Veneno adoeceu aldeia, contaminou o Pantanal e virou negócio para o PCC em 2025
A face mais dolorosa do uso de agrotóxicos é encontrada nos rostos dos indígenas de Guyraroká
Seja no “banho” de veneno com pulverização aérea que não poupa nem crianças em aldeia indígena, seja na ação judicial que cobra R$ 300 milhões por contaminação do Rio Dourados ou no “radar” da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) por movimentar R$ 20,8 bilhões por ano no Brasil, o agrotóxico marcou o ano de 2025 em Mato Grosso do Sul.
RESUMO
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O uso indiscriminado de agrotóxicos em Mato Grosso do Sul tem causado graves problemas em 2025, especialmente na aldeia indígena Guyraroká, em Caarapó. A comunidade, com 120 pessoas, incluindo bebês e gestantes, sofre com intoxicações frequentes devido à pulverização aérea nas lavouras de soja vizinhas, impossibilitando até mesmo o cultivo de alimentos para subsistência. Pesquisas revelam a presença alarmante de agrotóxicos nas águas da região, incluindo substâncias como 2,4-D e atrazina. O Ministério Público Federal move ação de R$ 300 milhões contra empresas e Ibama por danos ambientais, enquanto o mercado ilegal desses produtos, que movimenta R$ 20,8 bilhões anualmente, atrai a atenção de organizações criminosas como o PCC.
A face mais dolorosa da questão é encontrada nos rostos dos indígenas de Guyraroká, em Caarapó, a 274 km de Campo Grande.
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Quando a aeronave que pulveriza agrotóxico na lavoura de soja está no céu, os guarani-kaiowá logo sentem, em terra, os efeitos do veneno. A intoxicação começa com dor de cabeça e no estômago, que evolui para vômito e diarreia. Além da coceira que castiga a pele, em especial os olhos.
Os efeitos atingem a todos na aldeia com 120 pessoas, mas o “banho de veneno” é mais severo para os vulneráveis, como as crianças e idosos. Em setembro deste ano, a comunidade tinha 12 bebês, 37 crianças e quatro gestantes.
Nos últimos tempos, o uso do solo mudou na região. Até 2018, predominava pastagem para criação de gado, sem pulverização de veneno. De 2019 em diante, as fazendas migraram para soja e milho, culturas que se revezam em Mato Grosso do Sul.
Com as sucessivas pulverizações de agrotóxicos, os indígenas não conseguem cultivar alimentos para subsistência. Não há mais plantio de milho, amendoim, abóbora, melancia, mandioca e arroz.
A extensão do problema é reforçada pela pesquisa “Agrotóxicos e violações nos direitos à saúde e à soberania alimentar em comunidades Guarani Kaiowá”, realizada entre 2021 e 2024.
Espremida entre as lavouras de soja, a terra indígena, cujo processo de demarcação se arrasta desde 2009, tem agrotóxico em todas as águas: da torneira (vinda de poço artesiano), nascentes e chuva.
“A pesquisa encontrou quantidades alarmantes de agrotóxicos diferentes. Em poucas amostras foi detectada concentração acima do máximo permitido. Mas ficamos muito assustados com a quantidade de agrotóxico. Inclusive na Guiraroká”, afirma a pesquisadora Alexandra Penedo de Pinho, que é bióloga, doutora em engenharia agrícola e professora no Instituto de Biociências da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). A entrevista ao Campo Grande News foi em setembro de 2025.
Conforme Alexandra, há ingrediente ativo como o 2,4-D, o mesmo presente na composição do “Agente Laranja", desfolhante químico altamente tóxico usado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. O veneno resultou em má-formação nas crianças. Além disso, o 2,4-D e a atrazina apresentam alta capacidade de infiltração e alcance de águas subterrâneas.
As amostras foram colhidas seguindo o ciclo da soja, a commodity vice-líder nas exportações no 1º semestre de 2025, que rendeu 1,8 bilhão de dólares na balança comercial de Mato Grosso do Sul.
Conta de R$ 300 milhões
Em novembro, o MPF (Ministério Público Federal) ajuizou ação de R$ 300 milhões contra 20 empresas e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) por danos ambientais no Rio Dourados.
O processo cita estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) que identificou presença de atrazina em todas as 117 amostras coletadas no ano de 2021 na bacia do corpo hídrico. O herbicida é amplamente comercializado no Estado.
A ação busca responsabilizar as empresas pela poluição do solo e da água na Bacia do Alto Paraguai, que engloba o Pantanal, devido ao uso massivo e persistente do agrotóxico
O órgão federal contesta que exista “uso seguro” da atrazina, amplamente difundida pelas fabricantes, afirmando que ela é categoricamente refutada por pesquisas e literatura científica internacional.
No radar do PCC
Investigação sobre agiotagem em Franca (SP) mostra que o PCC havia recebido R$ 40 mil "pelo veneno" e sofrido calote em outra negociação. A informação foi divulgada pelo jornal Folha de São Paulo em 27 de outubro, a partir de confirmação do MPSP (Ministério Público de São Paulo).
De acordo com o IDESF (Instituto de Desenvolvimento Econômico Social de Fronteira), o mercado paralelo de agrotóxico é mantido por quatro crimes: roubo de carga legalizada, falsificação de defensivo agrícola, contrabando e importação de produtos legais para usar na adulteração (desvio de finalidade).
Mato Grosso do Sul lidera as apreensões, concentrando 35% a 40% das operações da Polícia Federal, sobretudo nas regiões de fronteira com o Paraguai, principal origem dos produtos contrabandeados.
“Altamente e extremamente tóxicos”
Em março, reportagem do Campo Grande News mostrou que propriedades rurais de Mato Grosso do Sul utilizaram 43 milhões de litros e 17 mil toneladas de agrotóxicos, de janeiro a junho deste ano, segundo dados da Iagro (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal). Deste total, 5,9 milhões de litros são considerados altamente e extremamente tóxicos.
O resultado foi um avanço, mas preocupante. No ano passado, 4,9 milhões de litros foram considerados altamente tóxicos.
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