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Alta Tensão: Moradores sobrevivem em meio a perigo na única favela da Capital

Paula Vitorino | 23/12/2011 08:46

Com construção de novos conjuntos habitacionais, Alta Tensão é agora a única favela na Capital, segundo critério do IBGE.

Do lado esquerdo, linhão de energia passa sobre as casas da favela Alta Tensão. (Fotos: Simão Nogueira)
Do lado esquerdo, linhão de energia passa sobre as casas da favela Alta Tensão. (Fotos: Simão Nogueira)

“Acho engraçado quem fala que não tem favela aqui. Dizem isso porque não querem sujar o pneu do carro pra conhecer”. A afirmação é de Adriana Maria Moreira, de 30 anos, uma das moradoras da única e maior favela Alta Tensão, na região Moreninhas 2, em Campo Grande.

Desconhecida pela grande maioria da população da Capital, a área é a maior das três favelas identificadas na capital pelo Censo 2010 no levantamento sobre aglomerados subnormais - nome técnico para definir locais conhecidos como favelas, palafitas e outros.

Segundo os dados do levantamento nacional, divulgados nessa semana, a Capital contava com outras duas favelas até julho do ano passado, quando os dados foram coletados: Cidade de Deus (bairro Dom Antônio Barbosa) e Vila Nossa Senhora Aparecida (Vila Nasser).

Cerca de um ano e meio após a coleta do Censo, a situação das favelas em Campo Grande mudou, com a remoção dos moradores da Cidade de Deus e Vila Nossa Sra. Aparecida para residenciais.

Os 164 domicílios da Cidade de Deus foram removidos para o condomínio habitacional José Teruel, construído na mesma área, em setembro. Já os 129 da Vila Nossa Senhora Aparecida foram realocados no residencial construído no bairro Santa Emília.

Cerca de 22 barracos novos, de famílias que ainda lutam por uma casa, ocuparam novamente a área do Cidade do Deus. Mesmo assim, seguindo os critérios de análise do IBGE, o local não é mais considerado como favela.

Sendo assim, apenas as moradias da Alta Tensão continuam na mesma situação e podem ser consideradas como a única favela da Capital em dezembro de 2011.

Para ser um aglomerado subnormal, é preciso que existam mais de 51 domicílios carentes de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado recentemente terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e distribuídos de forma desordenada na área.

Ao verem carro da reportagem, crianças correm achando que é Papai Noel. "Gatos" na rede elétrica estão espalhados.
Ao verem carro da reportagem, crianças correm achando que é Papai Noel. "Gatos" na rede elétrica estão espalhados.

Em 2010, a Alta Tensão foi considerada a maior favela de Campo Grande, com 170 domicílios e 521 habitantes. As famílias moram em uma área ocupada que é de propriedade da Enersul e Prefeitura Municipal, ao lado do Kartódromo.

O nome da favela é devido as casas ficarem embaixo dos fios da rede de alta tensão e na área ao redor, o que representa risco constante para as famílias. Mas em contraste, a favela não tem rede elétrica e os moradores se viram com os “gatos”, emaranhados por toda a área.

“É um perigo pra gente. E de um jeito ou de outro é como se a gente pagasse conta de energia, porque o gasto com manutenção dos fios é mensal. A gente queria que legalizassem”, diz Adriana, que mora com os 4 filhos, e é vizinha da irmã, que também constituiu família na favela.

O fornecimento de água chegou há pouco tempo no local, o que foi motivo de comemoração, mas a rede de esgoto ainda não existe. Os moradores mais antigos, na favela há mais de 6 anos, também destacam o cascalhamento nas vias, que permitiu diminuiu um pouco do isolamento.

“Quando chovia era um desespero. Ninguém passava nessa rua. Vivia cheio de buraco. Agora o caminhão de lixo consegue chegar, pelo menos isso nós conseguimos”, diz Maria Edna Moreira, de 31 anos.

A pesquisa revela que os aglomerados de Mato Grosso do Sul (3 na Capital e 5 em Corumbá) tem 6,7% dos domicílios com rede de esgoto, mas uma média de 97% tem energia elétrica, fornecimento de água e coleta de lixo.

Arriscar por um sonho - Todas as famílias que o Campo Grande News conversou contaram a mesma trajetória: chegaram ao local em busca do sonho de ter uma casa própria para morar.

Mesmo sabendo que os terrenos eram particulares e poderiam ser tomados a qualquer momento, a maioria dos moradores afirma que pagou pelo pedaço de terra, comprado de um terceiro, que prometia valores baixos.

Sirlene diz que não trocaria casa na favela por qualquer outra.
Sirlene diz que não trocaria casa na favela por qualquer outra.

“Morávamos no funda da minha sogra, mas ela vendeu a casa, deu uma parte para os filhos e a gente precisava de um lugar pra morar, eu estava grávida, não tínhamos condições de pagar aluguel”, conta a manicure Tânia Ribeiro dos Santos, de 26 anos.

Um conhecido falou pro marido da área, que estava sendo vendida por R$ 1 mil, e o casal resolveu fechar o negócio. No local, a família cria o filho já com 6 anos e Tânia está grávida do segundo.

