Muito mais que uma bandeira: estudo revela 11 funções da cauda do tamanduá

Por mais de dois anos, pesquisadores observaram um dos maiores mistérios da fauna brasileira

Por Gabriela Couto | 30/06/2025 16:57

Uma nova pesquisa realizada no Cerrado sul-mato-grossense acaba de revelar um segredo guardado pela natureza há milênios: a cauda do tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) não serve apenas para exibição. Ela é multifuncional e vital para a sobrevivência da espécie.

Estudo revela que a cauda do tamanduá-bandeira possui 11 funções vitais para a sobrevivência da espécie, indo além da função estética. A pesquisa, publicada no Journal of Ethology, documentou comportamentos como regulação térmica, proteção contra predadores, camuflagem e cuidados maternos, com a cauda atuando como cobertor, ventilador, sombra e berço. A cauda também se mostrou importante para o equilíbrio e comunicação entre mãe e filhote, indicando, por meio de gestos, quando o filhote pode ou não se aproximar. Considerado "vulnerável", o tamanduá-bandeira se beneficia deste estudo, que contribui para a reabilitação e soltura de animais feridos, cujas lesões na cauda comprometem o transporte de filhotes e a termorregulação.

Publicada na prestigiada Journal of Ethology, a pesquisa liderada pela bióloga Alessandra Bertassoni, do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), documentou 11 comportamentos distintos relacionados ao uso da cauda, muitos deles descritos pela primeira vez. As observações somam impressionantes 266 horas de campo entre 2021 e 2023. Clique aquiBertassoni et al_2025- Tail behavior giant anteater.pdfpara ler o artigo.

Muito mais que uma bandeira: estudo revela 11 funções da cauda do tamanduá — Sombra viva: mães usam a cauda como sombrinha para proteger os filhotes do sol (Foto: ICAS)

Uma cauda com múltiplos talentos

Ao contrário do que se imaginava, a cauda exuberante, que inspirou o nome “bandeira”, vai muito além da estética. O estudo detalha como esse apêndice atua em funções mecânicas, comportamentais, fisiológicas e até de vínculo social.

"Identificamos comportamentos que envolvem equilíbrio, regulação da temperatura, proteção contra predadores, camuflagem, sinalização de alerta e cuidados maternos", explica Bertassoni.

Da sombra ao sinal de alerta: o que a cauda pode fazer?

Entre os comportamentos descritos, destacam-se:

Cobertor térmico: durante o sono, a cauda cobre o corpo como um edredom, ajudando a conservar calor.
Ventilador natural: em dias quentes, o tamanduá abana a cauda para se refrescar.
Sombra viva: mães usam a cauda como sombrinha para proteger os filhotes do sol.
Berço camuflado: ao dobrar a cauda sobre si, a mãe esconde e aquece o filhote, dificultando a visualização por predadores.
Sinal de “não me incomode”: a cauda também serve para comunicar ao filhote quando ele não deve subir nas costas da mãe.
Equilíbrio na caminhada e na postura ereta: atua como contrapeso em movimentos delicados.

“O mais fascinante é que a cauda, além de funcional, também é uma forma de comunicação entre mãe e filhote. Ela responde ao toque do filhote com gestos sutis, como abrir ou manter-se fechada, indicando se ele pode ou não se aconchegar”, destaca Bertassoni.

Embora a cauda do tamanduá-bandeira sempre tenha chamado atenção pelo tamanho e beleza, esta é a primeira vez que se comprova seu papel como peça-chave na ecologia comportamental da espécie. O estudo também documenta, com riqueza de detalhes, o crescimento da cauda dos filhotes desde os primeiros dias de vida até a forma adulta, dados inéditos para a ciência.

Classificado como “vulnerável” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), o tamanduá-bandeira enfrenta ameaças crescentes como atropelamentos, perda de habitat e mudanças climáticas. Para os cientistas, entender o papel da cauda é fundamental para garantir a sobrevivência da espécie.

“Lesões na cauda comprometem o transporte de filhotes e a regulação térmica, impactando diretamente a chance de sobrevivência. Isso nos ajuda a tomar decisões mais informadas sobre a reabilitação e soltura de animais feridos”, afirma Arnaud Desbiez, coautor do estudo.