Ideia de criar residencial em hotel pega de surpresa e divide comerciantes
Dúvida sobre viabilidade de projeto, estacionamento e movimento para o comércio estão na boca dos lojistas
Há quem acredite que mais gente morando no Centro vai movimentar o comércio e só trará benefícios para comerciantes, mas alguns lojistas questionam o projeto de transformar o Hotel Campo Grande em condomínio residencial. Fato é que notícia de que o prefeito Marquinhos Trad (PSD) estava em Brasília (DF) nesta segunda-feira (20) em busca de R$ 38 milhões para pagar pela desapropriação do prédio e reformá-lo pegou todo mundo de surpresa.
“Nós estamos estudando ainda este assunto. A gente sabe que existe projeto de ocupação residencial da área central, entendemos que é fundamental, mas antes de emitir qualquer parecer, vamos avaliar”, afirma o presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de Campo Grande.
A ACICG (Associação Comercial e Industrial de Campo Grande) é mais otimista. “A associação vê o projeto com bons olhos, uma vez que deverá trazer desenvolvimento para região tanto ao colocar famílias para morar tanto naquele prédio, quanto em outros imóveis localizados no entorno, e que estão fechados há anos, sem ocupação”, informou a entidade por meio de nota.
Para a associação, os hábitos da região central devem mudar. “Com mais pessoas habitando o Centro, espera-se um movimento maior na região não somente em horário comercial, mas também no período noturno”, completou, via assessoria de imprensa.
É sustentável? E o estacionamento? – O anúncio do projeto gerou dúvidas. A primeira delas é se as famílias beneficiadas com o projeto teriam condições de se manter na região. Se morar for muito caro, segundo comerciantes, não sobrará dinheiro para consumir.
A ideia é destinar as moradias para famílias na fila dos programas de habitação que se enquadrem na faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida, que possuem renda de até três salários mínimos – hoje, até R$ 2,9 mil. Há ainda a possibilidade inédita na Capital, a locação social. Neste caso, segundo o diretor da Emha (Agência Municipal de Habitação), Eneas José de Carvalho Neto, os imóveis seriam alugados por valores que corresponderiam entre 10% e 15% da renda familiar – atualmente, entre R$ 299 e R$ 450.
Mas e o IPTU? Numa busca rápida em classificados on-line, o Campo Grande News encontrou apartamentos cujo imposto varia de R$ 90 a R$ 10 mil. O mais barato é o valor divulgado no anúncio de imóvel com 49 metros quadrados localizado na Avenida Fernando Corrêa da Costa, entre as ruas 13 de Meio e Rui Barbosa. O apartamento está sendo vendido por R$ 130 mil – cerca de R$ 2,6 mil o metro quadrado.
O IPTU mais caro é o cobrado pela prefeitura por apartamento em edifício que fica na Afonso Pena em frente ao Paço Municipal. Lá, dono pede R$ 1 milhão por imóvel de 403 metros quadrados. “Por aqui, o imposto é muito caro. Não sei se o Centro é um bom local para isso”, levantou a questão Otília Chaves, que trabalha como vendedora em loja na 13 de Maio, onde fica o hotel.
Eneas Neto esclarece que por fazerem parte de programa social de habitação, a tabela para cobrança de impostos também será social (mais barata). Não há, contudo, simulações de valor por enquanto.
O prédio do Hotel Campo Grande tem subsolo, mas com espaço insuficiente para vagas de estacionamento para todos os moradores caso o prédio realmente se torne morada para 117 famílias. O medo de piorar a dificuldade que clientes têm para parar na numa das principais ruas do Centro também está na boca de comerciantes.
O diretor-presidente da Emha explica que detalhes como estes não inviabilizam o projeto. “Estamos partindo da questão da habitação, até porque o governo federal está dando essa oportunidade. Não queremos uma região na cidade abandonada, extremamente desvalorizada, como tem acontecido com os grandes centros. Temos de trabalhar para viabilizar o recurso para desapropriação e reforma e aí discutir o resto. Esta questão da mobilidade tem de ser revista. Afinal, qual a necessidade de utilizar o veículo, num local onde há acesso a tudo por outros meios?”.
Lojistas – Dono de ótica na Rua 13 de Maio há 17 anos, Fábio Costa, de 45 anos, não acha uma boa ideia transformar o prédio em residencial popular. “Será um desastre. Mas se fosse para virar um prédio comercial, por exemplo, geraria emprego”.
O comerciante Antônio Ricardo, de 30 anos, concorda com o vizinho. “Não sou contra, mas acredito que seja mais fácil transformar em algo comercial”.
Dono de restaurante na 13 de Maio há 4 anos, Ailton dos Santos, de 58 anos, só vê pontos positivos. “Mesmo sendo pessoas de baixa renda, vão consumir um salgado, um café. Quanto mais gente no Centro, melhor para o comércio”.
O projeto - Dos R$ 38 milhões pleiteados, R$ 25 milhões são para as obras arquitetônicas e R$ 13 milhões para pagamento da desapropriação do prédio. A verba toda seria do Pró-Moradia, que tem a linha chamada Retrofit, para prédios abandonados em centros urbanos.
O projeto prevê transformar os 84 aposentos do hotel em 117 apartamentos com tamanho entre 27 e 30 metros. A prefeitura planejava inicialmente outros 143 imóveis populares na região central – uma vila para idosos e moradias em construção abandonada em frente ao Mercadão –, que somados ao Hotel Campo Grande totalizam 260 habitações, mas um dos projetos já foi descartado.
No térreo, funcionaria um setor de atendimento da prefeitura, além de uma base da Guarda Municipal. A maquete projetada inclui a figura do poeta Manoel de Barros na fachada em concreto aparente do hotel. O nome do condomínio seria "Menino do Mato", título de uma das últimas obras do escritor falecido em 2014.