Dependência química dos pais deixa crianças expostas à negligência e violência
Assistente social alerta para aumento de partos onde os genitores são dependentes químicos

Crianças em Campo Grande vivem sob risco diário de violência, negligência e abandono ao viverem com os pais usuários de drogas, em situação de vulnerabilidade social, tanto em bairros periféricos quanto nas ruas da capital.
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O uso de drogas e álcool por pais tem exposto crianças a situações de vulnerabilidade em Campo Grande. Uma mãe de sete filhos perdeu a guarda de dois deles após episódios de negligência causados pelo alcoolismo, incluindo um incidente em que abandonou uma filha de 7 anos em um hospital público durante um surto. A situação é recorrente na cidade, segundo dados da maternidade Cândido Mariano, que registrou 37 atendimentos de mães dependentes químicas em 2024. Na Santa Casa, foram 28 notificações de gestantes em situação de risco por dependência química no mesmo ano, evidenciando um problema social que afeta desde o período gestacional.
Em processo de se livrar da dependência do álcool, uma mãe solo que tem 7 filhos, mas atualmente mora com apenas uma de suas filhas, de 27 anos, contou à reportagem do Campo Grande News que o alcoolismo já a levou a deixar sua filha em situação de abandono em hospital público de Campo Grande.
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Segundo a genitora, que tem 50 anos, ela estava tão transtornada com os efeitos da bebida que nem se lembrava direito do que aconteceu naquele dia; recorda apenas que precisou ser contida no hospital e que o Conselho Tutelar foi acionado por conta da situação de vulnerabilidade pela qual uma de suas filhas, de 7 anos, passou.
"Eu era alcoólatra e cheguei a levar cachaça para o hospital. Levei; não minto. Porém, nunca mais farei isso. Sabe por quê? Não convém e não tem motivo. Você só se ferra. Eu estava tão bêbada que deixei minha filha lá no hospital. Aí chamaram o Conselho Tutelar", relatou a mãe.
Relatos de funcionários do hospital que presenciaram o caso indicam que servidores precisaram cuidar da criança de 7 anos até que os efeitos da embriaguez da mãe passassem. Diante da situação, a genitora foi internada na ala de psiquiatria.
O surto ocorreu enquanto a mãe visitava sua filha de 27 anos, que estava internada. A filha mais velha tem doença renal crônica e, por isso, realiza tratamento frequente no hospital.
Situações como essa ocasionaram denúncias ao Conselho Tutelar contra a mãe, que perdeu a guarda de dois dos seus três filhos, a menina de 7 anos e um adolescente de 15 anos.
A criança e o adolescente foram levados pelo Conselho Tutelar, segundo o relato da mãe, há quase um ano.

"Eu perdi meus filhos. Perdi meu filho porque foi vender paçoca na rua; vizinhos tiraram fotos e denunciaram. A de 7 anos foi porque a deixei sozinha em casa, pois fui ao hospital cuidar da minha filha de 27 anos e me denunciaram também. Eu sofro com isso; sempre fui uma boa mãe", disse, emocionada.
Porém, mesmo informando que a perda da guarda ocorreu há muito tempo, de acordo com os relatos dos funcionários do hospital, o surto ocorreu neste ano, em março.
Sobre o alcoolismo, a mãe de 7 filhos relata que está em processo de largar a dependência que já lhe trouxe muito sofrimento e serviu de refúgio da realidade.
"Eu acordava e tomava cachaça. Sabe por quê? Problemas; pensava que ia resolver. Não resolve, só afunda. Eu pensei que era um refúgio. Falava: 'Vou afogar minhas lágrimas ali', mas é pura derrota. Agora estou tomando atitude para mudar".
Problemas de convívio familiar podem ocasionar tragédias como a que vitimou Emanuelly Victória Souza, de 6 anos, no mês passado.
A criança foi encontrada morta em uma casa alugada na Avenida Joaquim Manoel de Carvalho, no bairro Vila Carvalho. O corpo estava enrolado em um cobertor dentro de uma banheira, com sinais de estupro.
Vizinhos disseram na semana em que o crime aconteceu que raramente viam os pais da criança e que os poucos sinais da família eram marcados por brigas e gritos. “Ele gritava com a mulher, mandava calar a boca e a criança se calava na hora. Já escutei uma criança sendo bastante judiada ali dentro”, contou um dos vizinhos da família.
Segundo os documentos, aos quais o Campo Grande News teve acesso, vizinhos falaram que a criança sofria agressões físicas, não era devidamente alimentada, faltava à escola quando apresentava lesões e estava exposta a usuários e traficantes de drogas no ambiente doméstico.
O suspeito pelo crime, Marcos Willian Teixeira Timóteo, que foi morto em conflito com a polícia, era conhecido e amigo da família. Ele já tinha passagens por estupro de vulnerável, crimes cometidos quando ele era adolescente, em 2019 e 2020. Uma das vítimas foi um bebê de um ano e a outra, uma menina de 11 anos.
Riscos para as crianças - Em alguns casos, o risco de negligencias e abandono de crianças pelos seus genitores dependentes químicos ocorre desde o período da maternidade.
A reportagem entrou em contato com a Assistente Social da Maternidade Cândido Mariano, Taline Mara Bronze da Cruz, que relatou o aumento deste tipo de situação prejudicial as crianças.
"A situação de vulnerabilidade que a gente vê é justamente o abandono financeiro, afetivo e de cuidados. Nestes casos, a estrutura física da casa da família, na maioria das vezes, é precária, sem higiene adequada. Já nos deparamos com situações em que as drogas estavam expostas às crianças nos cômodos da casa", disse a assistente social.
Segundo a profissional da área, os pacientes com este perfil tratam com descuido a saúde da criança, não leva ao médico, não a vacinam, e também não a alimentam da forma correta.
"Em caso de amamentação, se o seio materno é ofertado nesses primeiros meses de vida, ela ocorre de forma precária porque há consumo de drogas associado, o que expõe a criança ao risco. Na amamentação, a criança acaba tendo acesso às toxinas".
De acordo com os dados da assistência social da Maternidade Cândido Mariano, neste ano ocorreram 37 atendimentos na unidade envolvendo genitoras dependentes químicas.
A Santa Casa de Campo Grande também informou que, em 2024, foram registradas 28 notificações de gestantes em situação de risco (adictas) que tiveram seus partos na unidade hospitalar. Já no período de janeiro a julho de 2025, contabilizaram-se 17 notificações.