Da queda dos patriarcas à força das facções, crime sempre tem sucessor, diz MP
Após Omertà e Successione, Ministério Público aponta troca de poder e desafio maior ao Gaeco
A queda de lideranças históricas do crime na fronteira de Mato Grosso do Sul não significa enfraquecimento das organizações criminosas, pelo contrário. A história recente tem mostrado a escalada da violência. Durante a apresentação do balanço anual do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), nesta sexta-feira (19), o procurador-geral de Justiça, Romão Ávila Milhan Júnior, afirmou que a sucessão de comandos faz parte da lógica do crime organizado e mantém a atividade criminosa ativa na região, agora dominada pelas facções como PCC e Comando Vermelho.
RESUMO
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A prisão do ex-deputado Roberto Razuk marca o fim da era dos patriarcas do crime organizado na fronteira de Mato Grosso do Sul. Segundo o Ministério Público, o modelo comandado por famílias tradicionais deu lugar a facções criminosas de alcance nacional, como PCC e Comando Vermelho. A mudança no perfil das organizações criminosas alterou as estratégias de investigação. Além da violência armada, as facções investem em crimes digitais, lavagem de dinheiro e tentativas de infiltração em estruturas estatais. O combate à corrupção de agentes públicos tornou-se prioridade para conter o avanço dessas organizações na região.
A queda de Roberto Razuk, preso na Operação Successione, simbolizou o fim de uma era de poder patriarcal no crime organizado da fronteira de Mato Grosso do Sul, avalia o Minis. O modelo comandado por famílias chegou ao fim e facções criminosas passaram a ocupar esse espaço, segundo avaliação do Ministério Público.
A prisão do homem poderoso de Dourados, na 4ª fase da operação deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) em 2025, fechou um ciclo iniciado anos antes com a Operação Omertà. As investigações atingiram Fahd Jamil Georges, Jamil Name e, por fim, Razuk, figuras que durante décadas concentraram influência política, econômica e criminal e foram apontadas como patriarcas do poder paralelo no Estado.
Durante a apresentação do balanço anual de atividades do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, nesta sexta-feira (19), a reportagem questionou se a queda dessas lideranças significava o enfraquecimento do crime organizado na fronteira. Para o procurador-geral de Justiça, Romão Ávila Milhan Júnior, a resposta é clara: a prisão de chefes históricos não encerra a atuação criminosa, porque a sucessão é parte da lógica dessas organizações.
“Quando um líder cai, outro assume”, afirmou. Segundo ele, esse movimento vem sendo observado pelo menos desde 2016, com a morte de Jorge Rafaat, e segue se repetindo na fronteira sul-mato-grossense.
Romão destacou que o vácuo deixado pelas famílias tradicionais passou a ser disputado por facções criminosas de alcance nacional, que já atuam no Estado. Para o procurador-geral, a presença de organizações como Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho em Mato Grosso do Sul é uma realidade e exige atenção constante das forças de investigação.
A coordenadora do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), Ana Lara Castro, explica que essa troca no perfil de quem ocupa o comando muda diretamente a forma de enfrentamento ao crime organizado. Segundo ela, sair de um modelo concentrado em famílias para outro estruturado em facções altera desde a linha investigativa até a forma de análise das conexões criminosas.
“Muda a forma de investigar, muda a forma de enfrentamento”, afirmou. Para Ana Lara, a mudança não é pontual, mas estrutural, e reflete a própria evolução das facções ao longo dos anos.
Ela lembra que, quando essas organizações chegaram ao Mato Grosso do Sul, no início dos anos 2000, a atuação estava concentrada no sistema prisional e na ordenação de crimes violentos fora das cadeias. Hoje, o cenário é mais complexo.
“O próprio perfil das facções mudou”, disse. “Elas passaram a copiar modelos de inserção dentro das estruturas do Estado.”
Segundo a coordenadora, além da violência armada, as facções passaram a investir em crimes digitais e na lavagem de dinheiro por meio de atividades aparentemente lícitas. A tentativa de inserção em estruturas estatais, inclusive por meio de empresas e contratos, passou a fazer parte da estratégia dessas organizações.
“Isso impacta na análise de cenário, no tipo de investimento que nós vamos fazer e na linha investigativa que nós vamos adotar”, afirmou. Segundo ela, o objetivo é tentar antecipar movimentos e evitar que novas lideranças se consolidem.
Nesse contexto, o combate à corrupção de agentes públicos ganhou peso estratégico. O histórico do Gaeco inclui investigações envolvendo policiais militares, delegados, guardas municipais e até policiais federais. Para a coordenadora, a infiltração nas forças de segurança é um dos primeiros caminhos buscados tanto por famílias tradicionais quanto por facções.
Esse diagnóstico é apresentado em um ano de atuação intensa do Gaeco. De acordo com o balanço divulgado pelo MPMS, em 2025 o grupo realizou 19 ações estratégicas, sendo 11 próprias e oito em apoio a Ministérios Públicos de outros estados. As operações resultaram em 107 prisões e no cumprimento de 370 mandados de busca e apreensão, com foco em organizações criminosas estruturadas e de atuação interestadual.
Para o Ministério Público, o uso de inteligência, tecnologia e cooperação entre estados tem sido fundamental para enfrentar um crime organizado mais pulverizado e menos personalista, cenário que se consolidou após a queda das antigas lideranças familiares.
Nesse contexto, o combate à corrupção de agentes públicos ganhou peso estratégico. O histórico do Gaeco inclui investigações envolvendo policiais militares, delegados, guardas municipais e até policiais federais. Para a coordenadora, a infiltração nas forças de segurança é um dos primeiros caminhos buscados tanto por famílias tradicionais quanto por facções.
“Se a gente não conseguir que as forças de segurança pública trabalhem honestamente, a gente não vai longe”, afirmou.
A prisão de Razuk pode encerrar simbolicamente a era dos patriarcas do poder paralelo em Mato Grosso do Sul, mas está longe de pôr um fim aos poderes paralelos. O crime organizado na fronteira deixou de ter um comando personalizado e passou a operar de forma mais pulverizada, técnica e integrada a redes nacionais.
A avaliação é de que o enfrentamento agora não se resume à derrubada de nomes conhecidos, mas à contenção de estruturas que se reorganizam rapidamente. Como resume o próprio procurador-geral, a disputa pelo controle da fronteira não termina com a queda de um líder. “O crime se reorganiza”, afirmou Romão.






