Após derrudada a liminar, índios terena mostram que vieram para ficar
Comunidade já começa a preparação do solo para plantio de sustento
A rotina na fazenda 3R, retomada por índios terena das nove aldeias da região de Sidrolândia, mudou depois que a decisão do Tribunal Regional Federal derrubou a liminar de reintegração de posse.
Os terena chamaram o Campo Grande News na tarde de ontem para mostrar que estão decididos a ficar. Além dos barracos erguidos para se instalar, as famílias começaram na terça-feira o plantio na fazenda.
O trabalho com a terra resgata um pouco da cultura dos antepassados, explicam. Parte de 300 hectares da fazenda está sendo preparada para plantar arroz, mandioca, milho e feijão. Uma valeta para conter a umidade da terra é cavada para então possibilitar a plantação.
Hoje, a alimentação básica dos terena vem do cultivo já existente na própria fazenda. No futuro, o grupo calcula que a plantação de arroz dê ao menos 300 sacas.
Com mais de 2 mil indígenas, homens e mulheres se dividem no cuidado na terra. Eles tomam conta da plantação, elas de furar o solo para obter água do poço.
A equipe do Campo Grande News esteve na tarde de terça-feira na fazenda 3R, acompanhando a rotina indígena junto a comissão de frente organizada para a retomada, representada pelo líder terena Alberto França, da Aldeia Buriti.
O processo de retomada das terras, parte dos 17 mil hectares já identificados através de estudos antropológicos como território indígena, começou no dia 10 de maio. A comunidade explica que a luta vai além do que é de direito, se tornou uma questão de sobrevivência.
Segundo os terena, nas aldeias são mais de 4 mil indígenas para 2 mil hectares de terra, o que matematicamente não é suficiente para a quantidade de pessoas.
“A demarcação, nós sabemos que esta nas mãos da justiça, mas pedimos que seja feita com mais rapidez. É a saída para produzir e criar nossos filhos”, afirmou Alberto.
Além da falta de condições para o cultivo e o sustento os terena questionam a preservação da área. O indígena Vanderliz, da Aldeia Buriti, relata que a nascente do córrego não é mais uma fonte de água. “Se for tomar vem urina de gado, a civilização perdeu a relação da cultura com a terra. Não tem mais nem madeira para fazer burduna.”
Aos olhos indígenas, a quantidade de pasto poderia ser dividida para que cada família plantasse pela sobrevivência ao contrário de estar à disposição de somente uma pessoa.
Os terena afirmam que em relatos anteriores foram retratados como agressivos. “Não somos selvagens, o que fizeram conosco e com nossos avós, isso foi. Não sei se a civilização dá outra palavra para isso. Não há injustiça, sabemos o que é nosso, Deus vai fazer justiça e a demarcação vai ser homologada”, declarou o terena Alberto.
Nascida e criada na Aldeia Buriti, a terena Carmen Alcântara, 49 anos, lembra com nostalgia da juventude, época em que vivia na cultura dos antepassados.
“Estamos muito espremidos, como num ovo de galinha. Quando era criança andava a cavalo, colhia mel, plantava bocaiúva, mandioca, batata, cana, isso é o que eu queria mostrar para as crianças, não tem coisa melhor do que andar no campo, mas não conseguimos mais passar isso para os filhos, vira para um lado não tem espaço. Da terra nós viemos e é ela que dá fruto para nossos filhos”.
Aula – Mesmo estando na retomada, as crianças indígenas não perdem de vista os estudos, em contato com a natureza e, de uma forma mais didática, os professores seguem com as lições.
Em uma encenação, os alunos revivem a retirada das terras dos antepassados, a perda gradativa dos costumes e a influência da civilização na cultura.
Essa foi a explicação para os pequenos do processo da retomada das terras. E a espera pela demarcação.
O passo tomado após a derrubada da liminar é dado pela AGU (Advocacia Geral da União) e MPF (Ministério Público Federal) para sustentar a manutenção da posse aos indígenas.
Impasse – A terra indígena Buriti, correspondente a 17 mil hectares, é reivindicada há décadas, mas só foi identificada pela Funai em agosto de 2001. Após a publicação do relatório de identificação, fazendeiros da região pediram na Justiça que fosse declarada a nulidade da identificação antropológica.
“A luta de retomada precisa ser olhada com mais cuidado pelas autoridades, não adianta as pessoas criticarem, precisam achar uma solução para a demarcação de terras. Os 300 hectares ainda não são suficientes, mas nós viemos para ficar”, finaliza Alberto França.