Sem vagas, lares de idosos recebem até 15 pedidos por dia, mas espera dura anos
Longe do tabu, disputa por vagas em lares de idosos pode ser a salvação de famílias que cuidam deles sem ajuda
Longe do tabu de que casas de acolhimento para idosos são lugares de “despejo”, a disputa por vagas em lares de longa permanência na Capital pode ser a salvação de famílias que cuidam sozinhas dos pais e não têm condições financeiras de oferecer qualidade de vida e os cuidados necessários a eles. Com as três casas cofinanciadas pela prefeitura lotadas, a espera pode durar anos. Por dia, as instituições recebem até 15 pedidos por vagas.
Atualmente, o município ajuda financeiramente os lares Sirpha, Viver Bem e Asilo São João Bosco. A média de ligações na Sirpha é justamente as 15 citadas anteriormente. O local tem 80 vagas, todas ocupadas. Já no Viver Bem, são 25 leitos. O cenário é igual: não há vagas. No lugar, a média de ligação é seis por dia. No Asilo São João Bosco, os pedidos são dois por dia. Das 90 vagas, nenhuma está aberta, ou seja, não há renovação dos pacientes ou mais oferta de vagas.
Para tentar conseguir um lugar digno para o pai, Maria Salete de Moura, de 57 anos, esperou por quase 2 anos. Chamado carinhosamente por todos de Totó, - porque só consegue falar isso - Francisco de Moura, de 90 anos, sofreu quatro derrames que o deixaram cadeirante e lhe roubaram a fala. Há três anos ele está abrigado em um dos três lares de idosos cofinanciados pela prefeitura, o Sirpha.
Ela explica que, para muitos, o ato de deixar os pais em casas do tipo significa abandono e descaso, mas para ela é uma tentativa de oferecer melhores condições para os idosos e deixar que a família também continue a viver, já que os cuidados e a atenção estão totalmente voltadas a eles, o que não deixa espaço para que a vida, para além deles, continue a existir.
Sozinha e sem condições financeiras, ela cuidava do pai e da mãe, Adélia, de 102 anos. Após alguns anos, ela viu que a situação estava insustentável.
“Eles falavam que não tinha como, que não tinha vaga e depois de 1 ano e meio consegui colocar ele. Esses lugares também são oportunidade da família viver também, quando não tem ninguém para ajudar. Não tem ninguém para intercalar comigo e, se acontece algo, é responsabilidade minha. Eu estou ficando com depressão”.
Ela explica que sem o dinheiro do INSS, conta apenas com a pensão da mãe e com a ajuda de custo que o filho dá. A aposentada acrescenta que, como forma de tentar melhorar a situação, ele levou as duas para morar na casa dele.
“Estou sem receber, está na Justiça. É difícil para quem convive com eles e está sozinha. Quando a pessoa tem condições de pagar é outra história. Já como eu, que não tenho uma cuidadora, custa R$ 1.800 para ir em casa dia sim e dia não, tem todas as responsabilidades de carteira de trabalho também. Não tem como”.
Maria comenta que a mãe, embora seja lúcida, a preocupa, pois está apresentando sinais de esquecimento na rotina, como esquecer a boca do fogão ligada, além dos tombos que acontecem esporadicamente. Por isso, a filha luta para conseguir outra vaga no Sirpha.
“Estou tentando colocar ela, porque é muito pesado para uma pessoa só cuidar. Às vezes ela cai, é pesada. Eu saio, vou para ir na fisioterapia, porque tive problema no braço, operei, mas fico preocupada, porque às vezes ela deixa o fogo aceso. Aqui meu pai que está ótimo. Vejo que é muito bom, eles são bem cuidados, as pessoas sorriem para você".
A reportagem entrou em contato com a SAS (Secretaria de Assistência Social) de Campo Grande, mas ela não informou o número de vagas disponíveis na instituição, tampouco o número de pessoas que aguardam por elas.
Envelhecimento - O presidente do lar, Ivan Queiroz, comenta que a população está envelhecendo muito rápido e a demanda das instituições de longa permanência não está suprindo.
“Aqui tem três e não dá conta da quantidade de pessoas atrás. A gente quer ser um conforto de um lar para o idoso, que provavelmente lá fora ele não tinha isso. Acho que a gente está preparado para o futuro que será assim, mas não tem vaga, isso é o problema. Conseguir abrigar esse número. É um alerta isso. O próprio poder público tem esse conhecimento que o envelhecimento da população estava levando eles a procurar abrigos. Muitos não têm filhos, não tem ninguém. Eles vêm por denúncia de vizinhos e a prefeitura vai lá e coloca aqui”.
Ele ressalta que, no particular, os custos de abrigar um idoso com o que o lar oferece seria de R$ 6 a R$ 7 mil por mês. Ivan explica que, apesar de receber auxílio financeiro, algumas coisas não acompanham o valor dos insumos no mercado, como as fraldas, que antes custavam R$ 1 e agora custam R$ 3 a unidade. Por dia os idosos usam, em média, 280 fraldas.
“É um valor extraordinário, há 2 anos a fralda custava R$ 1,00, não acha mais fralda boa. Os valores repassados para nós continuam os mesmos. Deveriam ser pelo menos umas 10 na cidade para suprir, tem que ter psicólogo, técnico de enfermagem, assistente social, nutricionista. É um trabalho intenso”. O local conta com sala de cinema, fisioterapia, refeitório, espaço ao ar livre com bancos e árvores.
No Lar Viver Bem a procura é constante. Sem que seja identificada, uma das responsáveis aceitou falar com a reportagem pelo telefone e conta que o período em que o local mais recebe ligações é pela manhã.
“Todos os meses isso é corriqueiro e diário. A maioria não tem condições financeiras de custear, muitos não têm filhos, muitos precisam parar de trabalhar para cuidar dos idosos. Deveria ter tipo uma creche, isso evitaria a superlotação. Digo no caso dos acamados, cadeirantes. Acredito que isso reduziria um pouco o cenário. Daria a oportunidade para as pessoas que cuidam, viverem. A gente trabalha com vínculo familiar, fazemos chamada de vídeo com eles”.
Critérios para conseguir as vagas pela SAS - De acordo com a secretaria, os critérios utilizados para o encaminhamento do idoso a uma vaga em Instituição de longa permanência é pelo Cras (Centro de Referência de Assistência Social), sendo eles a unidade do Centro, Norte e Sul.
"A pessoa deve procurar uma unidade mais próxima de sua residência, onde iniciará o estudo psicossocial da pessoa idosa juntamente com a família ou a rede de apoio local. Durante a análise, a equipe técnica verifica condições de moradia, segurança, situação familiar, tais como: existência de cuidadores ou vínculos familiares; condições socioeconômicas (renda familiar e individual), e ainda, necessidades de cuidados específicos e questões de saúde física e mental".
A pasta salienta que são priorizados alguns critérios para a que o idoso seja prioridade na "fila", como situação de abandono ou vulnerabilidade social, maus-tratos ou negligência; ausência de retaguarda familiar ou cuidadores e ausência de recursos financeiros para custear o acolhimento no particular.
Durante a análise é solicitada a documentação da pessoa idosa, comprovante de residência, comprovante de renda, laudos e receituários médicos se houver, cadastro único e documentação dos demais familiares, caso necessário.
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