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Capital

Juízes usam influência para manter condomínio ilegal, acusa morador

Confusão em ‘residencial’ de luxo sobrou para juíza, denunciada no CNJ

Anahi Zurutuza | 22/08/2016 18:35
'Condomínio' existe desde 1986 (Foto: Marcos Ermínio/Arquivo)
'Condomínio' existe desde 1986 (Foto: Marcos Ermínio/Arquivo)
Na denúncia feita ao CNJ, advogado levanta suspeitas sobre tráfico de influência (Foto: Reprodução)
Na denúncia feita ao CNJ, advogado levanta suspeitas sobre tráfico de influência (Foto: Reprodução)

Juízes, um desembargador aposentado e promotores de Justiça estariam usando sua influência para manter “condomínio” de luxo nos altos da Avenida Afonso Pena, um dos endereços mais nobres de Campo Grande. A denúncia foi feita por Humberto Sávio Abussafi Figueiró, morador do “residencial”, no documento onde ele pede para que uma juíza seja investigada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) devido a sua atuação em uma das ações contra a Associação dos Proprietários do Nahima Park.

“Eis aqui a difícil peleja de um jurisdicionado contra o establishment corporativo de integrantes do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso do Sul”. É com esta frase que Humberto começa a representação contra a juíza Vânia de Paula Arantes, da 4ª Vara Cível de Campo Grande.

Para contextualizar a reclamação feita contra a magistrada, Humberto conta que é morador do Nahima Park e que travou batalha na Justiça contra a associação, que transformou as ruas Nahima, Nahima 1 e Nahima 2 em um condomínio, fechando com uma portaria o acesso existente pela avenida Afonso Pena e com um muro a entrada para uma área verde pública da Capital.

Ele afirma que tal entidade é composta pelos vizinhos dele, “juízes e promotores de Justiça”, e destaca ainda que Andreia Xavier Leteriello, a presidente da associação, é filha de, Rêmolo Leteriello, que se aposentou aos 70 anos, em 2011, do cargo de desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.

O juiz Carlos Alberto Garcete de Almeida, da 1ª Vara do Tribunal do Júri, é um dos moradores do Nahima Park e no dia que a guarita e muro do “condomínio” seriam derrubados levantou-se a suspeita que ele teria interferência na mudança de posicionamento do juiz Fernando Paes de Campos, que havia dado a ordem de demolição.

Além dele, um promotor de Justiça é dono de uma das 17 casas existentes no local, segundo o advogado Juliano Quelho Witzler Ribeiro, representante do denunciante, que prefere não dar entrevista. O defensor, entretanto, disse que não se lembrava do nome do promotor, ao ser questionado sobre isso na tarde desta segunda-feira (22).

A Rua Nahima e mais outras duas vias foram fechadas (Foto: Marcos Ermínio/Arquivo)
A Rua Nahima e mais outras duas vias foram fechadas (Foto: Marcos Ermínio/Arquivo)
Humberto diz ainda que juíza prefere não decidir contra interesses da associação formada por colegas de profissão (Foto: Reprodução)
Humberto diz ainda que juíza prefere não decidir contra interesses da associação formada por colegas de profissão (Foto: Reprodução)

‘Na berlinda’ – Humberto Sávio, que é advogado, colocou a juíza Vânia de Paula Arantes “na berlinda” porque, segundo ele, a magistrada teria adiado julgamento de demanda por ele considerada de urgência e depois, de forma suspeita, teria modificado sua decisão em poucos minutos.

Vânia foi responsável por julgar ação cautelar que Humberto ingressou contra Associação de Proprietários do Condomínio Nahima Park, no plantão judicial do dia 20 de novembro do ano passado. O advogado pedia que a Justiça determinasse que Andreia Leteriello, a síndica do “residencial”, se abstivesse que “qualquer conduta que impeça, obstrua ou dificulte o acesso à casa dele”.

O morador afirma que depois que deixou a associação, passou a sofrer represálias e por isso, precisou recorrer ao Judiciário. “Ao se desligar dessa associação, em retaliação à insurgência dele, aquela [Andreia] o notificou informando que não abriria mais os portões da rua de acesso, como se isso fosse um serviço por ela prestado mediante retribuição financeira, num verdadeiro pedágio urbano clandestino”, consta na denúncia feita ao CNJ.

Humberto reclama que, naquela ocasião, a juíza remeteu os autos para serem julgados no próximo dia útil ao invés de enfrentar o problema, “como se a privação do indivíduo de adentrar sua casa não fosse urgente o bastante para ela se indispor com a associação formada pelos seus companheiros de classe”.

