O esplendor da magnífica primeira visão da fruta madura
Aconteceu de as goiabas nascerem antes do tempo e o pé ficou cheio delas. Raul olhou para a árvore e tentou subir nas últimas galhadas, lá estavam as mais maduras. Marcelo ficou no chão, tinha medo de altura. De repente, Raul escorregou e caiu lá de cima, ralou a perna num galho, rasgou a calça e o sangue jorrou. Correu para casa chorando, sem conseguir falar. Marcelo ficou olhando para o pé de goiaba, uma vontade louca de subir, mas o medo não deixava.
Ramona surgiu logo depois. Trazia na testa uma marca de ira na forma de veia pulsante:
- Você bateu no meu irmão?
Marcelo sentia medo de quase tudo. De Ramona, muito mais. Se conheciam da escola, uma relação repleta de olhares conflituosos.
Ela se modificou de repente, coisa de alguns meses, desde quando Marcelo a viu pela última vez. Agora existia entre eles um espanto mútuo, os volumes crescidos nos corpos, uma ardência nos olhos tentando desviar o deslumbre que ambos sentiram naquele exato instante. Dias atrás, Marcelo era franzino, mãos finas, ranho no nariz permanente. Agora, mesmo sem perceber, já era rapaz e fingia ser menino em busca de frutas nos pés de goiaba. Ramona era magrinha e acanhada, vivia brigando com os colegas do colégio e reclamando dos vestidos, cada vez mais curtos. Quantos dias não se viam – pensou Marcelo – no mesmo instante que lhe invadia na mente a imagem de um verão chuvoso, todos correndo para a sala de aula, com medo dos trovões. Inesperadamente,
Ramona alisou seus cabelos e disse alguma coisa sobre como brilhavam, que gostava, que loiro era bonito, logo ele que nem loiro era.
O instante de lembrança foi embora nas nuvens do passado e deu lugar ao eminente combate.
Marcelo tentou falar sem tropeços:
- Não bati no Raul. Ele subiu para apanhar as goiabas e caiu.
Ramona olhou para o pé de goiaba, se deteve nos últimos galhos.
- Você está mentindo! É muito fácil subir.
- Eu não...
Ainda se sentia um menino, tremeu, ficou quieto.
Ramona tirou o chinelo e num instante subiu no pé de goiaba. As folhas da árvore pareciam reclamar, zuniam de um lado para o outro, ora e vez, nos olhos fugidios do menino, aparecia os braços e parte das pernas de Ramona.
- Venha me ajudar, tem muita amarelinha de madura – pediu ela.
Talvez por sugestão do sopro do vento eriçando seus cabelos, o rapaz criou repentina coragem, avançou de pulos comedidos até o tronco principal da árvore, conseguiu chegar à primeira galhada, ainda longe das frutas e de Ramona, respirou fundo, segurando o galho mais comprido como se fosse uma tábua de salvação.
No momento que se sentiu seguro, olhou para cima e se deu com a blusa de Ramona voando entre o verde das folhas soprada pelo vento. E bem lá dentro da blusa a carne inchava, duas magnificas peras da cor jambo, duras, rijas, balançando de encontro uma da outra. Uns pelinhos ralos no umbigo, um tanto a mais nas axilas fizeram os olhos do menino abaixar, envergonhado, a voz emudecida, sem se mexer. Respirou fundo, resolveu olhar novamente para cima, o tremor ligeiro lhe tomando por inteiro no exato instante que Ramona olhou para baixo e deu de frente com o seu rosto petrificado enxerindo nas suas coisas escondidas.
Deu um salto, agarrou outro galho, tentou colar a blusa ao corpo. Marcelo percebeu os movimentos, desceu mais rápido do que subiu, bateu com os pés no chão e pensou fugir, mas se deteve por um instante de imensa coragem, as mãos tomadas por um calor repentino, como se estivessem mergulhadas na nascente de um rio.
Ramona chegou ao chão logo em seguida trazendo um par de goiabas maduras nas mãos e os olhos tomados por brilhos de chama. Não era fúria, era fogo, serviu para petrificar Marcelo de vez. Ramona então se postou diante dele, a respiração acelerada, o cheiro azedo no corpo, algo assim, um cheiro forte e sedutor que Marcelo nunca havia sentido. Colocou as goiabas no chão, aproximou-se e abraçou-o com força, a voz firme, decidida:
- Já viu, agora sinta.
O rapaz permaneceu calado quando as mãos da moça apanharam as suas e as colaram em volta da sua cintura, balançado devagar, acelerando aos poucos, apertou, apertou... Marcelo sentiu algo crescendo dentro dele. Dos cabelos cacheados de Ramona escorreu o suor quente, Marcelo com os olhos arregalados, Ramona olhos fechados. O fôlego de Ramona ardia, a respiração no mesmo ritmo do aperto de braços, corpo a corpo, os lábios dela tão perto, quase dava para sentir a umidade. Marcelo gemeu de leve, uma dor gostosa nunca antes sentida. Os olhos fechados de Ramona aos poucos se abriram e ela finalmente amoleceu.
Foi embora correndo, sem olhar para trás.
Marcelo apanhou as duas goiabas nas mãos, alisou-as, apalpou-as, enquanto na mente assoviava o som do vento espalhando as folhas, formando na sua cabeça o desenho eterno, o esplendor da magnífica primeira visão, a fruta madura, dançando dentro de uma blusa entre os galhos da árvore.
André Alvez
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