"Pedreiro Assassino" agia em região onde donos não têm escritura de imóveis
Há moradores há 4 décadas no bairro, que ainda não conseguiram titulação dos lotes, o que fez criminoso ter facilidade em venda
Os assassinatos confessados por Cleber de Souza Carvalho, 43 anos, o “Pedreiro Assassino”, trouxeram à tona situação de vulnerabilidade enfrentada por um número sem estimativa de moradores em Campo Grande. Segundo as investigações policiais, Cleber chegou a conseguir vender bens de vítimas e isso só foi possível dada a situação comum no bairro onde ele atuou de forma criminosa por pelo menos cinco anos, na região da Vila Nasser.
Trata-se de ocupação iniciada irregularmente e depois urbanizada aos poucos, que já acumula mais de 40 anos, em meio a brigas judiciais, mas também abandono das terras, onde antigamente existia uma chácara chamada “Água Pouca”. Oficialmente, chama-se Vila Nossa Senhora Aparecida.
No entorno, é comum encontrar famílias inteiras que, embora tenham formado lares há décadas, não têm titulação das áreas. Há também terrenos na mesma situação, entre eles um que foi invadido por Cleber e onde ele chegou a enterrar vítimas.
A comercialização das áreas cuja titulação ainda não é por meio de escritura é feita na base do “direito de posse”. Isso explica como o serial killer, depois de matar homens em geral solitários, conseguia colocar o local à venda.
Décadas - O Campo Grande News esteve no lugar. A reportagem conversou com famílias que dizem estar entre as mais antigas na comunidade. Criaram filhos, netos, bisnetos, sem nunca conseguir as escrituras públicas.
Pelas regras brasileiras, elas já teriam direito ao chamado usucapião, ou seja, a serem legalmente proprietárias dos imóveis, em caso de posse pacífica. O prazo mínimo para isso é de cinco anos e o máximo é de 15 anos, de acordo com o Código Civil.
“Cheguei aqui dia 3 de setembro de 1977, não tinha nada aqui, era mato, não tinha trieiro, nada, era mato fechado”, testemunha Manoel Valério Pinheiro, de 75 anos. Ele se afirma o mais antigo morador.
Vive, hoje, na Rua Leoldino, com a mulher, Maria Porfírio Pinheiro, de 75 anos, mas já morou em outra rua. Contou terem sido “despejados”, e se fixado no novo local.
“Era eu, Deus, Nossa Senhora, minha mulher, e filhos no meio desse mato”, relembra Manoel, um pernambucano radicado desde os anos 1970 em Campo Grande.
A ocupação, conta, foi na base do improviso. Só depois de cinco anos, diz o morador, “foi chegando mais gente”.
Manoel cita que, no caso dele, foi chamado para cuidar o terreno, na promessa de ganhar dois lotes. Descobriu, depois, que quem pediu não era dono, e foi ficando. O loteador teria abandonado a área diante do fracasso nas vendas, por ser um lugar ermo.
“As pessoas foram chegando e até hoje ninguém tem escritura”, cita Maria Porfírio.
“Meus filhos nasceram, se criaram e agora eu tô criando meus netos”, testemunha outra moradora, a pensionista Evanil Leite Ilários, de 56 anos.
“Aqui era só um trieiro, não tinha água, luz, era água de poço”, relembra. A água, diz, chegou depois de campanha da comunidade.
Só havia por perto o início do conjunto Cophasul, bairro vizinho, segundo ela. “O restante era tudo mato”.
O aspecto, quando Evanil chegou, era de favela. “As casas eram feitas com lona, pedaço de madeira. Eu mesmo quando cheguei, participei da favela mesmo”, afirma.
Ela chegou grávida do filho, que hoje tem 34 anos. Ou seja, tem 35 anos de moradia.
Rememora que, aos poucos as pessoas foram chegando, e delimitando território, cercando e declarando apenas ‘isso aqui é meu”.
“A polícia tentava tirar, depois voltava”, fala. “O povo não tinha onde morar, voltava e fazia barraco de novo”, acrescenta.
Menos tempo – No caso da primeira vítima descoberta do "Pedreiro Assassino", o comerciante José Leonel Ferreira dos Santos, de 61 anos, a ocupação é mais recente. Por volta de 2009, começaram a ser invadidos, e comercializados, lotes do trecho onde ele vivia.
Depois de matar José Leonel, enterrar o corpo e passar a morar na casa, em 2 de maio deste ano, a polícia tem indicações de que Cleber de Souza Carvalho já estava oferecendo para a venda a residência do comerciante. Na frente, há, ainda, um pequeno comércio.
A apuração jornalística mostra que, em casos assim, é feito contrato e tudo, mas não há validade jurídica. Uma casa ou terreno só é de uma pessoa, legalmente, se ela tiver a escritura pública.
De quem é? – Para a prefeitura de Campo Grande, conforme levantado, a maior parte dos terrenos do que hoje é chamado de Vila Nasser sem dinstinção dos loteamentos pertenciam a um dono chamado Aude Coelho Leite.
É dele que é cobrado o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) sobre imóveis do antigo loteamento "Nossa Senhora Aparecida", nome que ainda aparece em documentos dos endereços dos moradores.
São pelo menos trinta ações de cobrança do imposto.
A situação não é pacífica. Existem pelo menos 50 ações de reintegração de posse movidas contra moradores da ocupação mais recentes, por herdeiros. Já houve, inclusive, desocupações, mas a briga judicial permanece.
Nas petições, todas com texto semelhante, há a informação de que essa área chegou a ser usada pelo Exército para treinamento e depois devolvida à família de Aude em 1993. Ele morreu na década de 1970.
José Leonel, segundo o Campo Grande News levantou, movia ação de usucapião na Justiça. A família dele agora vai precisar concluir o processo, para dar destinação à casa que foi dele e pela qual morreu.