Ela diz que seu maior desejo é que a área seja legalizada. “Aqui é muito bom, tranqüilo. Se eles legalizassem aqui, poderíamos ter água, energia e continuar nossa vida”, diz.

Na casa vizinha, bem embaixo da rede de alta tensão, o desejo da dona de casa Sirlene dos Santos, de 30 anos, é o mesmo. “Mesmo que coloquem a gente numa casa com água, esgoto, luz, asfalto, prefiro ficar aqui. É um lugar muito tranqüilo e a gente construiu nossa casa”, diz.

Ela mora no local com os 4 filhos, marido e o sobrinho. Sirlene afirma que pagou cerca de R$ 5 mil pela casa, como única alternativa encontrada para ter um local para morar.

Sobre o medo de morar embaixo dos fios de alta tensão, ela diz não ter, pois acredita que não corre perigo, já que até agora “nunca aconteceu nada”.

Já o morador Edmundo Rodrigues, de 50 anos, não só criou sua família no local, mas também se tornou comerciante. Hoje, com o próprio bar na favela, também não quer sair do local e diz ter esperança que as casas sejam legalizadas.

“As casas embaixo da rede de tensão eles falam que tem que sair, por conta do perigo e da avenida que vão passar. Mas a gente eu tenho esperança que deixem ficar”, diz.

Com 52 anos, mulher sonha conseguir uma casa.
Com 52 anos, mulher sonha conseguir uma casa.

Cidade de Deus - Já na Cidade de Deus, o que move as famílias para a área ocupada é a esperança de também serem contempladas por uma casa. Mais de 300 famílias foram contempladas com o residencial na área, e agora, novos moradores começam a criar outra favela.

São pessoas que dizem não ter conseguido a casa por problemas na documentação ou que chegaram há poucos meses no local.

A dona Abadia Serafim dos Reis, de 52 anos, é uma das pessoas que montou o barraco no local e espera a casa. Ela diz que trabalhava de diarista, mas devido a problemas no joelho teve de parar de trabalhar e sem dinheiro para pagar o aluguel resolveu ir para a Cidade de Deus.

"Tenho fé. Espero conseguir minha casinha. Se fosse só um cômodo eu já ficava feliz", diz.

Ela mostra o joelho inchado e diz que tenta ir ao médico, mas não tem dinheiro para ir até a Central de Atendimento para mudar a cidade de registro do Cartão do SUS.

Enquanto isso, vive do que cata no lixão. "Só consigo ir bem cedinho, porque passo mal com o sol e a fumaça quente", diz.

Sem família na cidade e outra perspectiva melhor, Abadia diz com serenidade que "isso é o que tem" e, assim, "vou vivendo".

Sem favelas - Apesar do desejo dos moradores do Alta Tensão, o diretor-presidente da EMHA (Agência Municipal de Habitação de Campo Grande), Paulo Matos, esclarece que não existe possibilidade dos moradores continuarem na área por conta do alto risco.

“Não é uma questão de querer ou não. É para a segurança deles. A área é de extremo risco e só não aconteceu alguma tragédia lá até agora por milagre. Se cai um raio em um daqueles fios atinge todos os moradores na área ao redor”, explica.

Ele ressalta que as famílias da área já têm local certo para serem transferidas e todas as residências foram marcadas e registradas pela EMHA. Todos os moradores serão transferidos para o residencial que está sendo construído na Moreninhas 4 e a área deverá ser isolada pela empresa energética.

A previsão é de que as casas sejam entregues no prazo de 10 meses. Com isso, Paulo ressalta que a Capital irá resolver o problema da última favela que restou.

“Essa era a última que faltava para resolvermos, mas agora a obra já começou e em breve serão removidos para o novo local”, diz.

Paulo também frisa que o trabalho é constante para evitar novas invasões e o surgimento de mais favelas, como na Cidade de Deus. No Censo de 2000, as favelas da capital eram outras: Piratininga, Dona Neta, Aero Rancho 2, Santa Luzia, Sayonara e Jardim Noroeste.

Ele afirma que a área em torno do lixão será cercada para impedir invasões e as famílias devem ser incluídas em projeto social, mas os moradores que já foram beneficiados pela Emha não vão receber novas casas. Ele diz que 36 casas do residencial Teruel estão na Justiça devido os moradores já as terem vendido.

"Tem gente que ganha casa, vende e volta pro barraco. Vive disso. Mas nosso cadastro não permite isso, estamos em cima, e essas pessoas não serão beneficiadas por nenhum outro programa", diz.

Pesquisa Estado - Mato Grosso do Sul tem a segunda menor proporção de favelas do país, com 0,25% de domicílios, ficando atrás apenas de Goiás, que tem 0,13% de ocupação irregular. A maior concentração é no Pará, com 17,4% dos domicílios em favelas.

O levantamento classifica 879 domicílios do Estado como irregulares, para o total de 763.696 residências. Eles estão distribuídos em 8 aglomerados subnormais, sendo 5 em Corumbá (Havaí, Jatobá, Loteamento Pantanal, Tiradentes e Vulcano) e 3 em Campo Grande.

Em 2000, segundo o IBGE, as favelas de MS estavam concentradas apenas na Capital. As 5 favelas criadas em Corumbá nos últimos 10 anos conseguiram agrupar 4 vezes mais moradores em relação a ocupação dos aglomerados na Capital.

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