Longe de casa, haitianos celebram cultura e identidade em MS
Evento em comemoração ao Dia da Bandeira foi resgate da cultura e história haitiana em Campo Grande
Na mistura de aromas, sabores e ritmos, a saudade se transformou em celebração. Neste sábado, a comunidade haitiana de Campo Grande se reencontrou pela primeira vez desde a pandemia para comemorar a Festa da Bandeira do Haiti, uma data sagrada para quem nasceu na terra caribenha e hoje constrói uma nova vida em Mato Grosso do Sul.
Para além de uma comemoração, o evento foi um elo com o passado, uma forma de ensinar às novas gerações o valor das raízes, da cultura e da identidade haitiana.
Ao som de estilos musicais típicos do Haiti, e com pratos que exalavam lembranças, o encontro serviu como reencontro com sabores e histórias deixadas para trás. No cardápio, arroz com feijão verde, frango ao molho da terra, bolinhos de banana-da-terra e salada colorida embalada por especiarias. Para brindar, o tradicional crémas: bebida à base de cachaça, coco, canela, leite condensado, limão, açúcar e outros segredos caribenhos.
"É mais do que comida. É uma forma de matar a saudade", resume Junel Ilora, presidente da Associação Haitiana de Campo Grande.
Morando no Brasil desde 2014, Junel diz que manter viva a cultura é um compromisso com a própria história. “A festa da bandeira é um dia sagrado para nós. Mesmo longe do Haiti, é importante comemorar, mostrar para as nossas crianças que temos um país, uma bandeira, uma identidade. Elas precisam conhecer isso”, explicou.
Com dois filhos nascidos em solo brasileiro, ele diz que a língua é um dos maiores desafios, mas também uma riqueza: “O povo haitiano tem uma capacidade natural de falar vários idiomas. É importante passarmos isso para eles também”, acrescenta.
O Haiti conquistou sua independência em 1803, tornando-se a primeira república negra livre das Américas. Mas desde então, o país enfrenta instabilidade política e desastres naturais, como o terremoto devastador de 2010, que fez milhares de mortos e obrigou muitos a deixarem o país.
Hoje, Campo Grande abriga cerca de 2 mil haitianos. Muitos vieram em busca de paz, trabalho e condições melhores para criar os filhos.
Entre eles está Matilde Silencieux Chery, que chegou à Capital em 2023 para viver junto do marido e dois filhos. Ela conta que, apesar das saudades da família e das diferenças culturais, se sente segura no Brasil. “Lá tem muita coisa difícil. Aqui a gente vive melhor, sem tanta preocupação. Estou feliz”, afirmou.
Matilde também vê na festa um momento de reconexão. “É importante porque é meu país. Eu gosto da minha bandeira, gosto de dançar, de cantar, e ensino isso todos os dias aos meus filhos”, revela.
Para Aphidalie Michel, que vive em Campo Grande desde 2016, a adaptação à nova cultura foi mais desafiadora. “O mais difícil foi a língua. No começo, não entendia quase nada”, relembra. Mãe de dois filhos brasileiros, ela tenta manter os costumes haitianos em casa. “Meu filho entende minha língua, mas fala mais o português. Mesmo assim, falo sempre do Haiti, das comidas, das pessoas de lá", conta.
No espaço decorado com bandeiras do Haiti e de Mato Grosso do Sul, o evento reforçou o respeito e a integração. Crianças brincavam enquanto os adultos cozinhavam, dançavam e relembravam histórias da terra natal. “A comida brasileira é boa, mas a gente faz nossas receitas por causa da saudade. É como se eu trouxesse um pedacinho do Haiti comigo”, contou Aphidalie.
Apesar das dificuldades, como o idioma e o reconhecimento profissional, a comunidade haitiana resiste, empreende e contribui com a cultura e a economia local.
A Festa da Bandeira, mais do que um encontro, foi um gesto de afirmação, de que mesmo longe das praias da terra natal, o Haiti continua vivo em Campo Grande, seja no sotaque, nos temperos, na música e na luta diária por dignidade.
"Aqui o povo e acolhedor, ajuda, orienta. Sofri muito no começo, mas o calor humano faz toda diferença", conclui Junel.
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