ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
JULHO, TERÇA  01    CAMPO GRANDE 16º

Economia

Com aluguel dobrando, comerciantes migram por não ver mais lucro no Centro

Problema também se agrava com falta de público e falta de segurança

Por Izabela Cavalcanti | 01/07/2025 12:19
Com aluguel dobrando, comerciantes migram por não ver mais lucro no Centro
Estabelecimentos fechados na Rua 14 de Julho, em plena luz do dia, nesta terça-feira (Foto: Osmar Veiga)

Quem caminha pelo Centro de Campo Grande sente que o comércio já não pulsa como antes. Vitrines cobertas por papel, placas de “aluga-se” e portas fechadas compõem há tempos o cenário de uma região que, por décadas, foi o principal ponto de vendas da cidade. E um motivo, em especial, tem ganhado força: os aluguéis altos, que chegam a dobrar de valor.

RESUMO

Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!

O Centro de Campo Grande enfrenta um esvaziamento comercial, com vitrines vazias e placas de "aluga-se" tornando-se comuns. O alto valor dos aluguéis é apontado como um dos principais motivos para a crise, levando lojistas a fecharem as portas ou migrarem para bairros. Comerciantes relatam dificuldades para pagar o aluguel, mesmo com a redução do fluxo de clientes e a concorrência de outras regiões. Alguns proprietários precisaram reduzir o número de funcionários e até mesmo fechar filiais devido aos custos. A queda no movimento também é atribuída à falta de estacionamento, à presença de moradores de rua e à falta de segurança. Lojistas relatam a necessidade de recorrer a promoções e vendas online para manter as portas abertas. A pesquisa da CDL Campo Grande revela o fechamento de mais de 2.600 empresas no quadrilátero central da cidade nos últimos sete anos. Especialistas defendem a necessidade de políticas públicas para incentivar a moradia no Centro, revitalizar a região e atrair novos investimentos, além de uma revisão nos valores dos aluguéis, que não acompanham a realidade do mercado atual.

A equipe de reportagem percorreu as ruas 14 de Julho, Barão do Rio Branco e Dom Aquino, que somam, pelo menos, 120 lojas fechadas. Na Rua 14 de Julho, entre as avenidas Afonso Pena e a Mato Grosso, foram contabilizados 34 estabelecimentos.

Já na Dom Aquino, a partir a Rua 13 de Maio até a Avenida Ernesto Geisel, 48 portas fechadas. Na Rua Barão do Rio Branco, a partir da Avenida Ernesto Geisel até a Rua 13 de junho, 37 lojas.

Para quem ainda está por lá, manter uma loja no Centro é um esforço diário e a incerteza da sobrevivência a cada mês. Além do preço dos aluguéis, os comerciantes também enfrentam um combo: queda no fluxo de clientes e a concorrência com bairros.

A proprietária de uma loja de chaveiros na Rua Dom Aquino, Sônia Regina de Albuquerque, demonstra a preocupação no olhar. Em 20 anos, ela mudou de estabelecimento três vezes, mas na mesma via, devido ao preço do aluguel.

Em um dos pontos ela ficou por 5 anos. No começo entrou pagando R$ 3,2 mil e quando o reajuste chegou a R$ 6 mil, resolveu se mudar. Na outra loja, começou pagando R$ 2,5 mil e após 3 anos, já está pagando R$ 3,5 mil.

Com aluguel dobrando, comerciantes migram por não ver mais lucro no Centro
Sônia mexendo em uma máquina de fabricar chaves na sua loja (Foto: Izabela Cavalcanti)

“O aluguel está caro. A gente trabalha o mês inteiro preocupado só com o fim do mês. Eu tenho a ideia de ir para o bairro. Aqui o pedestre diminuiu bastante, estão pedindo tudo pela internet”, pontuou.

Ela relembra também a época em que tinha sete funcionários e duas lojas. “A outra loja fechou por causa da crise, pandemia. É injusto subir tanto e ainda mais do jeito que está o Centro. Trabalho só para cobrir as despesas, teve mês que já tive que fazer empréstimo para pagar o aluguel”, lamentou.

Na Rua 14 de Julho, há 2 anos foi aberta uma loja de roupa infantil. As sócias da loja apostaram todas as fichas no novo ponto. Saíram da Dom Aquino, onde pagavam R$ 7 mil de aluguel e se mudaram para a 14 de Julho para pagar R$ 20 mil. Valor quase três vezes maior.

“No começo prometia muito. Foi uma aposta mudar para cá, mas de 8 meses para cá, as coisas mudaram. Hoje, estamos sufocados para pagar o aluguel. Tem meses que a loja não se paga, tem que tirar dinheiro do bolso. Trabalhamos para pagar aluguel e funcionário”, ressaltou uma das sócias, Priscila Fernandes.

Com aluguel dobrando, comerciantes migram por não ver mais lucro no Centro
Priscila em sua mesa de trabalho, dando entrevista (Foto: Izabela Cavalcanti)

Outro problema relatado por ela é a falta de estacionamento e a presença de andarilhos em frente da loja. “Os prédios aqui do Centro estão abandonados. Acho que tinha que criar estratégias para atrair mais gente. Os locais que cobram estacionamento, cobram caro”, completou.

Para tentar sobreviver, elas fazem promoções e recorrem às vendas online. “Temos que fazer isso, senão a coisa não anda. A maioria fala em ir para o bairro e a gente já começa a pensar também.”

O proprietário de uma loja de roupa masculina, também na 14 de Julho, conseguiu comprar o ponto. A loja ficou por 7 anos na Dom Aquino, neste período o aluguel saiu de R$ 6,8 mil para R$ 12 mil.

