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Em Pauta

500 anos antes de Atenas, a democracia funcionava no Líbano

Por Mário Sérgio Lorenzetto | 24/03/2025 08:20
500 anos antes de Atenas, a democracia funcionava no Líbano

Atualmente, milhões de cidadãos em todo o mundo fazem perguntas de grande importância: o que está acontecendo com a democracia? Por que, em todos os lugares, considera-se que ela está recuando ou em extinção? Tais pessoas estão, de fato, certas em levantarem essas questões. Três décadas atrás, a democracia parecia abençoada. O poder do povo importava. A resistência pública ao governo arbitrário mudou o mundo para melhor. Hoje as coisas são diferentes. Os democratas parecem estar com o pé atrás. E não é para menos. O ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, disse que uma das piadas mais engraçadas sobre a democracia é que ela dá a seus inimigos os meios para destruí-la. A história importa porque, quando ignoramos o passado, invariavelmente entendemos mal o presente. E é de história da democracia que tratamos. Entender que sua origem não pertence aos atenienses é um passo para enxergamos seus problemas. A democracia é cheia de reviravoltas, de momentos mágicos.


500 anos antes de Atenas, a democracia funcionava no Líbano

As assembleias públicas na Mesopotâmia.

As mais recentes evidências arqueológicas sugerem que por volta de 2.500 a.C. , na área que conhecemos como Oriente Médio, assembleias públicas se formavam nas cidades entre os rios Tigre e Eufrates. As antigas cidades de Ur, Uruk, Larsa, Mari, Nabada, Nipur e Tutul eram centros de cultura e comércio. Seus zigurates, templos imponentes, eram fruto de admiração de viajantes. Irrigadas, suas terras eram valiosas. Promoveram os primeiros escritores da história: os copistas. Seus reis não eram monarcas absolutos, as evidências arqueológicas confirmam que pelo menos 2 mil anos antes do experimento ateniense com a democracia, o poder dos reis da Mesopotâmia eram restringidos pela pressão popular vinda de baixo, por meio de instituições chamadas “assembleias”. Eram conhecidas como “ukkin” em sumério e “puhrum” em acadiano, as duas línguas da região.


500 anos antes de Atenas, a democracia funcionava no Líbano

Cópia da assembleia dos deuses.

Eles acreditavam que seus deuses se reuniam em assembleias. Por imitação, formaram as assembleias humanas. Para esses povos, o cosmos era um universo cheio de conflitos, tal como a vida nas cidades humanas. Mas as divindades haviam conquistado uma importante vitória sobre os poderes do caos e haviam criado uma ordem. Isso ocorrera com negociações em assembleias. Eram 50 deuses e deusas, mas os principais integravam um círculo restrito de sete. A figura mais influente era “Anu”, o deus do céu e das tempestades, responsável pela convocação das assembleias. Quando os cidadãos se reuniam em assembleias - e elas ocorriam em todas as partes - pensavam em si mesmos como participantes do mundo das divindades. Algumas delas ocorriam nas zonas rurais. As reuniões nas cidades eram medidas pela capacidade de “pisar no calo” dos monarcas.


500 anos antes de Atenas, a democracia funcionava no Líbano

O “contágio” libanês.

Essas primeiras assembleias mesopotâmicas se mostraram “contagiosas”. Quase ao mesmo tempo, graças às rotas das caravanas e ao comercio fluvial, migraram para os dois povos fenícios, aqueles que hoje denominamos libaneses. Um raro rolo de papiro revela o importante papel que eles desempenharam na manutenção das assembleias. Documenta os infortúnios de um diplomata chamado Wen-Amon, da cidade egípcia de Tebas. Ele viajou por mar até a cidade fenícia de Biblos para comprar madeira - certamente de cedro. Apesar das prolongadas disputas sobre o pagamento e atrasos causados pela neve, a madeira acabou sendo transportada por uma equipe de 300 bois e carregada no porto de Biblos. Mas, na hora de zarpar, o povo vizinho de Theker, atacou o navio de Wen-Amon. Uma grande multidão reuniu-se ao redor do porto. A confusão reinou. Chamaram Zakar-Baal, o príncipe de Biblos, para resolver a crise. Para acalmar os ânimos, ele forneceu jarros de vinho, ovelha para assar e uma cantora para espalhar alegria. Mas nada adiantou. Ele teve de convocar uma “mw-dwt”, a assembleia de cidadãos das cidades libanesas para resolver a disputa. Votaram e o egípcio venceu a disputa na assembleia. Foram escoltados pelos cidadãos de Biblos em segurança.

 

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