Como restaurante tão icônico segue fechado e à venda por R$ 4 milhões
Da fila quilométrica aos escombros, história do prédio fica apenas na memória de quem já viveu os anos de ouro

Por entre os pedaços de teto caídos no chão, os lustres imponentes anunciam que a história foi muito maior que os destroços. Hoje, alguns desenhos grafados na parede, monumentos chineses e uma parede de pedras gigantes são algumas das poucas coisas que sobreviveram ao tempo no Restaurante China, que tem mais de 1,2 mil metros quadrados.
RESUMO
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O icônico Restaurante China, localizado em Campo Grande, está fechado há 10 anos e à venda por R$ 4 milhões. Com mais de 1,2 mil metros quadrados, o espaço, que já foi um dos mais frequentados da cidade, se deteriorou e atualmente abriga moradores de rua. O proprietário, Danny Huang, relata que a queda do restaurante se deu após uma tentativa de homicídio que sofreu em 2015, o que o levou a repensar sua vida e carreira. Danny, que cresceu no ambiente do restaurante, destaca que o local foi pioneiro na venda de carne de jacaré e que sua estrutura foi projetada por um arquiteto chinês. Apesar de ter recebido propostas de compra, nenhuma foi considerada justa. O proprietário expressa tristeza ao ver o espaço em ruínas, repleto de lembranças de um passado vibrante, e afirma que não tem pressa para vender, buscando um valor que reflita a importância histórica do local.
Depois de 35 anos de atividade e 10 anos de vazio, um dos prédios mais icônicos da Capital está reduzido a ruínas. À venda por R$ 4 milhões, o espaço segue juntando poeira desde 2015 e sendo usado como abrigo para moradores de rua.
Quem conta a história do lugar é o próprio dono, Danny Huang. Sem nunca ter dado entrevista, ele aceita dar detalhes da trajetória do império que construiu com a família, mas não permite ser fotografado. Diz que a fala por si e as fotos já dizem tudo. Voltamos ao passado para entender o presente.
Sem um dos olhos e com o maxilar reconstruído, o dono comenta que tudo mudou após uma tentativa de homicídio que sofreu dentro da gerência do restaurante. Desde então, o trabalho diminuiu e o ritmo de vida melhorou. Nascido e criado em meio aos negócios e à comida, Danny viveu o Restaurante China como quem vive em casa. Isso rendeu a ele a posição de administrador financeiro não só do China, mas do Hadji – Comida Árabe, que até 2015 ficava ao lado, na Rua Pedro Celestino, e também pertence à família.
No primeiro andar do prédio, apenas freezers destruídos e buracos na parede. Invasores levaram todos os tipos de fios possíveis. Os quadros de energia ficaram apenas na memória. Na parede, uma pele de jacaré ainda está por ali. Segundo ele, o restaurante foi o primeiro do país a ser autorizado a vender a carne do animal. No China, o animal era um dos pratos exóticos e era servido como risoto, jacaré xadrez com ervilhas, jacaré xadrez frito e jacaré com legumes feito na chapa.
Dany comenta que a estrutura e a decoração do local foram pensadas por um arquiteto chinês, trazido exclusivamente para o trabalho.
“Ele existe desde 1975. Era na 15 de Novembro. Meu pai comprou aqui e tocou lá até 1988. Construímos o primeiro piso e inauguramos. No 1º e 2º ano era casa cheia praticamente todos os dias, tinha filas enormes para entrar, em datas comemorativas era uma loucura. Minha mãe tocava a cozinha, meu pai o caixa e eu só olhava, isso na infância. Foi assim um bom tempo. Com o resultado, levantamos o segundo andar com a intenção de ser um prédio mais fino. O pai trouxe cozinheiros de São Paulo para trabalhar. O paladar não agradou o pessoal e fechamos o segundo andar.”
Ele conta que, no andar de baixo, não existia classe social. O intuito era atender a todos. Os pratos mais pedidos eram o yakisoba e o frango xadrez. “O andar de cima era pra ser mais requintado. A gente servia comida chinesa, o sushi veio só depois, com o tempo, em 2010. Também trouxemos um pianista para tocar. Ficou por um ano e não deu certo de novo e deixamos apenas para evento. Funcionou até 2015.”
Apesar da autorização para visitar o prédio por dentro, quem acompanha o tour é o amigo desde a adolescência, Robson Ulisses. Desde cedo, ele frequentou o restaurante e guarda as mesmas memórias que Dany. Entre uma escada e outra dentro do prédio, ele conta como eram os tempos de ouro do restaurante
“Uma das memórias mais fortes que tenho era justamente ver essa fila enorme dobrando a esquina. Antigamente tinha aquários onde as pessoas comiam vendo os peixes. O pai e a mãe do Dany vieram para o Brasil sem saber falar uma palavra. Somos amigos desde a época da escola. As pessoas entravam pela parte do Buda e isso fez muito sucesso. Naquela época não existia Instagram, mas as pessoas tiravam fotos aqui perto porque tinha uma fonte com carpas. A parede de pedra deve ter uns 2,5 metros. Aqui foi o primeiro lugar onde comi carne de rã e carne de jacaré. Os pratos eram muito diferentes. Era muito inovador.”