Para ele, chegar o final do mês e não ter que separar o dinheiro do aluguel, acaba sendo um alívio. “Foi um investimento, o dinheiro que não pago o aluguel, coloquei placa solar e vou fazendo outras coisas”, disse.

No entanto, precisa arcar com outro problema: o esvaziamento do Centro. “O Centro está esvaziando. Isso aqui era muito lotado. Hoje está tudo ‘bonitinho’, mas não tem mais público. Precisa melhorar tudo, a parte do estacionamento, a segurança, que inclui os moradores de rua”, comentou.

Na Rua Barão do Rio Branco, há 18 anos tem uma loja de roupas femininas que atende um público mais sofisticado. O prédio é da amiga da dona, que consegue seguraR o valor do aluguel que se mantém em R$ 5 mil.

Quando recebeu a informação de que o aluguel iria subir para R$ 8 mil, o pensamento logo foi sair do ponto, o que não aconteceu.

A gerente Maria Tereza deixa claro que o problema atual não tem sido o aluguel, mas, sim, o baixo movimento. Ela já não consegue bater a meta há 7 meses.

Com aluguel dobrando, comerciantes migram por não ver mais lucro no Centro
Maria Tereza organizando os vestidos da loja onde trabalha (Foto: Izabela Cavalcanti)

“A gente vendia muito, antes vendia 300 mil. Hoje, não consegue 50 mil. As clientes que vinham, não vem mais por causa da situação do Centro, as calçadas são sujas, tem muito andarilho, não tem estacionamento. Elas preferem o shopping. Abandono total do Centro”, disse.

Ela também reclama da escuridão da Barão do Rio Branco e compara com a Rua 14 de Julho. “Faz anos que tenho pedido iluminação em frente da loja. No fim do ano, a 14 é toda decorada e Barão é esquecida”, pontuou.

Levantamento mais recente da CDL Campo Grande mostra que em 7 anos, 2.613 empresas foram fechadas no quadrilátero central formado pelas ruas Rui Barbosa, Calógeras, 26 de Agosto e Avenida Mato Grosso.

Entre 2018 e 2025, o número de empresas ativas no quadrilátero caiu de 3.439 para 826, redução de 75,9%. No segmento de comércio eram 1.971 e caiu para 394; e no segmento de serviços, de 1.439 para 432.

O presidente da CDL Campo Grande, Adelaido Vila, avalia que o cenário atual do Centro acontece devido a falta de público.

“Sempre foi um aluguel mais caro no Centro de Campo Grande, porque o empresário tinha uma demanda de público. Hoje, ele não tem mais esse público. Nós tivemos uma evasão muito significativa de moradores no Centro, de pessoas que iam lá. As pessoas querem a cidade de 15 minutos, que é fazer tudo em 15 minutos próximo de onde a pessoa mora, ou próximo da onde trabalha, é a cidade a pé. O aluguel é um dos fatores, mas existem vários outros fatores da própria mudança de cultura de comércio, de varejo, no pós-pandemia”, enfatizou.

Para ele, uma das soluções é levar moradia para a região. “O primeiro aspecto é a gente conseguir levar mais moradia para o Centro. Precisamos ter uma política de incentivo para que as construtoras possam construir na área central com isenções tributárias. Mas, isso tem que ter uma vantagem para a construtora, senão a construtora prefere construir lá na periferia, do que construir na área central. Para ela, o custo do terreno é mais barato, o custo do IPTU é mais barato, tudo é mais barato. Então, o que a gente precisa é de uma ação realmente do poder público, no sentido de fomentar o Centro.”

Desvalorização – No ranking dos dez bairros de Campo Grande com o metro quadrado mais valorizado, o Centro está em último lugar. Segundo dados do Fipezap, o m² no Centro está custando R$ 4.562 e, em 12 meses, a valorização teve queda de – 0,4%.

Em primeiro lugar, está o bairro Santa Fé (R$ 10.961 /m²); em seguida, Jardim dos Estados (R$ 10.551 /m²); Carandá Bosque (R$ 9.041 /m²); Mata do Jacinto (R$ 7.496 /m²); Tiradentes (R$ 7.082 /m²); São Francisco (R$ 6.260 /m²); Rita Vieira (R$ 5.847 /m²); Cruzeiro (R$ 5.840 /m²); e Vila Nasser (R$ 4.762 /m²).

O diretor do Creci-MS (Conselho Regional dos Corretores de Imóveis), Luiz Gomes, pontua que os prédios antigos já não são mais valorizados e é preciso que os proprietários tenham essa percepção.

“Os proprietários precisam entender que seus imóveis não valem mais o que valiam há 10 ou 15 anos. Avaliações infladas afastam inquilinos e só aumentam a vacância. Estimular moradias no centro é fundamental para gerar movimento constante e reocupar os espaços urbanos. Há uma desconexão entre a realidade do mercado e a expectativa de muitos proprietários, que ainda enxergam o centro como o coração comercial da cidade – o que, infelizmente, já não é mais verdade. Além disso, a condição estrutural dos imóveis, muitos deles antigos e sem manutenção adequada, afasta investidores e lojistas.”

Ele também pontuou que a situação mostra urgência em repensar no futuro da região. “O Centro de Campo Grande está vivendo o que muitas capitais já passaram: um processo natural de declínio na atratividade. Isso não é uma tragédia, é uma realidade urbana. Centros antigos, em todo o mundo, enfrentam esse desafio. O Centro não oferece mais o que o consumidor moderno procura: conforto, segurança, lazer, mobilidade. Resultado? Perde público, perde fluxo, perde valor. O excesso de imóveis desocupados é o reflexo direto disso – e uma sinalização clara de que precisamos repensar o Centro com urgência”, finalizou.

Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.

Nos siga no Google Notícias