De lavador de chão a dono: a história da peixaria mais antiga da cidade
Loja é a mais antiga de Campo Grande e carrega uma história centenária com raízes espanholas

Minha vida é isso aqui, é o Mercadão, a peixaria, o ar que eu respiro é isso. Todo dia no final da tarde tinha faxina na peixaria, eu era apaixonado em fazer”, diz Cleuber Gonçalves Linares.
Essa é a fala de quem viu a peixaria do pai ser pioneira em praticidade e conquistar o título de mais antiga na cidade. O local tem 49 anos em Campo Grande, mas a história da família com os peixes é centenária. Quem olha para a peixaria do Mercadão Municipal não imagina o caminho percorrido para ela ser o que é hoje e, inclusive, ter no cardápio até caldo de piranha pronto.
O avô de Cleuber- um dos herdeiros do negócio - era espanhol e quando chegou no Brasil não sabia fazer outra coisa que não fosse vender peixe. Assim que desembarcou no porto de Santos pegou um caixote, colocou os peixes e começou o negócio. Foi para São Paulo e começou a história da família. A paixão pela profissão apareceu em Cleuber anos mais tarde, mas primeiro ela passou pelo pai, Manoel Linares.
“Eu comecei a trabalhar na peixaria com 7 anos de idade. Saí da escola, vinha correndo pra cá. Eu já tinha uma bota que meu pai deixava para mim na porta. Ele não me obrigava a trabalhar, eu gostava, porque todo dia do final da tarde era faxina na peixaria, eu era apaixonado em fazer”.
A infância do empresário foi na peixaria, aliás, a vida toda, assim como a do pai, que faleceu aos 65 anos. Durante toda a vida Manoel dedicou os dias ao local e a paixão passou para os filhos que, apesar de terem oportunidade de seguirem por caminhos diferentes, trocaram as opções pela profissão do pai.
“A nossa essência é isso aqui. Eu não me arrependo de nada. Meu pai sempre foi muito rígido. Quando a gente ia pular Carnaval, chegava na quarta-feira de cinza, não tinha essa, de não trabalhar. A gente chegava três, quatro horas da manhã e às cinco horas tinha que estar aqui na peixaria. Ele já saia acordando todo mundo, falava: ’já pularam Carnaval lá fora, agora vamos pular lá dentro’”.
Segundo Cleuber, o pai nunca deixou de incentivar os três filhos a estudar, inclusive pagava pagava cursos e os meninos matavam aula. A vontade era estar na peixaria ao lado do pai.
“Nós crescemos aqui. Não levamos a frente os estudos porque era isso que a gente queria, a peixaria. Eu comecei direito, interrompi, então comecei de administração e parei também. pensei ‘cara eu vou me formar, sou apaixonado pela matéria de direito, mas não vou exercer’. Decidi me dedicar à peixaria e gastar minhas energias nisso”.
O gosto pelo lugar rendeu a Cleuber a posição de presidente da Associação dos Comerciantes do Mercado Municipal. O pai também ocupou o lugar anos antes. Sobre o sucesso da peixaria na cidade, o dono conta com orgulho sobre a história da família e as ideias que mudaram o rumo das coisas.

“É muito gratificante a gente ver tudo isso que aconteceu. É uma empresa familiar, principalmente a nossa, que já tá na terceira geração, é muito difícil isso. Tanta gente falou que os filhos iriam acabar com tudo. Eu acho que o sucesso foi porque nós arregaçamos as mangas. Foi muita persistência, muita dedicação”.
Ele relembra que o trabalho na peixaria, há 40 anos atrás, não tinha horário, era de segunda a segunda, das 6h às 18h. Apesar da rotina pesada durante a adolescência e fase adulta, ele não se arrepende de ter escolhido o caminho dos peixes.
“Eu nasci basicamente em uma peixaria, a casa era no andar de cima e a loja em baixo. Onde eu vou o primeiro lugar que eu chego pergunto se tem um mercadão porque eu quero conhecer, quero ir, quero ver. Eu acho legal a essência, sentir o cheiro que tem no mercadão. Eu sinceramente não tenho 0,1% de arrependimento”.
Chegada e mudanças
Após chegar em Bauru, cidade do estado de São Paulo, o avô viveu a ascensão do negócio com os peixes. Ele tinha vários caminhões que buscavam mercadoria em Mato Grosso do Sul. O filho, Manoel, já andava por Coxim e Corumbá. Depois de anos fazendo isso, Manoel veio para ficar.
“Meu pai era comprador nas beiras de rio, então ele comprava, colocava no trem na época, e levava. Não tinha isopor, não tinha nada, o que não tinha era palha, palha de arroz. Colocava palha, colocava gelo e colocava peixe, era o que conservava.
Quando o mercado foi apertando, Manoel decidiu que não podia depender só dos rios. Montou uma piscicultura em Bandeirantes e apostou na reprodução de peixe. “Foi uma forma que meu pai encontrou lá atrás de tentar fomentar a atividade para não parar”.
Na peixaria, o tempo também trouxe outras mudanças. O peixe começou a ser cortado em pedaços, depois veio sem espinha, depois veio recheado. O pacu virou prato pronto, vendido temperado, embalado a vácuo e com instruções para o cliente assar em casa.
“Meu pai sempre foi muito visionário. Ele sempre enxergava lá na frente, ele entendeu que cortar o peixes iria facilitar. Aí começou a ter essa opção de ter o pacu inteiro e o pacu cortado em costas. Nós somos pioneiros, hoje a cidade toda vende peixe assim. Meu pai foi para Cuiabá aprender a tirar espinha de peixe. Isso é um processo 100% artesanal, manual. Não existe uma máquina que faça isso”.
Além dos peixes, a empresa arriscou em subprodutos como bolinho de pacu, hambúrguer e carne moída. Tudo é aproveitado. Hoje a peixaria tem até caldo de piranha pronto e o pacu com farofa cuiabana, segredo guardado a sete chaves por Cleuber.
“Minha mãe fazia para gente comer em casa. Aí pensei que a gente precisava industrializar isso. Aí veio o bolinho de bacalhau".
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