Para ele, o sentimento de ver o prédio transformado em ruína é de tristeza. “Ver ele assim deixa o coração apertado porque sei o quanto foi importante e isso mexe com o emocional. Conheço a família. O Dany não admite, mas sei que tem um sentimento de tristeza por tudo o que aconteceu.”
Acidente e história que acabou
Dany fala objetivamente, explica por que o Restaurante China fechou e conta como foi o dia em que quase foi morto durante o trabalho. Para ele, o motivo para terem desistido de manter a história construída ali foi o cansaço. Vivendo uma rotina que começava de madrugada e só tinha fim na próxima, Dany viu que estava perdendo muita vida. Mas ele só percebeu isso após ter sobrevivido a duas balas no rosto.
“Eu estava no escritório de madrugada e aqui do lado não tinha portão, o acesso era livre. Um dia ele entrou, foi no meu escritório e disse que queria dinheiro. Eu disse que o acerto dele já tinha sido feito – ele tinha sido dispensado. Então ele deu a volta na minha mesa para abrir a gaveta onde eu guardava dinheiro.Eu levantei e dei um empurrão, foi quando escutei ele falar ‘atira’, aí a pessoa que estava com ele apertou o gatilho".
O empresário levou dois tiros na cabeça. Um saiu pelo eu olho esquerdo e o outro por baixo, destruiu o maxilar de Dany que teve que ser reconstruído. "Eu levantei de onde estava e saí, os funcionários ouviram também. Cheguei lá fora e pedi pra chamar minha irmã que estava no restaurante.”

O atentado aconteceu em 2015. Dany diz não guardar traumas e não ter problema em falar sobre o assunto, mas nunca deu entrevista sobre isso. “O que saiu na mídia era apenas especulação. O funcionário estava com a gente há 1 ano quando fez isso.”
“É muito cansativa a vida de restaurante. Hoje temos só três unidades no Comper da Tamandaré, Brilhante e Spipe, com o Hadji Esfiharia e China. Eu diminuí o ritmo depois do acidente. Me dei conta de que estava perdendo muita vida pelo trabalho, hoje tenho uma vida mais saudável. Antigamente não tinha horário. Eu vivi o restaurante, estava todos os dias lá, era uma paixão.”
Sobre a venda do prédio, Dany diz não ter pressa de vender e que, ao longo do tempo, apareceram compradores, porém nenhum ofereceu um valor justo. De acordo com ele, o valor de R$ 4 milhões não é apenas pelo restaurante.
“Estamos vendendo a área total, isso inclui o restaurante, a parte do lado (que hoje é um lava-jato) e o estacionamento. Se quiser locar, eu loco. A gente faz uma carência; se quiserem reformar, a gente aluga também. Vieram pessoas interessadas, mas não com valor compatível. Estou aberto a propostas, não estamos desesperados para vender se não for um valor justo.”
Sobre o problema dos moradores de rua terem destruído a parte interna do prédio, Dany diz não ter o que fazer e que já chegou a encontrar pessoas dentro do restaurante, chamou a polícia e o cenário se repetiu. Para tentar minimizar o estrago, ele abriu um lava-jato ao lado, onde ficava o Hadji.
Com a entrada totalmente fechada, lixo na calçada e itens da cultura japonesa destruídos, ficaram apenas as lembranças do que um dia foi um dos restaurantes mais bonitos de Campo Grande.
Confira a galeria de imagens:
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