Fã de Yeltsi e com deficiência visual, Henrique enfim ganhou abraço
Criança arrancou risadas do paratleta ao dizer que tênis de mesa é mais a praia dele
Na plateia, Henrique Furtado Esbizaro escuta atento o paratleta e multicampeão olímpico Yeltsin Jacques contar sobre a história dele no esporte. Ali, na cadeira, o menino espera ansioso pelo momento em que enfim poderá conversar com ele por alguns minutos e ganhar um abraço. Aos 7 anos, Henrique ri, aplaude e, quando sobe no palco, arranca risadas do paratleta ao dizer que não gosta tanto assim de corrida e que tênis de mesa é mais a praia dele.
Além do esporte, a admiração do menino por Yeltsin vem da identificação com a deficiência visual que ambos têm. Henrique nasceu com glaucoma congênito e perdeu a visão ainda bebê. Espontâneo e sem travas na língua, ele corrige uma conta que Yeltsin fez, pergunta se ele gosta de tênis de mesa e se o corredor não é bom na modalidade porque nunca tentou jogar. É nesse momento que a plateia aplaude e ri da reação do paratleta.
Apesar do momento, o primeiro encontro dos dois aconteceu no Centro de Altas Habilidades de Campo Grande, mas, além disso, eles eram vizinhos quando Henrique era mais novo. Quem conta sobre isso é a mãe, Simone dos Reis Furtado Esbizaro.
“A gente morou num prédio e, coincidentemente, meu esposo conheceu o Yeltsin. Logo depois, ele começou a ganhar várias medalhas, então ficou muito conhecido aqui. O Henrique tem altas habilidades em linguagens e robótica e ele escreve super bem.”
Simone conta que descobriu a doença no filho quando ele tinha 12 dias de vida. A primeira cirurgia veio pouco tempo depois. Aos 8 meses, Henrique teve que colocar um implante nos olhos. A resposta do corpo não foi boa e ele teve uma infecção ocular. A partir daí, ele não enxergou mais nada.
“Quando ele nasceu, você praticamente não via o branco do olho. Era um azul bem branco e era opaco. Eu achava estranho, mas a minha mãe tem o olho claro. Meu olho não é claro, nem do meu esposo. Eu falava que tinha alguma coisa errada. A gente saiu da maternidade e não falaram nada para nós.”
Depois de uma consulta com a pediatra, a médica encaminhou a gente para um exame específico e foi constatado que o caso precisava de ainda mais atenção e que a Capital não supriria isso.

“Ela disse para ir embora para São Paulo porque não conseguia ver o fundo do olho dele. A gente conseguiu entender rápido o que era, e tentamos tudo que era possível — e o que não era possível — para tentar ajudar.”
A arquiteta conta que todo o processo foi complicado, mas que, em nenhum momento, encarou com pena a realidade do filho. Pelo contrário, se empenhou para criar uma criança como qualquer outra, com dificuldades e necessidades específicas e, sobretudo, autônoma.
“Eu tenho uma filha mais velha, a Maria Fernanda, ela tem nove anos. Então, quando ele nasceu, ela tinha dois, mas eu falo que o grande lance disso tudo foi que eu e o meu esposo sempre tivemos entendimento. A gente só precisou fazer alguns ajustes e sempre foi assim. Ele usa o braille, lê e escreve. Foi alfabetizado muito novo. Com quatro anos ele já lia e escrevia, porque também ele é muito inteligente.”
Henrique comenta que ama robótica e que, inclusive, já fez protótipos do corpo humano. Entre os gostos da criança estão os animais e alguns esportes, como tênis de mesa, natação e judô.
O paratleta Yeltsin Jacques explica que inspirar outras crianças com deficiência visual — ou não — na prática de qualquer esporte é um orgulho para ele.
“O que a mente humana é capaz de acreditar, ela pode realizar. O possível e o impossível só dependem de você, do modo que você olha. Acho que essa inspiração que eu me tornei, essa referência no esporte, não só na corrida, é um orgulho. O Henrique mesmo falou: ‘eu não gosto muito de correr’, e eu não falo só disso, do atletismo, eu falo do esporte, da educação, do que você quiser escolher na sua vida. A gente sempre toca que o esporte é uma carreira de curta duração. Então, ele tem muita similaridade com a vida, e acho que é isso que eu procuro mostrar”.
Yeltsin foi diagnosticado, aos dois anos, com a doença de Leber, que leva à perda progressiva da visão. O pai se assustou com a notícia e, segundo ele, a mãe contou ao paratleta que ele quase desmaiou. Já a mãe saiu do médico, tudo passou, e comprou uma bicicleta.
“Ela conta que teve um sonho. Na verdade, a minha mãe trabalhava na saúde e foi estagiar na APE, ainda grávida, e disse que viu que teria um filho com deficiência igual àquelas crianças, só que ele iria brincar normalmente. E eu cresci normal nas ruas, brincando, fazendo arte. Sempre falo que as oportunidades que eu não tive de estudar foram porque eu não quis, porque eu fui atrás do sonho do esporte. E hoje eu sou formado em Educação Física, estou cursando a pós-graduação em Fisiologia”.
Apesar de ter tentado seguir por outros caminhos acadêmicos, como o do Direito, o esporte sempre foi a grande paixão de Yeltsin, que começou na natação, depois foi para o judô e se encontrou no atletismo aos 16 anos.
“Acho que minha mãe nunca imaginou que eu seria um grande atleta. Ela viu no esporte a oportunidade de me dar essa autonomia, essa liberdade de poder conhecer, conhecer as outras pessoas, conviver. Hoje são 18 países, estou indo para o 19º agora, para a Índia, e, assim, pude conquistar o mundo dessa forma. Então, conhecer o mundo... acho que ela nunca imaginou essa grandiosidade, mas ela viu no esporte essa oportunidade".
A palestra de Yeltsin aconteceu nesta quarta-feira, na Sanesul, nova patrocinadora do paratleta e multicampeão olímpico.
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