Documentário mostra impactos de hidrelétrica que “afogou” pantanalzinho em MS
“Barragens Entre Nós” traz pescador a 14 km de lago de usina, mas sem peixe para sobreviver
A inauguração da Usina Porto Primavera, na divisa de Mato Grosso do Sul e São Paulo, se deu há 25 anos, mas os impactos da obra faraônica, idealizada na ditadura militar, ainda ecoa nos dois lados do Rio Paraná. São águas que nos levam ao documentário longa-metragem “Barragens Entre Nós”, que teve pré-lançamento em agosto e é dirigido por Rodrigo Guim.
Do lado de cá, em Mato Grosso do Sul, o lago da hidrelétrica engoliu 200 mil hectares, incluindo uma região de várzea, um “pantanalzinho”, com fauna típica da planície alagável que fica em Corumbá.
“O maior impacto no MS foi na área de várzea, com 200 quilômetros de extensão, um pantanalzinho. Com animais como tuiuiú, capivaras. Os pescadores contam da abundância de peixes, que pescavam uma vez por semana”, afirma o diretor.
Agora, estão a 14 quilômetros do lago e precisam pescar todos os dias para tirar das águas o pouco pescado que lhes garantam a sobrevivência. A usina trouxe mudanças irreversíveis para o meio ambiente.
“O impacto ambiental não tem parado, está sempre acontecendo. A natureza tenta se adaptar, mas é um impacto muito grande para a biodiversidade e a vida das pessoas que sobrevivem do rio”.
A formação do reservatório forçou a remoção de Porto XV de Novembro, distrito de Bataguassu que sobreviva da pesca e olaria. Mas, lá na década de 90, muita gente nem acreditava que tudo ia virar água.
“O pessoal da Velha Porto XV, que agora é a nova, durante um tempo não acreditava que ia encher o rio e alagar a vila. Com o tempo, acabaram acreditando porque a água ia chegar mesmo”, diz Rodrigo.
O começo foi feliz pela perspectiva de empregos com Carteira de Trabalho assinada. “Mas não durou muito tempo. Não foram indenizados e muitos ainda brigam na Justiça para receber por aquilo que tinha”.
Do lado paulista, o apartheid – Em São Paulo, a construção da usina resultou na construção de Primavera, distrito de Rosana. Na verdade, duas: porque tinha uma "cidade” para a elite e outra para o povão. A diferenciação era feita na estrutura para atender os funcionários mais graduados e os trabalhadores da barragem. Cada um tinha seu clube de lazer, por exemplo, enquanto que os filhos dos engenheiros estudavam em salas melhores e com professores mais qualificados.
“Primavera foi muito elogiada, tinha uma vida muito boa, mas também carregou o aspecto de segregação. As casas eram diferenciadas. Os clubes eram diferenciados. Tinha segregação na escola. O documentário toca nessa ferida”.
Antes do rio, a guerra – As filmagens começaram em 2004, mas o documentário nasceu vinte anos depois.
“Me mudei para Primavera quando passei no concurso para ser professor da Unesp [Universidade Estadual Paulista], no curso de Turismo. Chegando lá, conheci algumas pessoas da comunidade muito preocupadas com as questões ambientais, justiça social e cultura no Pontal do Paranapanema. Seria um documentário sobre a história do município. Mas comecei a ver que aquela história era bem complexa. Tinha muitos elementos, colonos, pescadores, ribeirinhos, história de uma ferrovia que nunca chegou”, rememora Rodrigo.
Nessa parada de duas décadas, o diretor, que é antropólogo e ecólogo, partiu para o Afeganistão, em meio à guerra. Ele estava nos Estados Unidos, onde fazia doutorado, quando aconteceu o ataque às torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001.
“O atentado me levou a perguntar porque os Estados Unidos entraram numa guerra com o Afeganistão. Não era só ‘pegar’ o Bin Laden. Me maravilhei com a história do país e fiquei estupefato por estar em guerra desde 1979. Ninguém estava olhando para a história desse país”.
Ele conseguiu financiamento e voou para o Afeganistão, onde rodou o documentário “Em Nome do Meu Povo”.
Vinte anos depois, a ideia do documentário se concretizou com financiamento do governo de São Paulo. “A ideia do projeto estava mais madura. Mas era preciso conseguir verba pra fazer direito, com equipe, um bom diretor de fotografia do meu lado”.
As filmagens do documentário foram em São Paulo (Primavera, Rosana, Assentamento Gleba XV de Novembro, Presidente Prudente e São Paulo), Paraná (Maringá) e Mato Grosso do Sul (Nova Porto XV, Brasilândia e Campo Grande). Ao todo, foram captadas mais de 50 horas de depoimentos.
O documentário teve exibições em São Paulo e será agendada apresentação em Nova Porto XV, Mato Grosso do Sul.
Mini Pantanal – Remanescente do bioma encoberto pelo lago fica na Reserva Particular do Patrimônio Natural Cisalpina, unidade de conservação criada em 2007 e que ocupa 3,8 mil hectares no município de Brasilândia. O total equivale a 38 quilômetros.
Ficha Técnica:
Título: Barragens Entre Nós
Direção: Rodrigo Guim
Produção Executiva: Marcello Souza Pires
Fotografia e Montagem: Rafael Rydlewski
Roteiro: Rodrigo Guim e Joabinadabe Gomes Mendes
Produção e Design: Lu Fernando Neves
Produção: Instituto ISCAP
Realização: Programa de Ação Cultural, por meio da Secretaria Estadual da Cultura, Economia e Indústria Criativas, governo de São Paulo.
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