No cubículo de Luiz, há sapatos de clientes esquecidos há 30 anos
Luiz Carlos trabalha como sapateiro e guarda pares esquecidos pelos fregueses que prometeram voltar
Em um espaço minúsculo, Luiz Carlos José da Silva, de 68 anos, espera há anos pelos clientes que prometeram buscar seus sapatos. Enquanto nenhuma alma aparece, o sapateiro segue trabalhando em sua oficina, que já se tornou um depósito de calçados deixados para conserto.
RESUMO
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Luiz Carlos José da Silva, 68 anos, é o último sapateiro de uma família que teve 20 profissionais no ramo. Há 45 anos no ofício e três décadas no mesmo endereço em Campo Grande, ele mantém uma pequena oficina na Avenida Júlio de Castilho, conhecida como "sapataria do Tigrão". O estabelecimento, sem identificação na fachada, acumula pilhas de calçados deixados para conserto ao longo dos anos. Apesar do espaço reduzido e da desorganização, Luiz renovou recentemente o contrato do imóvel por mais 20 anos. No entanto, sem interesse dos filhos pelo ofício, ele pode ser o último sapateiro da família.
Luiz conta que sua profissão foi herdada da família do pai. Ele diz que ao menos 20 de seus familiares compartilharam a mesma vocação. “Era toda a família, mas agora só fiquei eu”, relata.
O sapateiro conserta calçados há 45 anos e, há três décadas, permanece no mesmo local na Avenida Júlio de Castilhos. O espaço é simples e pode passar despercebido na correria do dia a dia. A fachada do salão é laranja, a mesma cor do toldo acima da porta de entrada.
A sapataria não tem nome pintado na porta, e isso nunca foi problema. “Todos já me conhecem; não preciso divulgar número de telefone para conseguir clientes. Eles vêm aqui. Aos novos clientes, basta procurar no Google ‘sapataria do Tigrão’ que irão encontrar”, afirma.
Logo na porta, o visitante se depara com cintos e sandálias novas trazidas de Belém. Um passo adiante e já é possível tocar o balcão. O espaço é tão pequeno que só cabem duas pessoas. As prateleiras, abarrotadas, guardam calçados empilhados uns sobre os outros. A mesma cena se repete no balcão.
O lugar parece ainda menor devido à quantidade de sapatos guardados ali. As duas prateleiras disponíveis no local amontoam calçados um em cima do outro. No balcão, a mesma cena se repete.
Já a máquina de costura, que deveria auxiliar Luiz durante os consertos, fica escondida debaixo de outra pilha de sapatos. “Não era pra estar em cima, porque não tem como. É um espaço pequeno.”
Para trabalhar, Luiz conta com uma cadeira de plástico, onde costuma sentar-se para realizar os reparos. “Aqui eu faço mais consertos e não venço. Hoje em dia, faltam sapateiros; aqui mesmo, nesta região, só eu. Os sapateiros estão ficando extintos.”

Ele reconhece o “caos” do próprio espaço e resume: “Aqui eu tô entupetado”. “Quando a pessoa chega e fala: ‘eu deixei semana passada’, eu penso: ‘meu Deus, e agora?’. Antes, minha filha fazia o cadastro certinho: tinha o nome da pessoa, o número da prateleira, eu ia lá e pegava. Era fácil. Mas foi chegando, foi chegando, eu relaxei, e hoje é onde eu me perco”, admite.
Além da filha, o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) também tentou ajudar na organização da sapataria. As duas prateleiras que existem hoje foram instaladas após orientação da instituição. “Eu coloquei, mas não vence. Com uma semana isso aqui entope tudo.”
A sapataria recebe clientes de todo o Estado e, com o fluxo intenso, há calçados guardados ali há muitos anos. “O cliente traz uma sacolada de sapatos, mas às vezes o olho é tão grande que, em vez de trazer um par, traz aquele monte. Aí fica caro. Eu faço o serviço e fico esperando voltarem. Fico guardando coisas dos outros aqui que talvez já até morreram.”
Com tantos anos de trabalho, Luiz aprendeu a lidar com diferentes tipos de fregueses e a confiança construída ao longo das décadas. “Como eu tô aqui há muito tempo, só aquele cliente que você desconfia você pede 50%. Mas a maior parte é cliente bom, que eu já conheço, pego o nome. Até eles perguntam: ‘você quer 50%? Quer receber agora?’ Eu digo: ‘não, paga amanhã, quando pegar’”, conta.
Sobre o fiado, ele é categórico: “Eu não faço. Prefiro arrumar e não cobrar do que fazer fiado; você perde um amigo e não vai pagar mesmo. Então, na maior parte, eu não cobro.”
O sapateiro garante que seus clientes poderão contar com ele por pelo menos mais 20 anos. Em outubro, renovou o contrato de aluguel do imóvel onde funciona sua sapataria. “Tenho contrato para mais 20 anos. Se você voltar aqui daqui a 20 anos, eu ainda estarei aqui”, afirma, com o orgulho de quem não pretende largar o ofício tão cedo.
Apesar da linhagem extensa de sapateiros, Luiz pode ser o último da família. “Meus filhos nem olham para cá, não querem saber. Então, acho que a linhagem vai parar por aqui. Não vi com os netos ainda; se eles quiserem, nós continuamos”, diz.
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