O processo, distribuído por sorteio, caiu nas mãos da mesma juíza e ela só se posicionou sobre o caso no dia 24 daquele mês. O advogado destaca ainda que ela havia dado uma decisão, mas a retirou do sistema on-line de consulta processual e, por fim, negou a liminar pleiteada por Humberto.

“Não bastasse a esquisitice na suposta modificação de fundamentação em apenas quatro minutos, a própria decisão é curiosa e contraditória em si mesma”, acrescenta Humberto, por meio de sua defesa, na denúncia ao CNJ. Por conta destes fatos, ele pede que o órgão federal investigue a conduta da juíza.

Advogado Juliano Ribeiro levantou suspeita sobre juiz, que mora no 'residencial' (Foto: Marcos Ermínio/Arquivo)
Advogado Juliano Ribeiro levantou suspeita sobre juiz, que mora no 'residencial' (Foto: Marcos Ermínio/Arquivo)

Imbróglio – No dia 1º de agosto, o juiz Fernando Campos determinou a derrubada das portarias e também do muro que obstruem a passagem dos cidadãos campo-grandenses pelas ruas do bairro Chácara Cachoeira. O magistrado marcou a demolição para as 13h do dia 5 deste mês.

Máquinas estavam posicionadas, equipes da Guarda Municipal estavam a postos, e o oficial de Justiça Mário Rodrigues Junior foi até o “residencial” para informar sobre a derrubada. Estava tudo pronto para o cumprimento da determinação, mas Campos suspendeu a ordem depois que a defesa da associação de moradores “entrou em ação”.

Naquele dia, o advogado Juliano Ribeiro, que atua como assistente da Procuradoria-Geral do Município no processo que pleiteia a desobstrução do passeio público, também levantou a suspeita de que houve interferência do juiz Garcete, morador do Nahima Park, na suspensão de ordem de demolição das guaritas, porque o oficial de Justiça foi chamado na casa do magistrado, quando notificava a síndica.

Para a Prefeitura de Campo Grande, a associação cometeu ilegalidade ao fechar as ruas e desrespeitar a Lei Municipal nº 2.909/92, o Código Municipal de Polícia Administrativa e o artigo 1.255 do Código Civil, que estabelece as regras para a formação dos condomínios.

Contudo, o que aconteceu, no fim das contas, é que o juiz da 3ª Vara deu cinco dias para a defesa da entidade que representa os moradores se manifestasse no processo. Os advogados do “condomínio” recorreram então ao TJMS no dia 11 de agosto.

Procurador-geral, Paulo César dos Passos, diz que confia nos promotores (Foto: MPE/Divulgação)
Procurador-geral, Paulo César dos Passos, diz que confia nos promotores (Foto: MPE/Divulgação)

Outro lado – A Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul informou, por meio de nota, que “repudia qualquer conduta que tipifica tráfico de influência, em qualquer circunstância”, deixando claro que não está comentando sobre os fatos narrados na reportagem por não ter recebido qualquer denúncia formal sobre tais assuntos.

Segundo a assessoria de comunicação do MPE (Ministério Público Estadual), o procurador-geral de Justiça, Paulo Cezar dos Passos, afirma que conhece “os membros do Ministério Público, sabendo da integridade e correção dos mesmos, bem como o compromisso permanente com a coisa pública e a sociedade” e, além disso, que “o Ministério Público confia no Poder Judiciário, integrado por magistrados corretos”. Mas, preferiu não se manifestar sobre o caso em si “por não conhecê-lo”.

A reportagem entrou em contato o CNJ para verificar se foi aberta investigação contra a juíza da 4ª Vara Cível da Capital e a assessoria de imprensa informou que está em contato com a Corregedoria Geral de Justiça para se posicionar em breve sobre o assunto.

A equipe também enviou questionamentos para o TJMS e aguarda posicionamento sobre a suposta conduta indevida de magistrados.

No fim do dia, a reportagem conseguiu falar com um funcionário da 4ª Vara Cível da Capital, que disse não estar autorizado a passar o celular da juíza Vânia Arantes, mas que faria contato com um assessor dela para saber se a mesma gostaria de comentar sobre o assunto ainda hoje.

O Campo Grande News ainda tentou ouvir Andreia Leteriello sobre as acusações feitas por Humberto Sávio. Um recado foi deixado com a secretária do advogado dela, Luis Marcelo Benites Giummarresi, para que ele ou ela entrassem em contato.

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