geraldo informou que provará que agiu dentro da lei. “Minha defesa será em juízo onde vou demonstrar que minha ação foi legítima. Há provas suficientes nos autos que demonstram o meu dever de agir. O CPP [Código de Processo Penal] é claro e diz que o policial em serviço tem o dever de agir, caso contrário, eu estaria prevaricando. Agi no estrito cumprimento do dever legal”.

Confusão no trânsito – No dia 16 de fevereiro de 2022, para abordar a motorista de um Renault Kwid, após ordem de parada e perseguição, Geraldo, que era o chefe da Polícia Civil em Mato Grosso do Sul e estava em um Chevrolet Cruze (viatura descaracterizada), atirou, estourando três pneus do veículo conduzido por uma jovem artesã.

Tudo aconteceu após “fechada” e “buzinada” no trânsito, no cruzamento da Avenida Mato Grosso com a Rua Ceará, em plena “hora do rush”. O delegado deu sinal sonoro e de luz, mas a motorista não parou. Ele emparelhou o veículo, mas a condutora do Kwid continuou seguindo até que no cruzamento das ruas Nortelândia e Antônio Maria Coelho, Geraldo conseguiu fazer a primeira abordagem, descendo do Cruze. A motorista, mesmo assim, não abriu o vidro e deu marcha à ré, momento que o delegado atirou nos pneus do carro.

A condutora conseguiu virar à esquerda na Antônio Maria Coelho, subir a Rua Dr. Paulo Coelho Machado, virar na Mato Grosso, fazer retorno e parar no estacionamento de escola de inglês, na Mato Grosso com a Paulo Machado, onde desceu do carro só depois da chegada de uma amiga.

Relatório do inquérito – Para investigação da Polícia Civil sobre episódio, a mulher que mostrou “o dedo do meio” para o então delegado-geral é quem havia cometido crimes.

De acordo com o relatório do inquérito, assinado por Wilton Villas Boas, titular da 3ª DP (Delegacia de Polícia) e que atuou como corregedor neste caso, “restou evidente que a abordagem realizada se tratava realmente de uma abordagem policial, um tanto questionável no início, mas muito evidente no seu desfecho, não havendo dúvidas, que com a presença de várias viaturas da Polícia Militar e de vários policiais militares fardados, o questionamento e não acatamento de ordem se mostrou desarrazoável”, registrou, referindo-se ao período que a motorista recusou-se a descer do veículo, já parada no estacionamento, após a chegada da PM.

Para o corregedor, a ordem de parada foi dada pelo delegado diante de “fundada suspeita”. Sobre o fato de o policial ter atirado em rua movimentada, em horário de pico, o delegado que investigou a ocorrência não considerou exagero, explicando que o colega não fez disparos enquanto dirigia, mas no momento que estava a pé e que atirou contra os pneus do carro “a curta distância”.

Lembrou ainda que na pistola Glock de Garcia Geraldo estavam 17 munições intactas e que em situações de “grande carga emocional” “não é incomum” que armas sejam descarregadas totalmente. “O policial agiu com a moderação necessária”, escreveu Villas Boas.

O inquérito foi relatado ao Poder Judiciário, em 17 de maio deste ano, mas o MPMS devolveu a investigação à Polícia Civil no dia 3 de julho e agora, ofereceu a denúncia.

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