Casa foi abandonada à ruína como se não tivesse chance de restauração
Para quem valoriza história arquitetônica da cidade, ver estado deplorável de residência ainda dói no coração
Erguida em 1920, a Vivenda Ignácio Gomes continua se desfazendo na Rua Antônio Maria Coelho, esquina com a 13 de Maio. Conhecido como a casa tombada do ex-vereador Paulo Pedra, o edifício histórico parece abandonado ao ponto de não ter nenhuma chance, mas quem valoriza a história de Campo Grande defende que todos os traços históricos podem continuar vivendo através da restauração e uso adequado.
Da sujeira nas paredes, tapumes rasgados, telhado se desfazendo e rachaduras, o cenário parece caótico. Mesmo assim, para os olhos profissionais, tanto a árvore que se uniu à fachada quanto uma decadência na estrutura não significa que o único fim possível para o prédio seria uma demolição.
Responsável por reimaginar como a história poderia ser recontada, a arquiteta, artista plástica e muralista Natacha Figueiredo foi convidada para devolver a vida ao prédio através de um desenho. Levando em consideração que o espaço é patrimônio público e não pode ser desconfigurado, algumas atenções foram tomadas para que a arte surgisse.
Explicando sobre sua releitura, Natacha pontuou que, em sua imaginação, pensou no espaço como um café cultural, espaço gastronômico e de vivência artística durante a tarde e noite. Tudo isso para garantir que a sociedade também acolha a casa, assim como a natureza tem feito.
Usando cores fortes, a artista decidiu ressaltar as características da época em que foi construída e, ao mesmo tempo, chamar atenção para o espaço. Longe de apagar o local, Natacha explica que um projeto de iluminação seria importante para deixar o espaço mais seguro, e, com arte e comida, as pessoas passariam a ocupar a casa.
“Existem mil formas de trazer uso para um local, tentei respeitar a cara dele que é linda. Mantive também a árvore. Também quis marcar a história do abandono, que não deve ser esquecida, porque faz parte do que se tornou. A árvore também tem uma cara art noveau, que me permitiu entrar com as formas sinuosas do gradil”, detalha sobre o desenho.
E, claro, por se tratar de um croqui, a arquiteta esclarece que a escala real transformaria ainda mais o projeto pensado por ela. Mas, apenas com uma primeira ideia, é possível notar o potencial das paredes que seguem envelhecendo a duras penas.
Da dor ao restauro
“Chega dar dor no coração ver a situação de um imóvel único, exemplar em Campo Grande do movimento ecletismo com ares de art nouveau”, resume o arquiteto e superintendente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em Mato Grosso do Sul, João Santos.
Para quem não conhece, o arquiteto explica que o estilo da casa contempla um movimento que não chegou ao Estado com muita força. No caso do art nouveau, alguns elementos que remetem às formas naturais como conchas, arabescos e folhas podem ser visualizados nos prédios.
Especificamente sobre o edifício da Antônio Maria Coelho, João detalha que alguns pontos interessantes são detalhes da fachada, aplicação de efeitos decorativos, o topo decorado, molduras de janelas e elementos decorativos. Unindo todas essas características, o espaço se torna coeso e ganha uma caracterização própria.
“Ela tem uma imagem muito forte, impregna na nossa cabeça. Então, qualquer projeto não pode interferir na imagem que nós temos”, explica o arquiteto.
E, mesmo com o abandono visível, o arquiteto defende que não podemos dizer que o imóvel está em ruínas. “Só se fala que é uma ruína, dentro de uma vertente do restauro contemporâneo, quando ele é um fragmento daquilo que um dia foi. Ele é um edifício íntegro, a gente consegue observar as composições arquitetônicas, a forma da edificação, a volumetria. Então, é passível de forma e de restauração, tanto da fachada quanto do interior”.
Já tendo entrado no endereço, João também pontua que não é um imóvel perdido para definir que apenas uma demolição resolveria. Comparando com cenas vistas na Bahia, por exemplo, ele comenta que já viu imóveis em piores estados e que conseguiram ser recuperados.
Partindo dessa ideia, o superintendente comenta que além do restauro, um novo uso também precisaria ser bem planejado. Construída ligada a um uso residencial, a casa não comportaria algo que necessitasse de um grande salão.
Assim, a sugestão do arquiteto é que a casa recebesse o restauro e, apenas após essa etapa, viesse o pensamento sobre o uso. “Ela também possui espaço para um anexo. Há um grande terreno e, talvez, a composição de um grande anexo possibilite usos que não interfiram tão drasticamente dentro da casa”.
E, na prática, apesar do ambiente histórico poder se interligar com a criação de usos culturais, João pontua que outras alternativas podem ser mais adequadas. Isso porque, em Mato Grosso do Sul, manter esses locais representa um desafio.
“Sabemos que alguns usos podem dar novos sentidos como setores de café, refeição, alimentação, atendimentos sociais, um órgão público para receber mais pessoas, um centro de formação, de convivência de idoso. Enfim, um equipamento que possa dar garantias que vai ter uso respeitando a materialidade, história, estética e imagem”, diz João.
E os projetos?
Segundo processo do Tribunal de Justiça, a casa continua em processo de tombamento pela Sectur. Em 2021, o Campo Grande News noticiou que o prédio havia se tornado alvo de briga judicial devido à necessidade de recuperação do espaço.
Na época, a discussão era sobre o projeto de restauro entre o ex-vereador de Campo Grande, Paulo Pedra, a Igreja Palácio de Deus e a Sectur. Apesar do valor histórico ter sido considerado, a decisão em 2022 foi de que devido não ter sido comprovada a capacidade financeira do proprietário, não seria possível impor obrigações de realizar as obras.
Por não haver novidades nos processos jurídicos, a reportagem entrou em contato com os responsáveis pela Igreja Palácio de Deus questionando sobre possíveis projetos de restauro e destinação. Entretanto, até o momento não houve retorno.
Também questionamos a Prefeitura de Campo Grande sobre o andamento do tombamento do imóvel, mas não recebemos resposta.
Relembrando a discussão, em 2019, a Justiça decidiu que Paulo Pedra deveria realizar a recuperação em 8 meses, contando a partir de março de 2020. Entretanto, um ano depois, nenhum projeto foi apresentado.
No mesmo ano, o espaço foi vendido para a Palácio de Deus por R$ 420. Apesar de ter sido tombada em 2018 por decreto, Pedra tentou reverter a decisão.
De acordo com o processo, o espaço ainda não teve o tombamento finalizado, mas ainda assim fica protegido, sem poder sofrer intervenção.
Confira a galeria de imagens:
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