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Diversão

Depois de muita porta na cara, Dudu criou um festival cultural na raça

Cansado de tentar ganhar editais, Eduardo fez o próprio, que resiste há 10 anos em Campo Grande

Por Natália Olliver | 14/04/2025 07:13
Depois de muita porta na cara, Dudu criou um festival cultural na raça
Produtor cultural vê palco do festival que  criou e resiste há 10 anos em Campo Grande (Foto: Natália Olliver)

Em 2013, as portas se fecharam para o ator, músico e produtor cultural Eduardo Miranda — ou melhor, nem chegaram a se abrir. Mas, apesar de dar de cara com elas trancadas, ele conseguiu enxergar janelas. Mesmo com dificuldades, nascia ali, na Praça do Rádio Clube, o festival Expressão de Rua. Hoje, depois de 10 edições, ele se emociona ao falar sobre como é resistir para fazer arte na raça e, principalmente, continuar acreditando no projeto que é a vida dele.

Há 18 anos, ele se inscreve em editais públicos, mas nunca foi contemplado. Para mostrar que a arte existe além da burocracia, ele criou o evento, que no começo não tinha sequer caixa de som. O objetivo é acolher os artistas que, assim como ele, não têm espaço na cena. Desta vez, o festival aconteceu na Plataforma Cultural.

"A rejeição faz a gente tomar algumas atitudes. Ver as portas batendo a todo momento na nossa cara faz com que a gente ative o nosso poder, nosso sensor criativo, e vá à luta em vez de ficar reclamando. Foi isso que a gente fez: pegamos tudo isso, transformamos em energia, e deu resultado. Esse festival tem história."

Depois de muita porta na cara, Dudu criou um festival cultural na raça
Eduardo Miranda, ou Dudu como é conhecido resistiu e teve que fazer festival na raça (Foto: Natália Olliver)

Sobre as dificuldades, ele ressalta que muitos não acreditavam no sonho de fazer vingar um festival feito com o cotidiano dele: pessoas do rap, funk, grafiteiros. Ele conta que, no passado, foi julgado e chamavam de louco.

“Eu acho que, de certa forma, eu era um pouco. Porque seria muito fácil eles fazerem o que eles queriam com a gente. Acharam que eu iria ficar quieto lá no canto. Pegar as sobras. Eu me recusei. Me emocionou muito, foram 10 anos eu pegando o ônibus, levando ofício para cima e para baixo e nada. Até hoje eu ainda vivo das minhas pulseiras na rua, vendendo meus artesanatos. Então, esse festival não foge da minha realidade. Alguém tinha que acreditar. O Carlinho faz valer a pena esses 10 anos.”

Ele se refere a Carlos Porto, produtor cultural e diretor de eventos culturais e esportivos. Foi ele que ajudou  Dudu como é conhecido, na empreitada do festival. Ele conta que manter a ideia de uma coisa assim por tanto tempo e sustentar ela exige ousadia. E que, para o povo preto, as coisas demoram a acontecer.

Depois de muita porta na cara, Dudu criou um festival cultural na raça
Depois de muita porta na cara, Dudu criou um festival cultural na raça
Dudu e Carlos na 10ª edição do fesival Expressão de Rua (Foto: Natália Olliver)

“A vida sempre foi mais difícil. É um embate que a vida nos coloca todos os dias. É a sua aparência, você é questionado por várias questões: será que você tem conhecimento, capacidade técnica, operacional, intelectual, será que você vai ser um bom gestor? Então, a ousadia de fazer incomoda muita gente. É um festival que tem dez anos, o Dudu é diretor e mantém a ousadia. A trajetória dele é a do festival, é a história do dia a dia dele”.

Carlos explica que se aliou a Eduardo para fazer a gestão do projeto e captação dos recursos necessários para a realização ao longo dos anos. Este é o maior evento em comemoração às 10 edições.

Depois de muita porta na cara, Dudu criou um festival cultural na raça
Depois de muita porta na cara, Dudu criou um festival cultural na raça
Romilda Pizani apresentou o festival Expressão de Rua, neste domingo (Foto: Natália Olliver)

“Tudo isso faz uma referência dessa identidade que a gente tem. Enquanto homens pretos e mulheres pretas, músicos pretos, trabalhadores da cultura, criando essa referência dessa identidade. Desde a apresentadora, que é a Romilda, até os músicos que estão fazendo. Isso não é exclusão, é uma inclusão dessas pessoas que foram excluídas há muito tempo de todo esse processo.”

Quem apresentou o festival foi Romilda Pizani. Para ela, enquanto mulher negra atuante na cena, o evento serve para fortalecer a cultura local. “Estamos resistindo a essa cultura que é imposta, que é a não valorização do que é social. Trazendo exatamente o que nós temos. É importante e necessário. A sociedade pode se ver, se reconhecer e se apropriar”.

Uma das cantoras da festa foi Bernarda Ferreira, ou Black Bee, como é conhecida. Ela é vocalista do projeto To’kaya e já participou de 7 edições do festival. Embora esteja há tanto tempo junto do produtor Eduardo, este ano foi o mais significativo para a artista.

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Bernarda Ferreira, ou Black Bee, vocalista do projeto To’kaya (Foto: Natália Olliver)

“Ele conseguiu unir toda a cena, os artistas. Isso é difícil. O pessoal gosta do que vem de fora. Sempre são melhores para eles do que a gente. Tem muita coisa legal aqui. Por mais que tenha coisas que fortalecem a periferia, ainda é bem pequeno. Por que a gente não merece cachê, espaço, um palco bonito? Moro perto das Moreninhas, no Alves Pereira, e ali não tem esses rolês quase”.

O DJ Bruno dos Santos, ou DJ TGB, conta que se apresentou e levou dois novos artistas para o palco. “São 10 anos de Expressão de Rua. Família, essa aqui é a resistência. Festival lindo, máximo respeito. Campo Grande tem uma cultura maravilhosa, linda e pesada", disse.

Também DJ, Lara Naja assistia ao show do gramado da Plataforma Cultural. Para ela, o festival valoriza os artistas que muitas vezes não são lembrados.

“É importante para os artistas, para a cultura, para enaltecer esses que são esquecidos. E ali, fazendo na raça, eu sei bem. Também sou produtora cultural e sei quanto é difícil fazer com que a gente consiga um espaço".

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DJ Bruno dos Santos, ou DJ TGB e a namorada Lisa Lima(Foto: Natália Olliver)

A Cigana Luna Negra acrescentou que a luta cigana e negra se aproxima por precisarem mostrar que elas existem. Ela é amiga do idealizador do festival, mas participou pela primeira vez.

“Esse ano o destino cigano nos juntou. A gente tinha programado coisas próximas e acabou caindo na mesma data. A gente resolveu se juntar e trazer a comunidade cigana pra dentro, porque tem tudo a ver. Isso tá sendo muito rico. Estamos trazendo a nossa cultura, integrando e debatendo preconceitos. Discutindo o porquê as portas são tão fechadas para nós”.

Quem também subiu no palco do festival foi a cantora Luciana Vilharva, vocalista do grupo Samba do Caramelo. Essa foi a primeira participação dela no Expressão de Rua.

“É importante, tanto para a gente quanto para as crianças que sempre estão aqui. Isso abre muito espaço, é muito importante a gente celebrar a cultura negra, cultura afro, e o samba também faz parte disso.”

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 Luciana Vilharva, vocalista do grupo Samba do Caramelo (Foto: Natália Olliver)

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