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Cidades

Isoladas em aldeia, mulheres falam pela 1ª vez de violência que só elas conhecem

Ação pioneira leva Ministério Público e Defensoria levou conversa para dentro da aldeia Te'yikue

Por Inara Silva | 04/07/2025 08:27
Isoladas em aldeia, mulheres falam pela 1ª vez de violência que só elas conhecem
Mulheres participam de atividade lúdica durante encontro (Foto: MPMS)

Pela primeira vez na história da aldeia Te'yikue, localizada a 17 quilômetros de Caarapó, no interior de Mato Grosso do Sul, mulheres indígenas tiveram um espaço inédito para serem ouvidas por autoridades públicas. A iniciativa faz parte da primeira etapa do projeto "Fortalecer para Cuidar", liderado pela 1ª Promotoria de Justiça de Caarapó, com foco na escuta ativa, prevenção e proteção das mulheres indígenas.

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Em Caarapó, Mato Grosso do Sul, mulheres indígenas da aldeia Te'yikue quebraram o silêncio sobre a violência doméstica em encontros inéditos com autoridades públicas. O projeto "Fortalecer para Cuidar", liderado pelo Ministério Público, visa à escuta ativa, prevenção e proteção dessas mulheres, que sofrem com violência psicológica, matrimonial e sexual, muitas vezes sem reconhecê-la como tal. Dados da Polícia Civil revelam que, de janeiro a junho deste ano, 40% das denúncias da aldeia estavam relacionadas à violência doméstica, incluindo oito casos de estupro. A subnotificação é um grave problema, agravado por fatores como distância da cidade, falta de transporte, barreira linguística e ausência de apoio da comunidade e de algumas lideranças. A presença de uma psicóloga indígena e intérpretes de Guarani facilitou a comunicação e o acolhimento das mulheres. O projeto, realizado em parceria com diversas instituições, busca valorizar as mulheres indígenas, incentivar a denúncia e oferecer suporte psicológico. Apesar dos desafios, a iniciativa representa um passo importante no combate à violência e no empoderamento feminino na comunidade.

O ciclo de três reuniões, encerrado nesta quinta-feira, envolveu moradoras das quatro macrorregiões da comunidade guarani: Missão, Nhandejara, Bocajá e Saverá.

A violência psicológica, matrimonial e sexual é uma realidade para muitas dessas mulheres, que - em diversos casos -  sequer a identificam como tal, por isso, as autoridades acreditam que parte dos crimes não chegam ao conhecimento da polícia.

Contudo, mesmo diante da subnotificação, os dados da Polícia Civil de Caarapó revelam um cenário preocupante: de janeiro a junho deste ano, 43 denúncias oriundas da aldeia foram atendidas. Dessas, 17 (40%) estavam inseridas no contexto da violência doméstica e familiar, incluindo oito casos de estupro. Isso significa que, mesmo com a dificuldade de registro, mais de um caso de violência sexual ocorrido em casa foi formalizado por mês.

Escuta Ativa 

Psicóloga de Caarapó, Araindia Pires é indígena da etnia Guarani e atuou nos encontros como mediadora e intérprete. Ela acredita que o fato de ser indigena e falar o idioma contribuiu para a aproximação com as mulheres.

“É a primeira vez que um projeto olha para as mulheres indígenas. As falas são sempre de agradecimento por momentos de escuta e acolhimento.” Ela compartilhou relatos chocantes, como o de uma liderança que, ao receber uma queixa de violência, disse à vítima: “não larga porque gosta de apanhar”, diz Araindia sobre a emoção e a receptividade das indígenas:

Diversos fatores dificultam as denúncias, como a distância da cidade, a ausência de transporte público e a barreira linguística, já que a maioria não compreende fluentemente a língua portuguesa. Somadas à falta de apoio e entendimento da própria comunidade e de algumas lideranças, essas barreiras acabam por normalizar a violência e impedir as vítimas de buscar ajuda.

Isoladas em aldeia, mulheres falam pela 1ª vez de violência que só elas conhecem
Indígenas presentes no encontro desta quinta-feira (3) na aldeia Te'yikue (Foto: MPMS)

Renata Castelão, professora aposentada e ativista da causa indígena, mora na aldeia Te'yikue há mais de 30 anos e também atuou como intérprete da língua Guarani nos encontros. Renata enfatizou a urgente necessidade de ações que promovam a valorização feminina na comunidade e manifestou preocupação com a escassez de apoio psicológico, destacando que apenas uma psicóloga atende a seis comunidades indígenas da região.

“Já passei por dificuldades que as outras indígenas estão passando. A aldeia é longe e muitas não conseguem ir até o centro”, afirmou Renata, ressaltando a importância do diálogo e da troca entre as mulheres.

Para Renata Castelão, o evento, embora não resolva a violência por completo, representa um passo significativo na redução dos crimes. “É uma ação inédita. Pela primeira vez, uma promotora e uma defensora foram na aldeia para ouvir as mulheres", ressaltou, evidenciando o impacto imediato. Muitas mulheres, que geralmente não se manifestavam, prontificaram-se a falar no microfone.

A professora acredita que o encontro proporcionou às mulheres um sentimento de valorização e a percepção de sua própria capacidade. Segundo Renata, durante as conversas, relatos de violência, muitas vezes relacionados ao consumo de álcool, vieram à tona. Ela frisou a importância do diálogo, incentivando a comunicação e a busca por apoio psicológico para fortalecer a autoestima das mulheres e encorajá-las a denunciar abusos.

A comunidade guarani não dispõe de transporte público. O deslocamento exige veículo próprio, carona ou táxi, o que geralmente implica em alto custo

Isoladas em aldeia, mulheres falam pela 1ª vez de violência que só elas conhecem
Da esquerda para a direita, a defensora pública Karina de Freitas e a promotora de Justiça Fernanda Rottili Dias. (Foto: MPMS)

O Projeto 

O projeto "Fortalecer para Cuidar" é uma iniciativa do Ministério Público de Mato Grosso do Sul e começou em 6 de junho. A ação é desenvolvida em parceria com um diversas instituições, como o Poder Judiciário, Polícia Civil, Cras Indígena, Setor de Psicologia da Escola Nhandejara Polo, Coordenação de Educação e Escolas da Aldeia, SESAI, FUNAI, Secretarias Municipais de Assistência Social, Saúde e Educação, Polícia Militar, Delegacia de Polícia Civil de Caarapó, Coordenação Técnica da Funai, Coordenação de Políticas Públicas para as Mulheres, Atenção Básica de Saúde e Defensoria Pública de MS.

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