500 anos antes de Atenas, a democracia funcionava no Líbano
Atualmente, milhões de cidadãos em todo o mundo fazem perguntas de grande importância: o que está acontecendo com a democracia? Por que, em todos os lugares, considera-se que ela está recuando ou em extinção? Tais pessoas estão, de fato, certas em levantarem essas questões. Três décadas atrás, a democracia parecia abençoada. O poder do povo importava. A resistência pública ao governo arbitrário mudou o mundo para melhor. Hoje as coisas são diferentes. Os democratas parecem estar com o pé atrás. E não é para menos. O ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, disse que uma das piadas mais engraçadas sobre a democracia é que ela dá a seus inimigos os meios para destruí-la. A história importa porque, quando ignoramos o passado, invariavelmente entendemos mal o presente. E é de história da democracia que tratamos. Entender que sua origem não pertence aos atenienses é um passo para enxergamos seus problemas. A democracia é cheia de reviravoltas, de momentos mágicos.
As assembleias públicas na Mesopotâmia.
As mais recentes evidências arqueológicas sugerem que por volta de 2.500 a.C. , na área que conhecemos como Oriente Médio, assembleias públicas se formavam nas cidades entre os rios Tigre e Eufrates. As antigas cidades de Ur, Uruk, Larsa, Mari, Nabada, Nipur e Tutul eram centros de cultura e comércio. Seus zigurates, templos imponentes, eram fruto de admiração de viajantes. Irrigadas, suas terras eram valiosas. Promoveram os primeiros escritores da história: os copistas. Seus reis não eram monarcas absolutos, as evidências arqueológicas confirmam que pelo menos 2 mil anos antes do experimento ateniense com a democracia, o poder dos reis da Mesopotâmia eram restringidos pela pressão popular vinda de baixo, por meio de instituições chamadas “assembleias”. Eram conhecidas como “ukkin” em sumério e “puhrum” em acadiano, as duas línguas da região.
Cópia da assembleia dos deuses.
Eles acreditavam que seus deuses se reuniam em assembleias. Por imitação, formaram as assembleias humanas. Para esses povos, o cosmos era um universo cheio de conflitos, tal como a vida nas cidades humanas. Mas as divindades haviam conquistado uma importante vitória sobre os poderes do caos e haviam criado uma ordem. Isso ocorrera com negociações em assembleias. Eram 50 deuses e deusas, mas os principais integravam um círculo restrito de sete. A figura mais influente era “Anu”, o deus do céu e das tempestades, responsável pela convocação das assembleias. Quando os cidadãos se reuniam em assembleias - e elas ocorriam em todas as partes - pensavam em si mesmos como participantes do mundo das divindades. Algumas delas ocorriam nas zonas rurais. As reuniões nas cidades eram medidas pela capacidade de “pisar no calo” dos monarcas.
O “contágio” libanês.
Essas primeiras assembleias mesopotâmicas se mostraram “contagiosas”. Quase ao mesmo tempo, graças às rotas das caravanas e ao comercio fluvial, migraram para os dois povos fenícios, aqueles que hoje denominamos libaneses. Um raro rolo de papiro revela o importante papel que eles desempenharam na manutenção das assembleias. Documenta os infortúnios de um diplomata chamado Wen-Amon, da cidade egípcia de Tebas. Ele viajou por mar até a cidade fenícia de Biblos para comprar madeira - certamente de cedro. Apesar das prolongadas disputas sobre o pagamento e atrasos causados pela neve, a madeira acabou sendo transportada por uma equipe de 300 bois e carregada no porto de Biblos. Mas, na hora de zarpar, o povo vizinho de Theker, atacou o navio de Wen-Amon. Uma grande multidão reuniu-se ao redor do porto. A confusão reinou. Chamaram Zakar-Baal, o príncipe de Biblos, para resolver a crise. Para acalmar os ânimos, ele forneceu jarros de vinho, ovelha para assar e uma cantora para espalhar alegria. Mas nada adiantou. Ele teve de convocar uma “mw-dwt”, a assembleia de cidadãos das cidades libanesas para resolver a disputa. Votaram e o egípcio venceu a disputa na assembleia. Foram escoltados pelos cidadãos de Biblos em segurança.
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