Ninguém vê, mas todo dia trabalho de síndico é provar que é honesto
No Dia do Trabalhador, categoria conta quais são perrengues que passam e os bastidores da profissão
Quem nunca ouviu “chama o síndico” não mora em condomínio ou vive em um mundo paralelo. Além da lista de atividades extensa que a função exige, há profissionais que precisam encarar o primeiro desafio como uma questão de honra: acabar com a imagem que alguns têm de que os síndicos são ladrões, ou seja, “furtam” o dinheiro dos moradores. Ao contrário do que muitos acreditam, o trabalho está longe de ser flores e lucro.
Neste Dia do Trabalhador (1), o Lado B trouxe alguns para contar os perrengues que eles passam e mandar aquele recado especial para os condôminos. Para eles, além de mostrar transparência nas ações financeiras, que hoje são de responsabilidade das administradoras, o maior desafio é lidar no dia a dia com os moradores.
Alessandra Rocha Brito, 54, comanda um residencial pequeno, próximo à UCDB. Ela saiu da faxina para ocupar o cargo após anos de dedicação ao local. Para ela, a questão da confiança financeira não é um problema, já que os moradores a colocaram na função. Além de ser síndica, ela se considera um “Severino”, ou a faz-tudo.
“Eu não tive esse problema aqui no meu condomínio porque eu comecei como diarista, limpando, aí as pessoas já foram me conhecendo. Depois eu fui subsíndica, também não tive problema porque nós aqui sempre priorizamos mostrar o que temos em saldo e o que foi gasto. Sempre está tudo às claras. Faz 7 anos que moro aqui.”
Ela conta que tem dias em que o estresse toma conta, mas que a conversa sempre prevalece. Para Alessandra, o maior problema é a reclamação sobre o uso da maconha. “Essa foi a minha maior batalha aqui no condomínio, mas graças a Deus se resolveu. O pessoal não quer seguir normas”.
Além do que está claro para os moradores, também existem funções que ninguém enxerga. Entre elas, a síndica ressalta que dá muito trabalho ter que pechinchar tudo.
“Porque tudo é caro e, como aqui é pequeno, tem que fazer isso. Administrar dá muito trabalho, mas sair da faxina e ir para a gestão foi tranquilo. Eu sou síndica, zeladora, diarista, um pouco de tudo. Eu sou Severino, tudo que precisam eu estou à disposição".
Paula Belchior, de 49 anos, é professora e já foi síndica durante 7. Ela também acredita que lidar com os residentes é a parte mais complicada do trabalho, por ter que fazer eles entenderem que moram em um local com regras de convívio. Além disso, há pouca participação nas decisões do local.
“O seu direito termina onde começa o direito do outro. Em um condomínio, o que deve ser seguido é o regimento. Não é aquilo que o síndico acha que ele tem que fazer ou acha que ele tem que cobrar. É algo que foi definido no início do condomínio. Muitos moradores querem se comprometer apenas com aquilo que lhes é de interesse, como na parte da academia, na parte infantil. As outras demandas do condomínio não interessam, e isso é muito ruim, porque muitas vezes as decisões em assembleia são tomadas por poucos moradores”.
Perrengues e encheção de saco
Ela comenta que, durante a gestão, houve vários problemas pontuais com a construtora, que a deixou na mão, inclusive com uma caixa de água. Mas nada supera a reclamação dos moradores quando são penalizados com uma multa.
“Ele pensa que recebeu a multa porque ou é perseguido ou porque a administração tirou a regra da cabeça, mas não é assim. Nós temos um regimento que foi elaborado, debatido, conversado, votado entre os moradores. Muitas vezes o morador tem muita dificuldade em entender isso. Então é complicado lidar com esse tipo de situação”.
Uma das histórias que ficaram marcadas para ela foi um barulho misterioso que intrigou os moradores durante uns dois meses. O som era tão alto que foi preciso chamar um perito para tentar desvendar o caso. No final, o barulho era de uma máquina de lavar.
“O morador vai no grupo do condomínio e manda um caso de um prédio que desabou em São Paulo, aí o outro fala que é um vazamento, e no final foi uma máquina que estava com um problema. Ela estava encostada na parede e o barulho potencializava e ficava muito alto”.
Hoje, Paula é ex-síndica, mas carrega na memória os desafios e a rotina intensa do cargo.
“Foram sete anos de muito trabalho, de muito aprendizado. Eu tenho a minha profissão à parte, então são duas situações para administrar e os moradores não sabem que é o dia inteiro funcionário, limpeza, elevador. Para quem mora no condomínio e é síndico, na verdade, é um trabalho de 24 horas, porque se acontece algum problema de madrugada, quem é acionado? O síndico. Se eu estou no meu horário de trabalho particular e acontece alguma situação no condomínio, quem é acionado? O síndico. E a maioria dos moradores não vê isso”.
Falando em absurdos, perrengues e encheção de saco, a síndica Weila Castro Escobar, responsável pela gestão de um condomínio no bairro Jardim Seminário, comenta que chegou a ser ameaçada de morte e que ouviu que a responsabilidade de pegar as fezes dos animais no local era dela.
Foi um período difícil, precisei me ausentar da minha própria casa por medo de retaliação ou até algo mais sério. São mais de 1.400 pessoas no condomínio, temos muitos animais de estimação e uma cobrança dessas foge totalmente do que é a função de síndico, assim como vai muito além do bom senso, pois cada tutor deveria catar a sujeira do seu pet. Exigir que o síndico faça a função de coletar foi um pouco demais.”
Situações como essa deixam o trabalho, que poderia ser prazeroso, uma profissão perigosa e que mexe com o emocional deles. Aqui, o uso de entorpecentes também já foi problema.
Os moradores acham que é função do síndico ir lá e apagar o cigarro de maconha do vizinho. Não importa o que faça e por melhor que faça, nunca é suficiente. Mediar desentendimentos entre vizinhos, lidar com reclamações e garantir o cumprimento das regras do condomínio exige paciência, tato e habilidades de comunicação. Exige muita cautela e conhecimento. Não posso agir pela impulsividade ou achismo dos vizinhos”.
Apesar de tudo, Weila acrescenta que os síndicos já não precisam provar a todo momento que não estão furtando o dinheiro dos condôminos e que entende que é um estigma da profissão.
“Levo como trabalho duro. É trazer um ambiente orgânico e sustentável para o condomínio. É ter ideias e colocá-las em prática, de forma que beneficie todos. É utilizarmos os valores das taxas condominiais e efetivamente propor melhorias que beneficiem o todo. Assim, a questão de ter o árduo trabalho de se demonstrar que não é ‘ladrão’ cai por terra, porque é uma gestão eficiente e eficaz com retorno ao condomínio”.
Recado aos moradores
Diante de tantos problemas e conflitos, as síndicas pedem para que os moradores valorizem bons gestores, que muitas vezes vivem da função 24h.
“Muitos, assim como eu, exercem outra função, mas nunca deixam de lado e, por vezes, sobrepõem a gestão condominial acima de sua própria vida e afazeres”, comenta Weila. Já Paula diz que, se pudesse dar um recado, seria um pedido de que eles compreendessem de fato o trabalho do síndico.
“No caso do síndico orgânico, é um morador que se dispôs a ficar à frente do condomínio, e o que falta muitas vezes é o morador ter um olhar de compreensão, de empatia. É não ver o síndico como uma pessoa que está ali, independente do horário, do dia da semana, férias, feriado, uma pessoa que está ali para resolver os problemas do condomínio, independente do que seja”.
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