Aprendendo a conviver com o luto, Silma optou em doar as córneas do filho
Lucas Daniel Venâncio morreu depois de ficar 1 mês internado, por conta de acidente de trânsito na Afonso Pena
Às 9h30, o alarme tocou, chamando atenção da manicure Silma Leal Venâncio, 42 anos, durante entrevista ao Campo Grande News. Era o alerta colocado há um mês, para que tomasse banho e fosse à Santa Casa visitar o filho Lucas Daniel Venâncio Dutra, 22 anos, internado em estado gravíssimo.
Desde o dia 21 de junho, o aviso perdeu o sentido: o rapaz morreu durante a madrugada, depois de ficar um mês no hospital, por conta dos ferimentos causados em acidente de trânsito ocorrido no cruzamento das avenidas Afonso Pena e Ernesto Geisel.
“Eu ainda estou aprendendo a conviver com a dor”, disse Silma, uma justificativa para ter parado no tempo. Desde que soube da morte de Lucas, refugiou-se na casa da irmã, no Portal Caiobá, sem coragem de voltar para onde mora com os filhos. “Não consigo olhar o sofá que ele sempre dormia, está até afundando, porque ele só dormia lá; ficou sofá vazio, muito vazio.”
No dia 21 de junho, Silma recebeu aviso pelo WhatsApp de que deveria comparecer à Santa Casa. Foi recebida na porta pela enfermeira e levada para setor de patologia. “Quando fui para esse lugar, já sabia que ele tinha morrido, ninguém me comunicou, falando o que tinha acontecido, eu entendi”, contou. A manicure ainda lembrou da frase dita depois pela profissional. “Você sabe das dificuldades que ele teve, sofreu acidente grave”.
Lucas Daniel tinha sofrido traumatismo craniano e diversas fraturas na bacia e no fêmur, sendo mantido em coma induzido, intubado, com inchaço no cérebro. Silma conta que, cerca de 20 dias depois da internação, chegou a ser extubado, mas mordeu a língua, sofreu corte profundo e perdeu parte do órgão. O médico a avisou das sequelas caso sobrevivesse. “Se ele tivesse alta, não seria mais o mesmo Lucas, sairia em estado vegetativo, sem língua”.
Apesar do quadro grave, Lucas esboçava reações, mas evidenciava o sofrimento. A mãe conta que sempre conversava com ele. “Eu falava que amava, que estava esperando por ele, aí ele chorava, mexia a boca e apertava minha mão”.
Por isso, convivendo com o filho no hospital, Silma contou que orava pela recuperação, mas, com o passar dos dias, começou a se conformar. “Eu vi que ele estava sofrendo muito e orei, ‘Senhor, pode recolher ele, meu filho está sofrendo muito, eu não aguento mais’”, contou. O rapaz morreu à 0h do dia 21 de junho. Completou 22 anos no dia 27 de maio, internado no hospital.
A família optou por doar as córneas do rapaz. Silma soube que o transplante foi feito em paciente de 12 anos, um menino que se chama Lucas. “Doei pensando nisso, que eles vão continuar a ver as maravilhas do mundo”, entre elas, a praia, sonho do filho que acabou não se realizando.
Acidente – Silma estava com problemas de saúde e parou de trabalhar. Por isso, a ajuda de Lucas e dos outros dois filhos, de 19 e 17 anos, era essencial para compor a renda familiar.
“Era menino responsável, estava se recuperando de depressão, se encontrou no emprego, era tudo o que queria”, disse Silma, referindo-se à lanchonete aberta em sociedade com a prima. Para complementar a renda, ainda trabalhava de motoentregador.
Lucas estava de moto Honda Fan quando aconteceu acidente, na noite de 21 de maio, envolvendo Chevrolet Tracker.
Conforme o boletim de ocorrência registrado na Depac/Cepol (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário), os dois veículos estavam na Avenida Afonso Pena, quando a Tracker iniciou a conversão à direta e atingiu a moto.
O condutor da Chevrolet Tracker foi submetido a teste de alcoolemia, sendo atestada 0,13 mg/L, o que configura pena administrativa. No flagrante, foi ouvido e liberado. O caso será investigado pela 1ª DP (Delegacia de Polícia), sob responsabilidade do delegado Rodrigo Nunes Zanotta.
Na checagem dos dados da moto, foi constatado que Lucas não tinha CNH (Carteira Nacional de Habilitação). A motocicleta foi levada ao pátio do Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito). De acordo com Silma, o rapaz estava se preparando para fazer a prova prática e retirar o documento.
Sobre o motorista, Silma lamenta. “Não é só a partida do ser humano que dói, é saber que o homem nem quis saber; eu me pergunto, será que ele tem filho?”. O filho foi enterrado no Cemiterio Jardim da Paz, ontem.